Folha de S. Paulo
Acidentes e baderna do presidente ameaçam
até recuperação do PIB deste ano
Lá no final de maio, pareceu possível que a
economia recuperasse ao menos o que havia perdido no paradão da epidemia de
2020 e que houvesse vacinas bastantes para que todo o mundo recebesse as
injeções antes do fim do ano.
Um governante incapaz, mas mentiroso,
cínico e oportunista, tentaria tirar proveito da situação e também colocar na
sua conta a melhora relativa do país, por interesse próprio. Ainda habitaria o
universo da razão, mesmo que meramente instrumental e no seu nível mais baixo.
Jair Bolsonaro está abaixo disso. Talvez consiga implodir até a despiora
prevista para este 2021.
Jamais é uma boa ideia prestar atenção
demasiada a paniquitos
dos mercados financeiros, como o desta quarta-feira, o dia depois do 7 de
Setembro golpista. Além do mais, a finança do centro do mundo andou alvoroçada,
o que explica parte do afundamento do mercado brasileiro. No entanto, a cada
tombo mundial ou emergente, o Brasil rola vários degraus e quebra costelas. O
dólar foi a R$ 5,33, quase 3% de alta, a maior desde meados do ano passado,
dando mais lenha para a inflação queimar. A Bolsa perdeu 3,8%.
Menos pop e comentada foi a corrida das taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro. A taxa de dois anos foi a 9,4%, por exemplo, mas a disparada foi geral (em maio, o juro futuro de dois anos estava na casa de 7%). Isso vai chegar ao crédito bancário, ao capital de giro das empresas médias, talvez ao financiamento de casas.
O aperto nas condições financeiras é
contínuo, com uns solavancos feios para cima, como os desta quarta-feira. Isso
se deve ao fato de o país ter dívida grande, crescente, política econômica
desgovernada. Um país que pode viver tumultos graves de rua e vive sob ameaça
de tirania. Bolsonaro colocou no forno um peru podre de Natal.
Há riscos de outros acidentes e uns
imprevistos preocupantes além da conta. Se não começar a chover no Dia de
Finados, haverá apagões ou racionamento
estrito. A partir de novembro, o banco central do EUA (o Fed) pode mudar a
política monetária. Mesmo que o faça de modo suave, costuma dar tumulto ou
besteira. A escassez de matérias-primas para a indústria é maior e dura mais do
que o previsto, no mundo inteiro. A produção
de veículos em agosto no Brasil foi horrível por falta de componentes
eletrônicos. Agora, só falta um paradão
dos caminhoneiros bolsonaristas, que já começa.
É razoável esperar que a volta das
atividades de serviços, arruinadas pelas restrições sanitárias da epidemia,
compense inclusive os tropeços da indústria. De resto, a fim de recuperar o PIB
perdido no ano passado, a economia precisa crescer 4,3% neste 2021 (a previsão
ainda está pela casa dos 5,2%). Mas apenas recuperar o que se perdeu significa
que 2021 terá sido igual a 2019. Precisamos obviamente de mais, até para ganhar
impulso para 2022.
A mola do impulso para o ano que vem,
porém, derrete com a baderna, com a inflação e com a alta de juros. Daqui a
menos de duas semanas, o Banco Central pode elevar a Selic em 1,25 ponto, para
6,5% ao ano —e subindo.
Bolsonaro não tem limite. Ontem, chefetes e
chefes de Poderes fizeram pronunciamentos que foram de passar pano para o
golpista a indignações inócuas, como dizer que, se Bolsonaro desrespeita
decisão do Supremo, comete
crime de responsabilidade. Bidu. Ameaçar desobedecer, como fez ontem pela
enésima vez, já é crime.
Não há oposição de fato. A elite do poder e
do dinheiro ceva o projeto de destruição de Bolsonaro, que não tem limite. Vão
esperar o Natal da desgraça?
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