Ocupante do Planalto não tem proposta para enfrentar pandemia nem projeto para a nação
Com
a água chegando ao pescoço, o presidente reformou nesta terça (30) o seu ministério —e
mais uma vez fabricou uma crise, sua especialidade. Nesse dia, com UTIs
superlotadas, equipamentos e profissionais escasseando, o país batia novo
recorde de mortos pela pandemia em 24 horas: 3.668. Imenso também era o número
de desempregados para os quais o auxílio emergencial ainda não chegou, assim
como o de alunos aos quais não se ofereceu alternativa de estudo enquanto as
escolas estiverem fechadas.
Poderia
ter sido mudança rotineira: a troca de um chanceler que, movido por ideias
delirantes sobre o mundo, vinha sendo competente apenas em destruir a reputação
internacional do país. Só que não foi.
Pressionado pelos aliados no Congresso, com a popularidade em queda e perdendo apoios importantes entre as elites econômicas —para não falar da tensão com os governadores e parceiros internacionais que cobram do Brasil compromisso ambiental—, o ex-capitão tratou de se defender.
Imaginou
arrimar-se com a ajuda do centrão para bloquear o impeachment; da
Advocacia-Geral da União para proteger-se do Supremo Tribunal Federal; do
Ministério da Justiça para pôr sob controle a Polícia Federal e manter a
política de liberação de armas a civis e, por último, mas não menos importante,
procurou assegurar a cumplicidade das Forças Armadas ao que fizer e acontecer.
O
ocupante do Planalto não tem proposta para enfrentar a pandemia ou projeto para
a nação depois dela. Só tem clara a sua obsessão: aferrar-se à primeira cadeira
—pelo voto se possível, pela força se necessário. Ninguém perderá dinheiro
apostando que até outubro do ano que vem planeje um autogolpe. Como se sabe,
falta-lhe o mais ínfimo compromisso com a democracia.
Felizmente
as suas chances não parecem boas. De acordo com o Center for Systemic Peace,
think-tank americano que registrou todas as tentativas de golpe —bem-sucedidas
ou não— em países com mais de 500 mil habitantes, entre 1946 e 2018, foram 39
os casos de "subversão pelo Executivo no poder". Destes, apenas um
numa democracia sólida —a França de De Gaulle— e seis na América Latina, todos
em países mais frágeis que o Brasil em matéria de tradição democrática e
instituições políticas. O mesmo se pode dizer das nações onde ocorreram os
outros 32 casos de autogolpe.
Com
homenagens vazias, cargos, mais recursos no Orçamento e, agora, com a imposição
de fidelidade ao líder, o ex-capitão imagina arrastar os generais —e a Força
que comandam— para um aventura autoritária contra inimigos fabricados. Não será
bom para eles, muito menos para o país.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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