O Estado de S. Paulo
O País inteiro é refém de forças políticas que só pensam no custo de oportunidade
Jair Bolsonaro conseguiu no 7 de Setembro
tirar o último resquício de medo que se pudesse ter dele como personagem
político capaz de levar adiante qualquer operação golpista de grande porte. Ele
demonstrou não comandar instrumentos de força que, no fim das contas, acabam
sendo decisivos em embates nos quais se antecipa possível emprego de violência
física.
Chamam a atenção dois aspectos. O primeiro
é o fato de que não ocorreu a temida insubordinação das PMS contra os
governadores, que Bolsonaro ataca como inimigos. Confirmaram-se as avaliações
de serviços de inteligência militares segundo os quais haveria apenas
participação pontual de policiais no delírio de rua bolsonarista. Somado à
recusa das cadeias de comando das Forças Armadas a embarcar na aventura
política, fica evidente que o presidente não manda nas armas.
Talvez o que mais desespere Bolsonaro seja o segundo aspecto associado ao 7 de Setembro: o fato de ele não ter comando também sobre a Polícia Federal. Em qualquer projeto de golpe é essencial algum tipo de ferramenta de intimidação judicial e/ou policial sobre adversários (além da força militar), e o que está acontecendo é exatamente o contrário. A PF, que é uma polícia judicial, obedece meticulosamente ao STF (na cabeça de Bolsonaro leia-se Alexandre de Moraes). E intimidados estão sendo os bolsonaristas.
Vem daí a certa tranquilidade dos ministros
do STF em assumir, nas deliberações internas, que a melhor resposta aos
desafios de Bolsonaro ainda é “trabalhar dentro do processo”. Preocupado em não
criar o fato jurídico contra si mesmo, Bolsonaro está sendo levado a cometer o
erro básico de diletantes em golpes, que consiste em proferir ameaças sem a
indicação de atos concretos para realizá-las. Sim, o palavrório consegue
excitar a imbecilidade dos fanáticos. Mas, ao contrário de muitos juristas, e
em parte do próprio STF, no entender da PGR até aqui “ameaça verbal” não é
“atentado ao estado de direito” – portanto, denunciar Bolsonaro por crime de
responsabilidade cabe à esfera política. Foi o que Aras e Fux fizeram na
quarta-feira.
É nesse âmbito que o esbravejador
desprovido de qualquer senso de estratégia está criando o “momento” contra si
mesmo. Diminuiu o conforto do Centrão em apoiá-lo, embora sejam esses caciques
os donos do cofre e da agenda política. Esses agentes políticos não são
totalmente imunes à perda de apoio das elites empresariais, que está se
alastrando para os segmentos médios da economia. O cálculo político nos setores
dirigentes da economia é brutalmente simples: há perspectivas ainda de melhora
da situação sob Bolsonaro? O “não” como resposta está crescendo.
Pior ainda para Bolsonaro e para o Centrão:
a imprevisibilidade e a turbulência políticas dos últimos meses tiveram impacto
na confiança em geral dos agentes econômicos. Desconfiança e incertezas se
traduziram em números (como expectativa de inflação, juros e crescimento
medíocre do PIB) que, por sua vez, reforçam o desânimo, a apatia e o sentimento
generalizado nesses mesmos agentes. Bolsonaro não está atuando para quebrar
essa espiral. Ao contrário, o 7 de Setembro acentuou a noção subjetiva de que
pela frente só teremos tempos ainda piores do ponto de vista político.
Diante desse cenário, o 7 de Setembro
transformou em ator central e decisivo o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira. É ele quem pode apressar o fim da agonia da qual Bolsonaro virou
sinônimo. Mas, pela sua biografia e posturas políticas, Lira é a personificação
do patrimonialismo, do regionalismo da política, do corporativismo e da
incapacidade das elites políticas em particular e das elites dirigentes em
geral de estabelecer qualquer coisa parecida com um projeto de nação. Seria
ilusório esperar dele um gesto de coragem.
Assim, não só Bolsonaro, mas o Brasil
inteiro, tornou-se refém do Centrão – entendido como um conjunto de forças
políticas amorfas que cuidam apenas de seus interesses políticos imediatos.
Para as quais o único custo que importa é o de oportunidade. Bolsonaro, pelo
jeito, ainda vale a pena. Agonia alheia não dói.
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