quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

De novo, Bolsonaro envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

No exterior, presidente é motivo de zombaria, descaso e vergonha. No Brasil, ele é ainda uma constante fonte de incerteza e angústia

O presidente Jair Bolsonaro foi a Roma a pretexto de participar da cúpula do G20, grupo formado pelas 20 maiores economias do mundo. A viagem pode ter sido boa para ele e para os membros de sua comitiva. Para o Brasil e para os brasileiros, no entanto, foi péssima. Jamais um chefe de Estado havia envergonhado tão profundamente o País em uma agenda internacional. Mais uma vez, restou evidente que Bolsonaro não está à altura da Presidência da República.

O roteiro da viagem de Bolsonaro pela Itália retratou com exatidão o deserto programático de seu governo, a total ausência de uma agenda do presidente para o País e sua incompreensão do lugar do Brasil no mundo. Como não sabe o que fazer e tampouco separa interesses de Estado e de governo de seus objetivos particulares, Bolsonaro passou longe de reuniões bilaterais produtivas, alinhamento de acordos diplomáticos e comerciais ou simplesmente conversas de alto nível com outros dignitários que pudessem ao menos estreitar laços entre o Brasil e os outros países do G-20. Enquanto chefes de Estado e de governo conversavam entre si sobre temas de interesse comum como vacinação, mudanças climáticas e taxação global para grandes empresas, Bolsonaro se entretinha entabulando conversas sobre futebol com alguns garçons.

O presidente brasileiro se reuniu apenas com o anfitrião da cúpula do G-20, o presidente italiano Sergio Mattarella, encontro meramente protocolar, e com o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann. Como foi noticiado, o encontro entre Bolsonaro e Cormann foi “rápido e inconclusivo”. Bolsonaro reafirmou a pretensão do Brasil de ingressar na OCDE, mas ouviu do secretário-geral da organização que, embora o País seja “grandioso”, “há um processo e o Brasil é um dos seis países candidatos (a ingressar na OCDE)”.

Em resumo, Bolsonaro cruzou o Atlântico para fazer campanha eleitoral antecipada em solo estrangeiro e, como ninguém é de ferro, algum turismo afetivo. Além das andanças por Roma, nas quais provocou aglomerações e ensejou ataques violentos contra jornalistas no exercício da profissão, Bolsonaro visitou a cidade de seus antepassados e foi ao santuário de Pádua. Em Pistoia, ao lado de Matteo Salvini, líder da extrema direita italiana, Bolsonaro homenageou os 467 soldados brasileiros que morreram em solo italiano durante a 2.ª Guerra, justamente combatendo o populismo autoritário que tanto Bolsonaro como Salvini hoje representam.

Em mais um ato de campanha, durante conversa de corredor arranjada com o presidente da Turquia, Recep Erdogan, Bolsonaro mentiu descaradamente sobre a situação econômica do País, vituperou contra a Petrobras, reclamou de obstáculos imaginários para sua governança e se jactou de um apoio popular que, na realidade, ele não tem. Foi um ensaio do que dirá no decorrer da campanha eleitoral oficial no ano que vem. A um constrangido diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, Bolsonaro houve por bem tripudiar do fato de ser o único chefe de Estado no mundo acusado de ter cometido crimes contra a humanidade durante a pandemia de covid-19, o que provocou risos no ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em um misto de bazófia e subserviência.

Ficou claro que Bolsonaro usou a cúpula do G-20 para reforçar entre seus apoiadores no Brasil a imagem de um presidente que é pária por ser “antissistema”, alguém que luta praticamente sozinho contra forças muito poderosas de um mundo em degeneração, forças estas que só ele, qual um super-herói, é capaz de impedir que prejudiquem o Brasil. Acredite quem quiser.

No mundo real, aquele que deveria preocupar um presidente digno do cargo, milhões de brasileiros em insegurança alimentar não sabem se serão contemplados pelo programa social que substituirá o Bolsa Família. Como mostrou o Estado, 5,3 milhões de famílias que não atendiam aos critérios para receber o Bolsa Família deixaram de receber o auxílio emergencial e até ontem ainda não sabiam se seriam elegíveis ao Auxílio Brasil.

No exterior, Bolsonaro é motivo de zombaria, descaso e vergonha. No Brasil, o presidente é ainda uma constante fonte de incerteza e angústia.

Juros altos contra os desmandos

O Estado de S. Paulo

Apesar do tom diplomático, ata do Copom é mais clara ao apontar Bolsonaro e equipe como fontes de pressões inflacionárias

Tormento das famílias, principalmente das menos abonadas, a inflação vai ultrapassar a meta neste ano e nos próximos três, segundo projeção do mercado. Se o Banco Central (BC) ainda precisasse de justificativa para novos aumentos de juros, as expectativas dos economistas do setor privado poderiam bastar. Pelas últimas estimativas, os preços ao consumidor devem subir 9,17% neste ano, 4,55% no próximo, 3,27% em 2023 e 3,07% no ano seguinte, o último do período representado no boletim Focus.

Se o Comitê de Política Monetária (Copom) se concentrar em seu objetivo principal, a defesa do poder de compra do dinheiro, será inevitável o avanço no “território contracionista”, sombrio roteiro anunciado logo depois da recente elevação dos juros básicos para 7,75% ao ano.

Mantida a promessa, mais um aumento de 1,5 ponto de porcentagem, igual àquele anunciado na quarta-feira da semana passada, será formalizado na próxima reunião, prevista para os dias 7 e 8 de dezembro. Diante disso, o mercado já elevou para 9,25% a taxa básica prevista para o fim do ano. Mas a expectativa é de arrocho prolongado, num cenário de insegurança agravado pelos desmandos do presidente Jair Bolsonaro. Novos aumentos são esperados e a taxa estimada para o fim de 2022 já passou de 9,50% para 10,25%. Nos dois anos seguintes os juros poderão recuar para 7,25% e 6,75%, segundo as novas estimativas, mas continuarão superiores àqueles previstos há cerca de um mês.

A piora das expectativas inclui previsões de inflação acima da meta e crescimento econômico pífio. Segundo as últimas projeções, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 4,94% neste ano e 1,20% no próximo. Quatro semanas antes os cálculos indicavam 5,04% e 1,57% para 2021 e 2022. Se a nova estimativa se confirmar, a retomada compensará com pequena sobra a retração econômica de 4,1% ocorrida no ano passado. Essa é uma das explicações para a lenta redução do desemprego. Mas o dado mais significativo é o desempenho esperado para o último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Abaixo de medíocre, esse desempenho escancara mais uma vez o fracasso econômico do presidente e de sua equipe. Quase nada se fez, a partir de 2019, para aumentar o potencial de crescimento do Brasil. A taxa estimada para 2021 indica somente a saída do buraco onde o País afundou em 2020. Além disso, grandes bancos e consultorias preveem para 2022 números bem abaixo daquela mediana de 1,20%. Algumas projeções estão na faixa de zero a 0,5%.

Baixo potencial produtivo e preços desarrumados sintetizam os grandes desajustes. A inflação muito elevada é explicável em parte pelas cotações internacionais de matérias-primas, pelos desarranjos das cadeias produtivas e por problemas climáticos. Mas esses problemas, vividos em muitos países, foram potencializados no Brasil pela insegurança dos investidores e financiadores, pelo tratamento inábil da crise hídrica e pelo enorme desajuste cambial – em suma, pelo inadequado comportamento do presidente da República e pela desmoralização da política econômica.

A ata da última reunião do Copom destaca o aumento recente das commodities energéticas, como petróleo e gás. O impacto inflacionário desse aumento “é amplificado pela depreciação do real, sendo essa combinação o fator preponderante para a elevação das projeções de inflação do Comitê tanto para 2021 quanto para 2022”.

A referência ao dólar supervalorizado é mais clara nessa ata do que em comunicados anteriores. Mas cuidados diplomáticos são mantidos. Não se denuncia o principal causador da alta do dólar, o presidente Bolsonaro, nem se explicita o ataque ao teto de gastos como fator de inquietação. Mas é esse o assunto, obviamente, quando se mencionam “recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal”. Esses questionamentos, segundo a ata, “elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação”. Tentando restabelecer essa âncora, o Copom reafirma o compromisso de levar a inflação à meta de 3,50% em 2022. Faltou o aviso: arranje-se quem puder.

O recado dos juros

Folha de S. Paulo

BC evidencia relação entre a ofensiva contra o teto de gastos e a alta da Selic

Como esperado, a proposta temerária apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para desrespeitar os limites de gastos federais com objetivos eleitorais já cobra um custo alto. A decisão do Banco Central de acelerar a alta dos juros é consequência direta da irresponsabilidade do Executivo.

Na justificativa da decisão de elevar a taxa Selic em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) aponta diretamente para o descontrole das contas públicas como fator que eleva os riscos inflacionários, que já se mostram graves.

O BC ainda não tomou como consumada a mudança na trajetória fiscal, que ainda depende da votação definitiva da proposta de emenda constitucional que adia o pagamento de precatórios e altera os parâmetros do teto de despesas.

Se aprovada pelo Congresso, a peça sinalizará dispêndios maiores não apenas para 2022, mas estruturalmente, com impacto altista nos juros de longo prazo.

Mesmo que a autoridade monetária ainda relute na conclusão, cautela acertada a esta altura, a percepção de piora na trajetória da dívida pública já foi inserida nos preços dos ativos brasileiros. As taxas no mercado dispararam para mais de 12%, a Bolsa despencou e o dólar se valorizou.

Os resultados da insegurança são aperto nas condições financeiras —o ambiente geral que define as condições para captação de recursos por parte de famílias e empresas— e maiores riscos recessivos para o ano que vem.

Mesmo antes da barafunda em que se transformou a discussão do Orçamento, o controle da inflação já se mostrava um desafio e tanto. A desvalorização do real num contexto de elevadas altas das matérias-primas cotadas em dólar deve resultar em alta do IPCA próxima a 10% neste ano, muito acima da meta oficial de 3,5%.

As pressões sobre alimentos, energia, combustíveis e preços industriais sujeitos a repasses do câmbio foram, até aqui, as principais responsáveis pelo aumento do custo de vida. Como costuma ocorrer no Brasil, porém, começa a se desenhar uma generalização que pode incluir itens mais recorrentes, como serviços.

Por isso, as expectativas para o IPCA superam as metas também para 2022 e 2023, o que demanda resposta dura do BC.

Se a inflação é problema no mundo todo neste ano de retomada e choques nas cadeias produtivas, no Brasil ela se mostra problema agravado pela incúria de Bolsonaro.

Ainda há tempo para estancar a marcha insensata capaz de levar a uma nova recessão —que seria trágica, sobretudo, para a população pobre em nome da qual se promove a irresponsabilidade fiscal.

Ilusão por inteiro

Folha de S. Paulo

SP veta projeto que extinguia meia-entrada, política pública carente de lógica

Ainda não foi desta vez que todos os paulistas ganharam direito à meia-entrada. O deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB), na capacidade de governador em exercício, vetou integralmente um projeto de lei que fora aprovado pela Assembleia estendendo o benefício a todas as pessoas entre 0 e 99 anos.

A proposta, de autoria do deputado Arthur do Val (Patriota), tem dois problemas. O primeiro é a escolha das idades. Há indivíduos com mais de 99 anos que frequentam espetáculos culturais e não há nenhuma razão objetiva para excluí-los do desconto.

O esquecimento não traz consequências, porém, dado que o Estatuto do Idoso garante a meia para todos aqueles com mais de 60 anos.

O segundo defeito —uma redação desastrada— resultou em danos mais graves. O projeto contém dispositivos que contrariam a legislação federal sobre a matéria, o que serviu de pretexto para Pignatari vetá-lo por inteiro.

A meia-entrada, como facilmente se deveria perceber, contém um erro de lógica como pressuposto. Não faz sentido a lei determinar um desconto quando a fixação do preço é totalmente livre. O que a norma basicamente faz é estabelecer um jogo de ilusionismos.

Pagam meia hoje menores de 12 anos, estudantes de todas as idades, jovens carentes de 15 a 29 anos e maiores de 60 anos —isso pelas leis federais. Estados e municípios têm legislações próprias, que não raro concedem o benefício a outros estratos, como professores, servidores, portadores de moléstias graves, doadores de sangue, membros de sindicatos.

Como o empresário sabe de antemão que terá de vender muitas entradas com desconto, fixa o preço-base num valor maior do que estabeleceria caso a regra não existisse.

O fato de a meia-entrada ser ilusória não significa que não cause danos. Para os que não se enquadram em nenhuma categoria contemplada pela legislação, o custo de seu lazer se torna mais salgado.

A meia corporifica outros vícios nacionais, como a tendência dos políticos a fazer bondades com o bolso alheio, jogos de compadrio (durante um tempo, apenas a UNE e congêneres puderam emitir as carteirinhas de estudante) e os subsídios cruzados mal focados (estudantes ricos são beneficiados; adultos pobres pagam o dobro).

O ideal seria que os deputados paulistas derrubassem o veto, mas parece pouco provável que isso ocorra. Ilusões são poderosas.

BC faz aperto monetário em condições mais adversas

Valor Econômico

Selic pode ir bem além dos 12%, salvo se a economia resvalar na recessão

Os ambientes interno e externo estão cada vez mais hostis à política monetária mas, ainda assim, o Banco Central indica que não pretende abandonar a meta de inflação de 3,5% em 2022, registra a ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária. Para isso, o ritmo de ajuste dos juros foi ampliado, a 1,5 ponto percentual por reunião, e o BC conta atingir a meta, se necessário, com “taxas terminais diferentes”. Por enquanto, as curvas dos juros privados mostram desconfiança de que esse objetivo será alcançado, mas a volatilidade das apostas aumentou e pode mudar de direção a qualquer hora. Por enquanto, oscila ao sabor do rumo incerto da política fiscal, podendo piorar se o real se desvalorizar mais.

Com 2021 perdido, e a expectativa de inflação final do ano ao redor de 10%, o BC acredita que tem condições para ainda ancorar a meta de 2022. O cenário, porém, é menos favorável do que já foi, segundo as atas anteriores do Copom. O BC agora aponta que o crescimento global será menor do que o antevisto e que as políticas de normalização monetária, isto é, de retirada dos estímulos adicionais motivados pela pandemia pelos países desenvolvidos, avançarão.

Ontem o Federal Reserve americano decidiu que reduzirá as compras de títulos do Tesouro e de hipotecas em “pelo menos” US$ 15 bilhões ao mês. A decisão é condicional: pode ser mais rápida ou lenta de acordo com as circunstâncias. Se tudo seguir segundo o roteiro, em junho de 2022 a injeção de liquidez adicional terá fim.

No cenário interno, o trabalho do BC será favorecido ou dificultado pelo estado da atividade econômica. O Copom mudou a sinalização nesse ponto e em alguns outros. A retomada da atividade no segundo semestre será “menos intensa” - algo bem diferente da “recuperação robusta” da ata anterior - e “concentrada no setor de serviços”. A oferta de insumos nas cadeias produtivas da indústria continua muito instável e deve continuar assim ao longo de 2022.

O BC, porém, não crê que uma recessão seja inexorável. Ao contrário das expectativas do mercado sobre o desempenho da economia, cada vez piores, aponta que as chances de crescimento tem três ventos a seu favor: “a continuação da recuperação do mercado de trabalho e do setor de serviços; o desempenho de setores menos ligados ao ciclo de negócios, como agropecuária e indústria extrativa; e os resquícios do processo de normalização da economia conforme a crise sanitária arrefece”.

Pela primeira vez, explicitamente e sem atenuantes, o Copom reconhece que a combinação da elevação dos preços das commodities com a inusual desvalorização do real - quando o padrão histórico tem sido o contrário - é “o fator preponderante para a elevação das projeções de inflação do Comitê tanto para 2021 quanto para 2022”.

Embora não diga, esse é ponto frágil da política de aperto monetário. Ainda que a alta da Selic eleve o diferencial de juros entre o Brasil e EUA e Europa, e possa com isso atrair capitais, especulativos ou não, o fato é que o real continuou se desvalorizando mesmo depois de o BC intensificar o ritmo de aumento dos juros. A razão principal é a desmoralização aguda do teto de gastos e da política fiscal como um todo, após a investida conjugada do governo, do ministro Paulo Guedes e do Centrão.

O Copom reconhece que esse é um dos motivos para a consolidação do “risco altista para as projeções do seu cenário básico” e que isso exige um “aperto monetário significativamente mais contracionista”. A trajetória dos juros tentará, segundo o Copom, ser compatível com a convergência da inflação para a meta “ainda em 2022”.

Um ritmo de juro maior que 1,5 ponto percentual, prometido também para a próxima reunião do Copom - salvo mudanças significativas no cenário, como ressalva a ata - foi avaliado e deixado de lado, pelo menos por enquanto, porque a cadência determinada, “considerando taxas terminais diferentes”, é compatível com a convergência da inflação “mesmo com a desvantagem que uma política fiscal frouxa possa trazer ao balanço de riscos”.

O BC será mais contracionista, mas não é possível de antemão determinar em que nível o juro estacionará. A piora da situação fiscal, segundo o Copom, leva-o a “atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas”. É um péssimo sinal. A Selic pode ir bem além dos 12% sinalizados pelos mercados, salvo se o BC errar na avaliação do comportamento da economia e ela resvalar na recessão.

 

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