O Estado de S. Paulo
Dilema que atormenta muitos parlamentares é
se vale a pena ajudar Bolsonaro
É inegável que o agravamento da tensão
política após as manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro piora o
ambiente para a aprovação completa (Câmara e Senado) de projetos
econômicos de interesse do governo. Mas essa é uma avaliação de curtíssimo
prazo e o pragmatismo político (o do dinheiro) deve falar mais alto.
Não é do interesse de deputados e
senadores, que disputarão as eleições em 2022, implodir por completo a pauta
econômica a ponto de inviabilizar o Orçamento do governo no ano
que vem.
Os parlamentares querem emendas, recursos
para obras nos seus redutos e um fundo eleitoral rechonchudo para enfrentar com
posição privilegiada a campanha de 2022.
Esse ponto vale para os parlamentares de todos os partidos: governistas e opositores do presidente Bolsonaro. O dilema que atormenta hoje muitos parlamentares é avaliar até que ponto vale a pena ajudar Bolsonaro com uma solução para o pagamento da dívida de precatórios e dar a ele o novo Bolsa Família. Ninguém acredita que haverá corte das emendas parlamentares para reforçar o programa social.
Se morreu a agenda legislativa do ministro
da Economia, Paulo Guedes, a pauta do Orçamento
será tocada pelo Congresso, com a equipe econômica e o governo num papel secundário.
Quanto maior a dificuldade de aprovar os
projetos econômicos de seu interesse no Congresso, maior será a tentação do
governo de adotar medidas criativas e fora do orçamento oficial.
Uma dessas tentativas já está quase na rua.
Poucos se deram conta do que representa o programa de microcrédito da Caixa que
se propõe a conceder empréstimos de R$ 200, R$ 300 à população de baixa
renda.
Como revelou a colunista do Estadão/Broadcast, Irany Tereza, é
a tal “revolução do mercado financeiro” prometida pelo presidente do
banco, Pedro Guimarães,
conhecido em Brasília como
PG2 de tão próximo que é do presidente Bolsonaro.
O programa, que visa a atingir 100 milhões
de pessoas, na prática, funcionará com uma extensão do auxílio emergencial.
Uma forma encontrada para viabilizar recursos fora do orçamento via banco
público, dando mais tempo para o governo resolver o problema político para
entrar com o seu novo programa social. Sem falar que o público do microcrédito
será muito maior do que o do Auxílio Brasil, como foi batizado
o substituto do programa Bolsa Família.
O limite para os financiamentos foi
avaliado em R$ 3 mil por CPF, e os recursos para a nova linha, estipulados
inicialmente em R$ 10 bilhões, com margem para ir a R$ 20 bilhões, com funding
no lucro da própria Caixa.
Em caso de inadimplência, porém, é muito
pouco provável que o banco vá conseguir cobrar. Dificilmente valerá a pena ir
atrás de devedores de valores tão baixos. Tudo isso pode significar necessidade
de provisionamento, prejuízo lá na frente e capitalização da Caixa no futuro
com recursos do Orçamento e
fora do teto de gastos. É que os aportes do governo a empresas estatais ficam
fora do teto constitucional para as despesas do governo.
A ideia inicial do governo, antecipada pelo Estadão em
novembro passado, era mais tímida; atingir em torno de 20 milhões de
trabalhadores de baixa renda como alternativa na época para o fim do auxílio
emergencial. Os valores dos empréstimos eram outros e não tão baixos. Mas o
cenário político eleitoral mudou o curso da história.
O espírito desse novo microcrédito lembra
muito o programa Minha Casa Melhor, linha de crédito para a compra de móveis,
computadores e eletrodomésticos lançada em 2013, um ano antes das eleições de
2014.
Na época, a Caixa ignorou a análise técnica
e jurídica do próprio banco, que mostrava o risco elevado de calote, e bancou o
programa, considerado uma vitrine eleitoral da presidente Dilma Rousseff.
Documentos mostravam que o programa já nasceu deficitário e a possibilidade de calote da linha, direcionada para os mutuários do Minha Casa, Minha Vida, chegava a 50,73% na faixa das famílias mais pobres da população. Se não quiser aumentar a desconfiança com as contas do governo, a Caixa terá de provar a viabilidade do seu novo programa. Se for para nascer deficitário, o subsídio do governo terá de estar claro e no Orçamento. A ver.
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