Correio Braziliense / Estado de Minas
O novo marco legal das
ferrovias foi atropelado pelo ministro Tarcísio Freitas, que autorizou a
construção e exploração por 99 anos de 14 novos ramais, sem segurança jurídica
O Senado agendou para a próxima
quarta-feira a votação do novo marco legal das ferrovias. O anúncio foi feito
pelo presidente do Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a pedido do senador Jean
Paul Prates (PT-RN), relator do Projeto de Lei 261/2018, de autoria do senador
licenciado José Serra (PSDB-SP), aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) em dezembro do ano passado. Acontece que o novo marco legal foi
atropelado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que autorizou a
construção e exploração, por 99 anos, de 14 ferrovias, com base na Medida
Provisória 1.065, de 30 de agosto passado. A Comissão recomendou que a MP seja
devolvida.
Esses investimentos são estimados pelo governo em R$ 80 bilhões, mas a maioria dos beneficiados por essas autorizações, segundo o senador José Aníbal (PSDB-SP), não tem capital suficiente para construir as ferrovias. “O mais correto é devolver a medida provisória e aprovar o projeto do senador José Serra, que é mais transparente e eficaz. É um absurdo o que foi feito. As empresas beneficiadas não têm nem segurança jurídica para captar esses recursos. Além disso, é uma afronta ao Senado, que estava para aprovar um projeto de lei que foi amplamente discutido e tem mais consistência técnica”, disse.
O projeto de Serra regula a construção e a
operação de linhas ferroviárias no país pela iniciativa privada. A proposta
estabelece que as autorizações não terão vigência predefinida, mas poderão ser
extintas por cassação, caducidade, decaimento, renúncia, anulação ou falência.
Não existem divergências em relação à entrega das ferrovias aos investidores privados,
mas em relação à forma e falta de transparência. O senador Jean Paul é um
entusiasta do novo marco legal: “Se o Estado não pode realizar investimentos,
mas empreendedores privados têm interesse em retomar o uso das ferrovias para
escoar a produção, por que o governo não pode autorizar a exploração do
serviço?”, questiona.
As ferrovias transportam somente 15% das
cargas no país. Em extensão de trilhos ativos, o país retrocedeu aos níveis de
1911, apesar dos avanços em produtividade e segurança. Na maioria das
metrópoles brasileiras, os engarrafamentos poderiam ser fortemente
reduzidos pela extensão da rede de trilhos. A nova legislação
possibilitará concessões, autorizações e permissões. O texto do novo marco
legal também inclui a autorregulação — quando as ferrovias, reunidas em
entidades associativas, poderão regular entre si o trânsito de pessoas e de
mercadorias nas suas linhas férreas, cabendo ao governo dirimir os casos de
conflito não conciliados consensualmente.
Mão beijada
Pela legislação ainda vigente, as
concessões de serviços públicos têm prazo de 25 anos, renováveis por mais 25
anos, ou seja, equivalentes a duas gerações. O Ministério da Infraestrutura
concedeu 14 autorizações por 99 anos para empresas que não estão entre as
grandes do setor, como a Rumo Logística (Malha Norte, Malha Oeste, Malha
Paulista, Malha Sul), MRS Logística (Malha Sudeste) e Vale (Estrada de Ferro
Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás), que ficaram de fora do pacote. A
exceção é a VLI (Ferrovia Centro Atlântica e Ferrovia Norte-SUL), que tem a
Vale como sócia majoritária e obteve autorizações para as ferrovias Lucas do
Rio Verde/MT- Água Boa/MT, Uberlândia/MG-Chaveslândia/MG, Porto
Franco/MA-Balsas/MA e Cubatão/SP-Santos/SP.
As demais empresas beneficiadas são:
Ferroeste (Maracaju/MS-Dourados/MS, Guarapuava/PR-Paranaguá/PR, Cascavel/PR-Foz
do Iguaçu/PR e Cascavel/PR-Chapecó/PR); Grão Pará -Maranhão
(Alcântara/MA-Açailândia/MA), Planalto-Piauí Participações (Suape/PE-Curral Novo/PI),
Fazenda Campo Grande (Santo André/SP), Macro Desenvolvimento Ltda. (Presidente
Kennedy/ES-Conceição do Mato Dentro/MG-Sete Lagoas/MG) e Petrocity (São
Matheus/ES – Ipatinga/MG, Barra de São Francisco/ES-Brasília/DF).
Há perguntas sem respostas nas autorizações.
Qual a estruturação econômico-financeira dos projetos? Os recursos para
investimentos estão garantidos? Quem são os investidores? Há contrato de carga
garantida para ser transportada? Uma empresa não precisa ter todo o capital
para construir uma ferrovia, desde que tenha carga garantida por 10, 15, 20
anos, via contratos “take-or-pay”. Consegue, com isso, levantar os recursos no
mercado financeiro. Entretanto, também precisa ter acesso ao destino das
mercadorias, seja outro tronco ferroviário, seja um porto.
Os Estados Unidos têm milhares de pequenas
ferrovias que operam nessas condições. No Brasil, o sistema hoje é
verticalizado: o dono da carga é sócio da ferrovia e do terminal portuário. Na
prática, o que se formou foram cartórios ferroviários, ou seja, empresas que
adquiriram de mão beijada, em lugar dos governos estaduais e federal, o direito
de negociar com os interessados a construção e exploração por quase 100 anos de
ferrovias que, por enquanto, só existem no papel.
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