EDITORIAIS
O País não vai se intimidar
O Estado de S. Paulo
O palavrório golpista e as ameaças de Jair Bolsonaro não passam de esperneio, diante da constatação de que encontram firme resistência institucional
O objetivo do presidente Jair Bolsonaro ao
convocar as manifestações do 7 de Setembro foi tão somente intimidar os outros
Poderes constituídos. Embora tenha jurado respeitar a Constituição quando tomou
posse, o presidente avisou que não pretende cumprir ordens do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, na prática,
significa afrontar o Supremo e a própria Constituição. E ainda desafiou, para
delírio de seus adoradores: “Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei
preso”. Ressalte-se que Bolsonaro não disse que sua conduta não é criminosa.
Ele apenas se recusa a se submeter a eventuais medidas judiciais restritivas de
liberdade porque não reconhece, liminarmente, a legitimidade do juiz que
eventualmente vier a condená-lo.
Felizmente, contudo, a julgar pelo que se
vê desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, o palavrório golpista e o
espetáculo das ameaças aos outros Poderes não passam de esperneio, diante da
constatação de que as bravatas bolsonaristas têm encontrado firme resistência
institucional.
Em enérgico discurso como resposta ao repto de Bolsonaro, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, disse que “o STF não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões” e que, havendo desobediência por parte de um chefe de Poder, como é Bolsonaro, “além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso”. Para completar, dirigiu-se aos golpistas bolsonaristas que, incitados pelo presidente, atacam o Supremo: “Este Supremo jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções”.
Tal disposição indica que, malgrado a
tensão causada pelas inúmeras bravatas de Jair Bolsonaro desde que chegou ao
Palácio do Planalto, a marcha golpista do presidente continuará a ser obstada
pelas instituições que, exercendo sua independência constitucional, se empenham
em preservar a normalidade democrática.
São muitos os casos em que o Legislativo e
o Judiciário recordaram ao presidente da República seus limites
constitucionais. Por exemplo, o Congresso não apenas rejeitou inúmeras medidas
provisórias (MPs) editadas desde 2019, como a presidência do Senado, em junho
de 2020, devolveu de pronto a MP 979/2020, sobre a nomeação de reitores, em
razão de sua evidente inconstitucionalidade.
Merece menção especial o papel do Senado na
contenção dos arroubos presidenciais. No mês passado, o presidente da Casa,
Rodrigo Pacheco, rejeitou a denúncia de Bolsonaro contra o ministro Alexandre
de Moraes, em razão de ausência de justa causa. Ontem, Rodrigo Pacheco mostrou
especial prudência com a suspensão das sessões deliberativas desta semana.
No STF, destacam-se três decisões
especialmente relevantes para o País. No ano passado, o Supremo rejeitou a
tentativa de centralização do Palácio do Planalto e, em uma defesa histórica do
princípio federativo, reconheceu a competência de Estados e municípios para
editar medidas relativas à saúde pública no enfrentamento da pandemia de
covid-19.
Em corajosa defesa do princípio da
separação dos Poderes, o STF reconheceu o dever da presidência do Senado de
instaurar a CPI da Covid, uma vez que estavam preenchidos os requisitos
constitucionais. Os interesses do Palácio do Planalto não poderiam prevalecer
sobre a vontade dos parlamentares e, principalmente, sobre a Constituição. Essa
decisão do Supremo permitiu que a população conhecesse não apenas a extensão
das omissões do Palácio do Planalto, mas também como se deram algumas
negociações no Ministério da Saúde.
Destaca-se ainda, no âmbito do Supremo, a
manutenção das investigações sobre atos e organizações contrários ao regime
democrático. Apesar das várias ameaças bolsonaristas, os trabalhos para apurar
eventuais condutas ilícitas estão avançando. Ao investigar, entre outros, o
presidente Bolsonaro e seus filhos, o Supremo revela a qualidade, tão
valorizada na Operação Lava Jato, de que o sistema de Justiça não deve fazer
distinção de pessoas. Bolsonaro pode não gostar, mas todos devem se submeter à
mesma lei.
A liderança da USP na AL
O Estado de S. Paulo
A universidade tem conseguido se destacar na comunidade acadêmica e científica mundial
A Universidade de São Paulo (USP) – que é a
maior do País, com 5,5 mil professores e quase cem mil alunos – continua se
destacando nos rankings internacionais de avaliação de desempenho. A exemplo do
que ocorreu no ano passado, ela voltou a ser classificada neste ano pela Times
Higher Education, uma respeitada empresa britânica de consultoria no campo da
educação, como a melhor instituição de ensino superior da América Latina
(AL).
Dos 13 indicadores agrupados em 5
categorias (ensino, inovação, internacionalização, investimento em pesquisa e
citações) na 18.ª edição do World University Rankings, a USP ficou entre as 100
melhores em duas – ensino e pesquisa. No conjunto, ela se manteve no grupo
entre 201 e 250 melhores instituições, a mesma posição que alcançou em 2020.
Com isso, a USP ficou ao lado da Universidade de Waterloo, do Canadá; da
Universidade de Surrey, do Reino Unido; da Universidade de Tel-Aviv, de Israel;
e da Universidade da Coreia, da Coreia do Sul.
Ao todo, a Times Higher Education avaliou
1,6 mil universidades de 99 países. Das dez primeiras posições, nove são
universidades americanas. As três instituições mais bem colocadas foram, pela
ordem, a Universidade de Oxford, o Instituto de Tecnologia da Califórnia e a
Universidade Harvard. Das universidades brasileiras, 59 foram classificadas. A
segunda mais bem posicionada no World University Rankings foi a Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que ficou no grupo entre 401-500.
Quando uma universidade obtém uma boa
classificação num ranking comparativo de desempenho, ela ingressa num círculo
virtuoso. Entre outras vantagens, isso abre a porta para que ela tenha acesso a
fontes de financiamento para pesquisa em organismos multilaterais, participe de
experiências compartilhadas com instituições de ponta, promova intercâmbios
acadêmicos, associe-se a redes de publicações e atraia professores
consagrados.
Inversamente, quando uma instituição de
ensino superior não consegue sair das últimas posições num ranking
internacional, ela passa a enfrentar problemas para obter financiamento, não
consegue fazer intercâmbio acadêmico, não tem acesso a parcerias no
desenvolvimento de pesquisas científico-tecnológicas e não tem trabalhos de
seus professores publicados em revistas internacionais com arbitragem. Em
outras palavras, universidades sem reputação acadêmica internacional não
conseguem captar os recursos necessários para inovar nem atuar nas fronteiras
do conhecimento, o que faz com que suas publicações não sejam catalogadas pela
Web of Science.
É justamente porque tem se empenhado em
manter sua reputação que a USP vem conseguindo ampliar cada vez mais suas
atividades e se destacar na comunidade acadêmica e científica mundial. Além da
posição de destaque no World University Rankings, nos últimos anos ela ficou na
segunda posição da The Higher Education Latin America University, um ranking
comparativo dedicado apenas às instituições de ensino superior da América
Latina.
Graças aos seus programas de inovação, aos
seus projetos de internacionalização e ao aumento dos investimentos em pesquisa
e em capital humano, o que tem levado os trabalhos acadêmicos de seu corpo
docente a serem cada vez mais citados nas mais conceituadas publicações
científicas mundiais, a USP também foi classificada, há cinco meses, em 13.º
lugar no ranking das universidades das economias emergentes que avalia
instituições de 48 países. Em 2021, ela subiu uma colocação em relação à edição
do ano passado. E, no ranking da Quacquarelli Symonds, outra conceituada
consultoria internacional, seus cursos de Geografia, Direito, Agricultura,
Odontologia, Minas e Estruturas e Engenharia de Petróleo foram classificados
entre os 50 melhores do mundo.
A reiteração do sucesso da USP chega em boa
hora. Mostra que a plena autonomia universitária, hoje questionada por
autoridades do governo federal, é o fator que cria condições para que a
academia possa servir aos melhores interesses do País.
A desvirtuação das emendas parlamentares
O Estado de S. Paulo
O ‘limbo’ em que estão as emendas de vereadores não reeleitos deixa a comunidade desassistida
As emendas parlamentares, não é de hoje,
têm sido constantemente desvirtuadas de seu propósito mais nobre, qual seja,
dar um caráter de colaboração entre Poderes à construção do Orçamento público.
Previstas na Constituição, as emendas parlamentares são legítimos instrumentos
de participação do Poder Legislativo no aprimoramento da proposta orçamentária
encaminhada anualmente pelo Poder Executivo, visando à alocação dos recursos
públicos em projetos que melhor atendam às necessidades da população.
Em tese, nada há de ilegal ou nem mesmo
fisiológico na apresentação de emendas por um parlamentar. Entretanto, na
prática, não raro a liberação de emendas ao Orçamento tem sido convertida em
moeda de troca para a construção de bases de apoio artificiais ao Poder
Executivo ou para enriquecimento ilícito de seus proponentes ou apaniguados.
Uma imoral combinação de autoritarismo e patrimonialismo.
Em que pese a natureza impositiva do
pagamento das emendas parlamentares no âmbito da União, a anomalia pode ser
observada nas três esferas de governo. Em nível federal, o mau uso das emendas
parlamentares chegou ao paroxismo de ensejar a construção de um “orçamento
secreto”, tal como revelou o Estado em maio deste ano.
Quem mais sofre com a desvirtuação das
emendas parlamentares é quem delas mais deveria se beneficiar: a população.
Alguns casos na cidade de São Paulo ilustram muito bem como as emendas
parlamentares, quando mal ou não empregadas, podem servir a tudo, menos ao
interesse público.
O Parque Cora Coralina, na Escola Municipal
Desembargador Amorim Lima, na Vila Gomes, zona oeste da capital paulista,
precisa de uma reforma para recuperar o solo erodido e tornar o espaço seguro
para as crianças, funcionários e professores. Diante da interdição do parque,
usado para várias atividades, um grupo de pais de alunos se organizou, preparou
um projeto de recuperação durante dois anos e participou de um edital da
Prefeitura de São Paulo, batizado Chamada Cívica, para concorrer a recursos
indicados por emendas parlamentares. A recuperação do Parque Cora Coralina foi
um dos projetos escolhidos entre dezenas de concorrentes, como revelou
reportagem do Estado. O grupo de pais conquistou o
direito de indicar o destino de uma emenda do então vereador José Police Neto
(PSD).
Mas a alegria dos pais dos alunos ao ver
seu projeto entre os escolhidos da Chamada Cívica durou pouco. Em 2020, dada a
eclosão da pandemia de covid-19, Police Neto retirou as emendas do edital para
que a alocação de recursos fosse dedicada ao combate da doença, o que era
bastante sensato. Police Neto reapresentou suas emendas, entre as quais a que
viabilizaria a recuperação do Parque Cora Coralina, à proposta orçamentária de
2021. O problema é que Police Neto não foi reeleito e as emendas propostas pelo
ex-vereador caíram em uma espécie de “limbo”. Até hoje não foram liberadas.
“A comunidade se organizou e venceu um
edital. Há, portanto, um compromisso do poder público com aquela organização, e
não com o vereador (que apresentou a emenda)”, disse Police Neto
ao Estado.
Mesmo fora da Câmara Municipal, o ex-vereador informou que tem mantido contato
com a Casa Civil da Prefeitura de São Paulo para tentar liberar os recursos.
A Associação Nacional de Prevenção ao Uso e
Abuso de Drogas é outra organização da sociedade civil que sofre com o “limbo”
das emendas propostas por vereadores que não se reelegeram. A associação
contava com R$ 500 mil de uma emenda proposta pelo ex-vereador Masataka Ota
(PSB), que não se reelegeu e morreu em fevereiro deste ano.
O “limbo” é uma excrescência jurídica e
moral. O Orçamento, ao fim e ao cabo, é uma lei. O vereador que apresentou
emendas por fim aprovadas tinha legitimidade para tanto ao tempo da indicação.
É dever do Poder Executivo honrar o pagamento. Não é porque um parlamentar
perdeu o mandato e, em tese, seu “valor” para o Executivo que suas emendas não
devem ser alocadas nos projetos a que se destinam. Os problemas que afligem a
comunidade não têm prazo de validade, como um mandato.
'É crime'
Folha de S. Paulo
Fux diz o óbvio necessário sobre pregação
de Bolsonaro; Lira e Aras dissimulam
Coube ao presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministro Luiz Fux, a reação mais enérgica à exibição desabrida de
golpismo com a qual Jair Bolsonaro conspurcou o Dia da Independência.
Sem floreios ou meias palavras, o
magistrado disse o óbvio necessário —que o descumprimento de decisões
judiciais, pregado pelo presidente da República a uma turba fanatizada, “configura
crime de responsabilidade a ser analisado pelo Congresso Nacional” se
levado a cabo pelo chefe de um Poder.
“A crítica institucional não se confunde
—nem se adequa— com narrativas de descredibilização do STF e de seus membros,
tal como vêm sendo gravemente difundidas pelo chefe da nação”, apontou Fux.
Com a altivez do presidente da corte
contrastaram os pronunciamentos dissimulados do presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do
procurador-geral da República, Augusto Aras, que parecem ter se sentido
obrigados a dizer algo diante da infâmia de Bolsonaro, mas nem mesmo tiveram a
coragem de nominá-lo.
Mais do que repetir platitudes a respeito
da importância do respeito à Constituição, Lira e Aras precisam demonstrar a
disposição de agir como exigem seus cargos.
Ao primeiro cabe a responsabilidade de
deliberar sobre mais de uma centena de pedidos de impeachment que dormem em sua
gaveta. Se os considera sem fundamento, que os rejeite, e a decisão possa ser
submetida ao plenário. Inaceitável é que o Legislativo não trate do tema
enquanto o presidente da República afronta as instituições.
Já do procurador-geral depende a iniciativa
de investigar o chefe de Estado por infrações penais comuns, o que pode incluir
desde a negligência no combate à pandemia até a difusão de mentiras para
desacreditar as urnas eletrônicas.
Recorde-se que o Tribunal Superior
Eleitoral abriu inquérito administrativo sobre uma transmissão pela internet em
que Bolsonaro, sem apresentar uma mísera evidência, acusou a instituição de
fechar os olhos para alegadas fraudes em pleitos passados.
A apuração pode ser ampliada para alcançar
novas suspeitas, como a de que o presidente, ao participar de atos como os do 7
de Setembro, faz campanha eleitoral antecipada ou abusa de seu poder político e
econômico. São ilegalidades que, em tese ao menos, podem tornar o mandatário
inelegível.
Uma investigação desse tipo teria mais peso
com o aval do procurador-geral, mas na Justiça Eleitoral —onde tramita também
processo que pode levar à cassação da chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão— isso não
é indispensável.
Fato é que as instituições se encontram na
obrigação de reagir, nos limites e rigores da lei, à escalada de abusos,
ameaças e transgressões. O mandatário desmoraliza a cada dia os que com ele
procuram contemporizar.
Casuísmo digital
Folha de S. Paulo
MP para restringir remoção de conteúdos nas
redes busca insuflar bolsonaristas
As primeiras manifestações de repúdio do
mundo político à medida provisória que impede as plataformas da internet de
remover conteúdo nocivo das redes sociais sugerem que ela terá vida
breve, como tantas outras iniciativas atrabiliárias de Jair
Bolsonaro.
Três legendas já protocolaram ações no
Supremo Tribunal Federal para que a peça seja declarada inconstitucional.
Líderes partidários cogitam devolvê-la ao Executivo, por falta de urgência que
a justifique. Espera-se que o façam.
Assinada pelo presidente na véspera das
manifestações golpistas do 7 de Setembro, a medida teve a clara intenção de
insuflar seus apoiadores mais radicais e não disfarça sua concepção
autoritária.
O texto impede plataformas como o Facebook
e o Twitter de seguir suas políticas de moderação e as obriga a obedecer as
novas regras estabelecidas pelo governo, que só autorizam a remoção de
conteúdos classificados como impróprios pela medida provisória.
A lista arbitrária de proibições inclui
nudez, apologia a drogas ilícitas e incitação ao crime, por exemplo, mas não
impõe restrições à disseminação de notícias falsas e outros comportamentos que
as empresas têm desejado coibir.
As novas regras se aplicam a plataformas
com mais de 10 milhões de usuários, mas poupam aplicativos emergentes que têm
sido cada vez mais usados por militantes para contornar as barreiras
encontradas nas redes maiores.
O governo apresentou a MP como um
instrumento para defender a liberdade de expressão do poder arbitrário das
empresas que administram as plataformas, mas Bolsonaro age em causa própria.
O texto limita as circunstâncias em que as
empresas podem suspender contas dos que desrespeitam suas políticas,
possibilidade que assombra bolsonaristas.
Alinhavada a portas fechadas, a MP trai o
espírito que levou à construção do Marco Civil da Internet, aprovado após amplo
debate público há sete anos, e passa por cima do projeto que busca coibir a
desinformação nas redes, em tramitação no Congresso.
Não há dúvida sobre a relevância de
discutir a conduta nas redes sociais, mas é certo que o ambiente adequado para
tal não são gabinetes daqueles que usam a internet para fomentar o ódio e a
mentira.
Escalada de Bolsonaro muda pouco reação das
instituições
Valor Econômico
STF ganha adesão do Senado contra as
investidas antidemocráticas do presidente
As grandes manifestações bolsonaristas no
dia 7 de setembro foram o ensaio geral dos planos do presidente Jair Bolsonaro
para manter-se no poder, por vias legais ou não. As multidões, convocadas pelo
presidente, lhe deram o cenário desejado para que prossiga no ataque às
instituições: ações diretas junto ao “povo”, - representado por fanáticos
apoiadores - com caráter “plebiscitário”. Para Bolsonaro, basta-lhe um “eu
autorizo” da minoria que o segue para avalizar seus propósitos
antidemocráticos.
As manifestações do Dia da Independência
não foram apenas mais uma delas. Pelas bandeiras e palavras de ordem não houve
defesa da democracia, apesar do slogan da “liberdade de expressão”, o que para
o presidente da República significa simplesmente fazer o que lhe der na telha,
sem restrições legais ou institucionais. Bolsonaro reuniu dezenas de milhares
de pessoas para dizer que “canalhas” (do STF) jamais o prenderiam, ameaçar o
STF, que deveria conter o ministro Alexandre de Moraes ou “sofrer aquilo que
não queremos”. Depois, ao encarar Moraes como indivíduo e não representante da
Suprema Corte, disse que “não mais cumprirá” qualquer decisão dele.
Uma coisa é Bolsonaro resmungar em suas
lives semanais mambembes contra o Supremo, outra é convocar multidões para
riscar do mapa o Judiciário. Houve uma diferença de qualidade no ataque às
instituições em relação aos anteriores. Luiz Fux, presidente do STF, mostrou a
linha que Bolsonaro cruzou: é crime de responsabilidade descumprir decisões
judiciais. A própria incitação e a ofensa a ministro da Corte “são práticas
antidemocráticas e ilícitas”, afirmou.
A presença em peso de apoiadores do
presidente não foi só um expediente para que um mandatário fraco se sinta
fortalecido. A constante agitação civil contra a democracia feita por
Bolsonaro, que mais provoca e incita do que governa, é um componente
importante, mas não tão vital, da sua tentativa de permanecer no poder. O
presidente conta que terá as Forças Armadas ao seu lado, assim como as
polícias, de cujas comemorações e formaturas participa com regularidade incomum
para um presidente desde que foi eleito. Bolsonaro não é um organizador das
massas, sequer tem partido e não vê um como necessário. A força decisiva que
busca, ao que parece, não está exatamente, ou apenas, nas ruas.
Após a mudança de grau na escalada de
Bolsonaro, a reação das instituições mostrou um quadro de forças que moldarão
os embates futuros provocados pelo presidente, que certamente virão. A
resistência aos arreganhos autoritários do presidente cresceu, os mercados
desabaram no dia seguinte, se disseminou mais a crença de que as reformas estão
encerradas, mas o mapa do poder das instituições dispostas a conter Bolsonaro
parece ter mudado pouco.
O STF, alvo do ataque mais concentrado do
governo até agora, manteve-se firme e disse que a atitude de Bolsonaro pode
conduzir a um crime de responsabilidade, logo a um impeachment ou ação penal, a
serem analisados pelo Congresso ou pelo Procurador Geral da República. O
presidente da República conta, por enquanto, com demasiada confiança, de que
nada virá destes dois flancos.
O discurso do presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL) foi diversionista: todos os Poderes devem respeitar a Constituição
- sem nomear que o Executivo não o está -, deve haver harmonia entre eles -
quando a cizânia parte de um só - e elogiou os brasileiros que “foram à rua de
modo pacífico” - pregar o fechamento do Supremo e intervenção militar. O
Centrão, e o PP de Lira, que detém a Casa Civil e o destino de emendas
bilionárias no Congresso, deu sinais claros de que não desembarcará do governo
já e os pedidos de impeachment de Bolsonaro seguirão na gaveta.
A manifestação do presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi mais contundente. Determinou, em protesto, que por
uma semana todas as reuniões deliberativas e de comissões sejam suspensas. A
reforma do IR e outras pautas de interesse do governo estão lá. É no Senado que
o apoio ao governo é escasso, ao contrário da Câmara.
Augusto Aras, o procurador geral, disse que discordâncias devem respeitar o “devido processo legal” e elogiou a “festa cívica”. As manifestações foram “expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático”. Em suma, nada aconteceu que preocupasse o procurador, que tem entre seus deveres fazer respeitar a Constituição.
Reação de Fux valoriza ordem institucional
O Globo
Em resposta à bravata de Bolsonaro de que
descumprirá ordens do STF, Fux reiterou que o tribunal “não tolerará ameaças à
autoridade de suas decisões”
Depois das ameaças golpistas e dos ataques
antidemocráticos no 7 de Setembro, era esperada a reação do Supremo Tribunal
Federal (STF), alvo da incitação do presidente Jair Bolsonaro. O presidente da
Corte, ministro Luiz Fux, deu ontem uma resposta ao mesmo tempo dura e serena,
incisiva e responsável, enérgica e reparadora. Lá onde Bolsonaro tentou semear
o caos e a cizânia entre as instituições, Fux trouxe a voz da razão e deu uma
aula de democracia.
Reconheceu o caráter pacífico das
manifestações, em que os “participantes exerceram liberdades de reunião e
expressão, direitos protegidos pelo Supremo”. Louvou o papel das polícias e
forças de segurança, que souberam atuar para preservar a ordem e a paz,
desmentindo o temor de que seus integrantes se convertessem em milícias
bolsonaristas. “Percebemos que policiais e demais agentes atuaram conscientes
de que a democracia não é importante apenas para si, mas também para seus
filhos”, afirmou.
Fux traçou com clareza meridiana a
distinção entre, de um lado, a “convivência de visões diferentes”, a “crítica
institucional” e o “respeito aos Poderes constituídos” — inerentes a toda
democracia — e, de outro, os “falsos profetas do patriotismo”, a “tentação das
narrativas fáceis e messiânicas” e o “discurso do ‘nós contra eles’” de quem
“não propaga a democracia, mas a política do caos”.
Nesse contexto, citou explicitamente os
ataques de Bolsonaro e reagiu com veemência a seu discurso golpista. “Ofender a
honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a
instituição do STF e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são
práticas antidemocráticas e ilícitas, intoleráveis”, disse.
Em resposta à bravata de Bolsonaro de que
descumprirá ordens do Supremo, Fux reiterou que o tribunal “não tolerará
ameaças à autoridade de suas decisões”. Num momento de óbvio conteúdo político,
relembrou o sentido constitucional de um presidente ameaçar desobedecer a
ordens judiciais: “Essa atitude, além de representar um atentado à democracia,
configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”.
Foi uma indireta ao presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), em cuja mesa repousam algo como 130 pedidos de impeachment
de Bolsonaro. Depois de ficar em silêncio no Dia da Independência, Lira também
se viu compelido a fazer um pronunciamento, mas em tom mais apaziguador. Tentou
colocar o Legislativo no papel de “ponte” para pacificar Executivo e
Judiciário. Condenou as “bravatas em redes sociais” e o “eterno palanque”, sem
nem citar Bolsonaro. Deu a entender que continua pequena a chance de acatar
algum dos pedidos de impeachment (até porque Bolsonaro disporia de votos
suficientes para barrá-lo). “O único compromisso inadiável e inquestionável
está marcado para 3 de outubro de 2022, com as urnas eletrônicas”, afirmou
Lira.
Mas como agir se o candidato que está no
poder ameaça não aceitar o resultado, com base em mentiras sobre essas mesmas
urnas? Para casos assim, a própria democracia dispõe de recursos institucionais
— o impeachment é um deles, embora talvez o mais traumático. Seria desejável
que, como quer Lira, tudo pudesse ser resolvido nas eleições e não fosse
necessário usá-los. Bolsonaro, porém, continua a apostar noutro caminho.
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