EDITORIAIS
De novo, Bolsonaro envergonha o Brasil
O Estado de S. Paulo
No exterior, presidente é motivo de
zombaria, descaso e vergonha. No Brasil, ele é ainda uma constante fonte de
incerteza e angústia
O presidente Jair Bolsonaro foi a Roma a
pretexto de participar da cúpula do G20, grupo formado pelas 20 maiores
economias do mundo. A viagem pode ter sido boa para ele e para os membros de
sua comitiva. Para o Brasil e para os brasileiros, no entanto, foi péssima.
Jamais um chefe de Estado havia envergonhado tão profundamente o País em uma
agenda internacional. Mais uma vez, restou evidente que Bolsonaro não está à
altura da Presidência da República.
O roteiro da viagem de Bolsonaro pela
Itália retratou com exatidão o deserto programático de seu governo, a total
ausência de uma agenda do presidente para o País e sua incompreensão do lugar
do Brasil no mundo. Como não sabe o que fazer e tampouco separa interesses de
Estado e de governo de seus objetivos particulares, Bolsonaro passou longe de
reuniões bilaterais produtivas, alinhamento de acordos diplomáticos e
comerciais ou simplesmente conversas de alto nível com outros dignitários que
pudessem ao menos estreitar laços entre o Brasil e os outros países do G-20.
Enquanto chefes de Estado e de governo conversavam entre si sobre temas de
interesse comum como vacinação, mudanças climáticas e taxação global para
grandes empresas, Bolsonaro se entretinha entabulando conversas sobre futebol
com alguns garçons.
O presidente brasileiro se reuniu apenas com o anfitrião da cúpula do G-20, o presidente italiano Sergio Mattarella, encontro meramente protocolar, e com o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann. Como foi noticiado, o encontro entre Bolsonaro e Cormann foi “rápido e inconclusivo”. Bolsonaro reafirmou a pretensão do Brasil de ingressar na OCDE, mas ouviu do secretário-geral da organização que, embora o País seja “grandioso”, “há um processo e o Brasil é um dos seis países candidatos (a ingressar na OCDE)”.
Em resumo, Bolsonaro cruzou o Atlântico
para fazer campanha eleitoral antecipada em solo estrangeiro e, como ninguém é
de ferro, algum turismo afetivo. Além das andanças por Roma, nas quais provocou
aglomerações e ensejou ataques violentos contra jornalistas no exercício da
profissão, Bolsonaro visitou a cidade de seus antepassados e foi ao santuário
de Pádua. Em Pistoia, ao lado de Matteo Salvini, líder da extrema direita
italiana, Bolsonaro homenageou os 467 soldados brasileiros que morreram em solo
italiano durante a 2.ª Guerra, justamente combatendo o populismo autoritário
que tanto Bolsonaro como Salvini hoje representam.
Em mais um ato de campanha, durante
conversa de corredor arranjada com o presidente da Turquia, Recep Erdogan,
Bolsonaro mentiu descaradamente sobre a situação econômica do País, vituperou
contra a Petrobras, reclamou de obstáculos imaginários para sua governança e se
jactou de um apoio popular que, na realidade, ele não tem. Foi um ensaio do que
dirá no decorrer da campanha eleitoral oficial no ano que vem. A um
constrangido diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros
Ghebreyesus, Bolsonaro houve por bem tripudiar do fato de ser o único chefe de
Estado no mundo acusado de ter cometido crimes contra a humanidade durante a
pandemia de covid-19, o que provocou risos no ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
em um misto de bazófia e subserviência.
Ficou claro que Bolsonaro usou a cúpula do
G-20 para reforçar entre seus apoiadores no Brasil a imagem de um presidente
que é pária por ser “antissistema”, alguém que luta praticamente sozinho contra
forças muito poderosas de um mundo em degeneração, forças estas que só ele,
qual um super-herói, é capaz de impedir que prejudiquem o Brasil. Acredite quem
quiser.
No mundo real, aquele que deveria preocupar
um presidente digno do cargo, milhões de brasileiros em insegurança alimentar
não sabem se serão contemplados pelo programa social que substituirá o Bolsa
Família. Como mostrou o Estado, 5,3 milhões de famílias que não atendiam aos
critérios para receber o Bolsa Família deixaram de receber o auxílio
emergencial e até ontem ainda não sabiam se seriam elegíveis ao Auxílio Brasil.
No exterior, Bolsonaro é motivo de
zombaria, descaso e vergonha. No Brasil, o presidente é ainda uma constante
fonte de incerteza e angústia.
Juros altos contra os desmandos
O Estado de S. Paulo
Apesar do tom diplomático, ata do Copom é
mais clara ao apontar Bolsonaro e equipe como fontes de pressões inflacionárias
Tormento das famílias, principalmente das
menos abonadas, a inflação vai ultrapassar a meta neste ano e nos próximos
três, segundo projeção do mercado. Se o Banco Central (BC) ainda precisasse de
justificativa para novos aumentos de juros, as expectativas dos economistas do
setor privado poderiam bastar. Pelas últimas estimativas, os preços ao
consumidor devem subir 9,17% neste ano, 4,55% no próximo, 3,27% em 2023 e 3,07%
no ano seguinte, o último do período representado no boletim Focus.
Se o Comitê de Política Monetária (Copom)
se concentrar em seu objetivo principal, a defesa do poder de compra do
dinheiro, será inevitável o avanço no “território contracionista”, sombrio
roteiro anunciado logo depois da recente elevação dos juros básicos para 7,75%
ao ano.
Mantida a promessa, mais um aumento de 1,5
ponto de porcentagem, igual àquele anunciado na quarta-feira da semana passada,
será formalizado na próxima reunião, prevista para os dias 7 e 8 de dezembro.
Diante disso, o mercado já elevou para 9,25% a taxa básica prevista para o fim
do ano. Mas a expectativa é de arrocho prolongado, num cenário de insegurança
agravado pelos desmandos do presidente Jair Bolsonaro. Novos aumentos são
esperados e a taxa estimada para o fim de 2022 já passou de 9,50% para 10,25%.
Nos dois anos seguintes os juros poderão recuar para 7,25% e 6,75%, segundo as
novas estimativas, mas continuarão superiores àqueles previstos há cerca de um
mês.
A piora das expectativas inclui previsões
de inflação acima da meta e crescimento econômico pífio. Segundo as últimas
projeções, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 4,94% neste ano e 1,20% no
próximo. Quatro semanas antes os cálculos indicavam 5,04% e 1,57% para 2021 e
2022. Se a nova estimativa se confirmar, a retomada compensará com pequena
sobra a retração econômica de 4,1% ocorrida no ano passado. Essa é uma das
explicações para a lenta redução do desemprego. Mas o dado mais significativo é
o desempenho esperado para o último ano de mandato do presidente Jair
Bolsonaro.
Abaixo de medíocre, esse desempenho
escancara mais uma vez o fracasso econômico do presidente e de sua equipe.
Quase nada se fez, a partir de 2019, para aumentar o potencial de crescimento
do Brasil. A taxa estimada para 2021 indica somente a saída do buraco onde o
País afundou em 2020. Além disso, grandes bancos e consultorias preveem para
2022 números bem abaixo daquela mediana de 1,20%. Algumas projeções estão na
faixa de zero a 0,5%.
Baixo potencial produtivo e preços
desarrumados sintetizam os grandes desajustes. A inflação muito elevada é
explicável em parte pelas cotações internacionais de matérias-primas, pelos
desarranjos das cadeias produtivas e por problemas climáticos. Mas esses
problemas, vividos em muitos países, foram potencializados no Brasil pela
insegurança dos investidores e financiadores, pelo tratamento inábil da crise
hídrica e pelo enorme desajuste cambial – em suma, pelo inadequado
comportamento do presidente da República e pela desmoralização da política
econômica.
A ata da última reunião do Copom destaca o
aumento recente das commodities energéticas, como petróleo e gás. O impacto
inflacionário desse aumento “é amplificado pela depreciação do real, sendo essa
combinação o fator preponderante para a elevação das projeções de inflação do
Comitê tanto para 2021 quanto para 2022”.
A referência ao dólar supervalorizado é mais clara nessa ata do que em comunicados anteriores. Mas cuidados diplomáticos são mantidos. Não se denuncia o principal causador da alta do dólar, o presidente Bolsonaro, nem se explicita o ataque ao teto de gastos como fator de inquietação. Mas é esse o assunto, obviamente, quando se mencionam “recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal”. Esses questionamentos, segundo a ata, “elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação”. Tentando restabelecer essa âncora, o Copom reafirma o compromisso de levar a inflação à meta de 3,50% em 2022. Faltou o aviso: arranje-se quem puder.
O recado dos juros
Folha de S. Paulo
BC evidencia relação entre a ofensiva
contra o teto de gastos e a alta da Selic
Como esperado, a proposta temerária
apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para desrespeitar os limites de gastos
federais com objetivos eleitorais já cobra um custo alto. A decisão do Banco
Central de acelerar a alta dos juros é consequência direta da
irresponsabilidade do Executivo.
Na justificativa
da decisão de elevar a taxa Selic em 1,5 ponto percentual, para
7,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) aponta diretamente para o
descontrole das contas públicas como fator que eleva os riscos inflacionários,
que já se mostram graves.
O BC ainda não tomou como consumada a
mudança na trajetória fiscal, que ainda depende da votação definitiva da
proposta de emenda constitucional que adia o pagamento de precatórios e altera
os parâmetros do teto de despesas.
Se aprovada pelo Congresso, a peça
sinalizará dispêndios maiores não apenas para 2022, mas estruturalmente, com
impacto altista nos juros de longo prazo.
Mesmo que a autoridade monetária ainda
relute na conclusão, cautela acertada a esta altura, a percepção de piora na
trajetória da dívida pública já foi inserida nos preços dos ativos brasileiros.
As taxas no mercado dispararam para mais de 12%, a Bolsa despencou e o dólar se
valorizou.
Os resultados da insegurança são aperto nas
condições financeiras —o ambiente geral que define as condições para captação
de recursos por parte de famílias e empresas— e maiores riscos recessivos para
o ano que vem.
Mesmo antes da barafunda em que se
transformou a discussão do Orçamento, o controle da inflação já se mostrava um
desafio e tanto. A desvalorização do real num contexto de elevadas altas das
matérias-primas cotadas em dólar deve resultar em alta do IPCA próxima a 10%
neste ano, muito acima da meta oficial de 3,5%.
As pressões sobre alimentos, energia,
combustíveis e preços industriais sujeitos a repasses do câmbio foram, até
aqui, as principais responsáveis pelo aumento do custo de vida. Como costuma
ocorrer no Brasil, porém, começa a se desenhar uma generalização que pode
incluir itens mais recorrentes, como serviços.
Por isso, as expectativas para o IPCA
superam as metas também para 2022 e 2023, o que demanda resposta dura do BC.
Se a inflação é problema no mundo todo
neste ano de retomada e choques nas cadeias produtivas, no Brasil ela se mostra
problema agravado pela incúria de Bolsonaro.
Ainda há tempo para estancar a marcha
insensata capaz de levar a uma nova recessão —que seria trágica, sobretudo,
para a população pobre em nome da qual se promove a irresponsabilidade fiscal.
Ilusão por inteiro
Folha de S. Paulo
SP veta projeto que extinguia meia-entrada,
política pública carente de lógica
Ainda não foi desta vez que todos os
paulistas ganharam direito à meia-entrada. O deputado estadual Carlão Pignatari
(PSDB), na capacidade de governador em exercício, vetou integralmente um
projeto de lei que fora aprovado pela Assembleia estendendo o benefício a todas
as pessoas entre 0 e 99 anos.
A proposta, de autoria do deputado Arthur
do Val (Patriota), tem dois problemas. O primeiro é a escolha das idades. Há
indivíduos com mais de 99 anos que frequentam espetáculos culturais e não há
nenhuma razão objetiva para excluí-los do desconto.
O esquecimento não traz consequências,
porém, dado que o Estatuto do Idoso garante a meia para todos aqueles com mais
de 60 anos.
O segundo defeito —uma redação desastrada—
resultou em danos mais graves. O projeto contém dispositivos que contrariam a
legislação federal sobre a matéria, o que serviu de pretexto para Pignatari
vetá-lo por inteiro.
A meia-entrada, como facilmente se deveria
perceber, contém um erro de lógica como pressuposto. Não faz sentido a lei
determinar um desconto quando a fixação do preço é totalmente livre. O que a
norma basicamente faz é estabelecer um jogo de ilusionismos.
Pagam meia hoje menores de 12 anos,
estudantes de todas as idades, jovens carentes de 15 a 29 anos e maiores de 60
anos —isso pelas leis federais. Estados e municípios têm legislações próprias,
que não raro concedem o benefício a outros estratos, como professores,
servidores, portadores de moléstias graves, doadores de sangue, membros de
sindicatos.
Como o empresário sabe de antemão que terá
de vender muitas entradas com desconto, fixa o preço-base num valor maior do
que estabeleceria caso a regra não existisse.
O fato de a meia-entrada ser ilusória não
significa que não cause danos. Para os que não se enquadram em nenhuma
categoria contemplada pela legislação, o custo de seu lazer se torna mais
salgado.
A meia corporifica outros vícios nacionais,
como a tendência dos políticos a fazer bondades com o bolso alheio, jogos de
compadrio (durante um tempo, apenas a UNE e congêneres puderam emitir as
carteirinhas de estudante) e os subsídios cruzados mal focados (estudantes
ricos são beneficiados; adultos pobres pagam o dobro).
O ideal seria que os deputados paulistas
derrubassem o veto, mas parece pouco provável que isso ocorra. Ilusões são
poderosas.
BC faz aperto monetário em condições mais
adversas
Valor Econômico
Selic pode ir bem além dos 12%, salvo se a
economia resvalar na recessão
Os ambientes interno e externo estão cada
vez mais hostis à política monetária mas, ainda assim, o Banco Central indica
que não pretende abandonar a meta de inflação de 3,5% em 2022, registra a ata
da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária. Para isso, o ritmo de
ajuste dos juros foi ampliado, a 1,5 ponto percentual por reunião, e o BC conta
atingir a meta, se necessário, com “taxas terminais diferentes”. Por enquanto,
as curvas dos juros privados mostram desconfiança de que esse objetivo será
alcançado, mas a volatilidade das apostas aumentou e pode mudar de direção a
qualquer hora. Por enquanto, oscila ao sabor do rumo incerto da política
fiscal, podendo piorar se o real se desvalorizar mais.
Com 2021 perdido, e a expectativa de
inflação final do ano ao redor de 10%, o BC acredita que tem condições para
ainda ancorar a meta de 2022. O cenário, porém, é menos favorável do que já
foi, segundo as atas anteriores do Copom. O BC agora aponta que o crescimento
global será menor do que o antevisto e que as políticas de normalização
monetária, isto é, de retirada dos estímulos adicionais motivados pela pandemia
pelos países desenvolvidos, avançarão.
Ontem o Federal Reserve americano decidiu
que reduzirá as compras de títulos do Tesouro e de hipotecas em “pelo menos”
US$ 15 bilhões ao mês. A decisão é condicional: pode ser mais rápida ou lenta
de acordo com as circunstâncias. Se tudo seguir segundo o roteiro, em junho de
2022 a injeção de liquidez adicional terá fim.
No cenário interno, o trabalho do BC será
favorecido ou dificultado pelo estado da atividade econômica. O Copom mudou a
sinalização nesse ponto e em alguns outros. A retomada da atividade no segundo
semestre será “menos intensa” - algo bem diferente da “recuperação robusta” da
ata anterior - e “concentrada no setor de serviços”. A oferta de insumos nas
cadeias produtivas da indústria continua muito instável e deve continuar assim
ao longo de 2022.
O BC, porém, não crê que uma recessão seja
inexorável. Ao contrário das expectativas do mercado sobre o desempenho da
economia, cada vez piores, aponta que as chances de crescimento tem três ventos
a seu favor: “a continuação da recuperação do mercado de trabalho e do setor de
serviços; o desempenho de setores menos ligados ao ciclo de negócios, como
agropecuária e indústria extrativa; e os resquícios do processo de normalização
da economia conforme a crise sanitária arrefece”.
Pela primeira vez, explicitamente e sem
atenuantes, o Copom reconhece que a combinação da elevação dos preços das
commodities com a inusual desvalorização do real - quando o padrão histórico
tem sido o contrário - é “o fator preponderante para a elevação das projeções
de inflação do Comitê tanto para 2021 quanto para 2022”.
Embora não diga, esse é ponto frágil da
política de aperto monetário. Ainda que a alta da Selic eleve o diferencial de
juros entre o Brasil e EUA e Europa, e possa com isso atrair capitais,
especulativos ou não, o fato é que o real continuou se desvalorizando mesmo
depois de o BC intensificar o ritmo de aumento dos juros. A razão principal é a
desmoralização aguda do teto de gastos e da política fiscal como um todo, após
a investida conjugada do governo, do ministro Paulo Guedes e do Centrão.
O Copom reconhece que esse é um dos motivos
para a consolidação do “risco altista para as projeções do seu cenário básico”
e que isso exige um “aperto monetário significativamente mais contracionista”.
A trajetória dos juros tentará, segundo o Copom, ser compatível com a convergência
da inflação para a meta “ainda em 2022”.
Um ritmo de juro maior que 1,5 ponto
percentual, prometido também para a próxima reunião do Copom - salvo mudanças
significativas no cenário, como ressalva a ata - foi avaliado e deixado de
lado, pelo menos por enquanto, porque a cadência determinada, “considerando
taxas terminais diferentes”, é compatível com a convergência da inflação “mesmo
com a desvantagem que uma política fiscal frouxa possa trazer ao balanço de
riscos”.
O BC será mais contracionista, mas não é
possível de antemão determinar em que nível o juro estacionará. A piora da
situação fiscal, segundo o Copom, leva-o a “atribuir maior probabilidade para
cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas”. É
um péssimo sinal. A Selic pode ir bem além dos 12% sinalizados pelos mercados,
salvo se o BC errar na avaliação do comportamento da economia e ela resvalar na
recessão.
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