Folha de S. Paulo
Tripé macro é provavelmente o único viável
para uma economia moderna e livre
Caro Ciro Gomes,
atendo aqui a seu convite feito no artigo publicado terça-feira (2) nesta Folha ("A
rede está furada") em resposta ao meu de domingo ("Banco
Central age como se estivesse pescando com uma linha fina", 31/10).
Mantenho aqui o construtivo espírito de busca de convergências. Digo de cara
que, sim, a rede (fiscal) está de fato furada!
Uma resposta mais completa pode ser
encontrada em artigo que publiquei nesta Folha em 29 de setembro de 2019 ("No
final do arco-íris tem um pote de ouro"). Lá está exposta uma
estratégia consistente de combate à desigualdade e aceleração do crescimento.
Contém, inclusive, propostas praticamente idênticas às suas para o lado da
receita, e apresentadas em mais detalhe na revista Novos Estudos Cebrap em
dezembro de 2019. Vale dar uma debruçada lá.
Estamos juntos no entendimento de que
responsabilidade social e fiscal se complementam e representam uma base sólida
para a construção de um futuro melhor. Concordo com a necessidade da construção
de um arcabouço
fiscal sustentável no tempo (ou seja, robusto para permitir políticas
macroeconômicas e sociais anticíclicas).
Não há política anticíclica sem se acumular gorduras em épocas boas. E mais: não há possibilidade de juros baixos e sustentáveis e, portanto, câmbio competitivo, sem a casa em ordem. Não há crescimento sustentado sem estabilidade e previsibilidade na macroeconomia. Não há país que resista a recorrentes crises cambiais e inflacionárias, como sabemos melhor do que ninguém. Não há investimento em infraestrutura sem regras claras para preços públicos e confiança no longo prazo. Não há renda para o trabalhador no caos da inflação e no escuro da bagunça fiscal.
O tripé
macro foi criado para consolidar o sucesso do Plano
Real. Sigo acreditando que é o melhor sistema, provavelmente o único viável
para uma economia moderna e livre. Penso que, enquanto foi praticado com
disciplina e coerência, gerou bons resultados. Não há nada no tripé que proíba
crescimento, muito pelo contrário. Gostaria de ver uma alternativa coerente que
pare de pé.
Experimentos voluntaristas de reduções de
juros na marra sempre acabaram em inflação mais
alta do que antes. Aventuras com controles de preços e de câmbio, com renúncias
fiscais e subsídios absurdos e direcionamento massivo do crédito sempre nos
levaram ao caos e à desigualdade.
O regime de meta para inflação permite
incorporar a inércia de preços (como os administrados) e os choques de oferta,
desde que conduzido com transparência e apoiado pelas outras pernas do tripé.
Permite também combater recessões e inflações.
Dizer que o tripé vigorou desde 1999 não
procede. A criatividade fiscal começou no segundo mandato de Lula, e o colapso
final do regime fiscal data de 2014, quando Dilma Rousseff buscava a reeleição.
Destacam-se no "modelo" o uso
indiscriminado de subsídios e dos bancos públicos e as pedaladas.
Desde então, convivemos com déficits primários, crescimento negativo e
desigualdade crescente. Não houve continuidade do tripé.
É verdade que o gasto público vem crescendo
há décadas, e com ele a carga tributária. Não dá para falar em reduzir a carga
sem reduzir o gasto. Tenho defendido um ajuste de grandes proporções, para
ancorar a paz macroeconômica e redirecionar recursos para áreas que, ao mesmo
tempo, geram mais crescimento, igualdade e oportunidades (tais como saúde,
educação, infraestrutura e uma rede de proteção social melhor).
Sei que você é a favor disso tudo. Mas
faltou dizer de onde vêm os recursos. Tenho me esgoelado de repetir aqui que o
grosso deve vir de três áreas: dos espaços da receita já mencionados, da folha
de pagamentos do setor público e da Previdência.
Estes dois últimos itens representam 79% do gasto do governo como um todo! Não
temos chance sem uma boa reforma do RH do Estado e de mais esforços na
Previdência, que consome 13% do PIB versus 10% para saúde e educação.
Por fim, não procede dizer que recursos
foram torrados com a privatização. A extraordinária revolução que ocorreu em
vários setores, mormente na telefonia,
não teria ocorrido. E o fracasso no setor elétrico, não privatizado e mal
regulado, teria sido evitado.
Um abraço cordial.
*Sócio-fundador da Gávea Investimentos, é
presidente dos conselhos do IEPS e do IMDS, ex-presidente do Banco Central e
colunista da Folha
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