EDITORIAIS
Não existe saída fácil para a alta dos
combustíveis
O Globo
A história do controle de preços no Brasil
é uma tragédia — das cenas patéticas dos fiscais do Sarney correndo atrás de
gado no pasto ao descalabro que quase levou a Petrobras à bancarrota nos tempos
de Dilma Rousseff. Só o passado já recomendaria uma reflexão profunda antes de
qualquer decisão sobre controlar o preço dos combustíveis para compensar a alta
do petróleo resultante da invasão russa à Ucrânia.
É compreensível que qualquer governante sinta essa tentação. O diesel mais caro aumenta o custo dos fretes; esse aumento é repassado aos produtos transportados; e produtos mais caros alimentam uma inflação já alta. O francês Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI hoje no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), defendeu em fevereiro a adoção de subsídios e isenção de impostos para tentar frear o preço dos combustíveis. Segundo ele, o impacto do aumento na inflação ascendente poderia erodir a confiança nos bancos centrais e provocar uma recessão mais séria.
Japão e Portugal estão entre os países que
já anunciaram subsídio para reduzir o custo da gasolina na bomba. Os Estados
Unidos estudam medidas similares. O problema desse tipo de intervenção, como o
próprio Blanchard reconheceu mais tarde, é que ela pode se revelar inócua. O
preço artificialmente baixo acaba por incentivar o uso de carros, ônibus e
caminhões, aumentando a demanda e exercendo pressão ainda maior nos preços.
Isso num momento em que todo o planeta precisa conter o consumo de combustíveis
fósseis para deter as mudanças climáticas.
No Brasil, a Petrobras não reajusta preços
há mais de 50 dias. A diferença entre os valores cobrados no mercado local e no
internacional passou de 40%. Mantida essa situação, o risco é o
desabastecimento. Tanto a Petrobras quanto as refinarias privadas veriam
vantagem em vender no exterior por um preço mais alto. Se forçadas a vender
aqui, as privadas poderiam desistir de operar no país.
Populistas em diferentes posições no
espectro político costumam jogar para a plateia com bobagens do tipo “se temos
petróleo, por que pagar o preço internacional?”. O presidente Jair Bolsonaro
parece disposto a seguir adiante com o plano de segurar os preços e deixar a
conta para os acionistas da Petrobras. Seria mais um erro trágico. Foi com esse
raciocínio que o PT, sob Dilma, levou a empresa a um prejuízo de US$ 40 bilhões
e a um endividamento recorde, que inibiu investimentos futuros e prejudicou
toda a indústria ao redor. Reerguer a empresa exigiu anos de trabalho. Repetir
o erro criaria distorções no mercado e incertezas para acionistas e
investidores sobre a seriedade das regras de negócios no Brasil. O custo
recairia sobre todo o país.
É inevitável que qualquer política de
preços adotada acabe contaminada pelo componente eleitoral. Bolsonaro não
desistirá de intervir. Mas poderia ao menos seguir a sugestão de economistas
sérios como Blanchard: em vez de afundar a Petrobras, todo subsídio deveria ser
pago pelo Tesouro, com a devida anuência do Congresso, que deveria apontar a
origem dos recursos para pagá-lo. O custo, estimado em R$ 12 bilhões por mês,
poderia até caber na folga fiscal gerada com a alta na arrecadação (de 18% em
janeiro, na comparação com 2021). É assim que deveria funcionar numa
democracia. Se dará certo no mercado às voltas com o choque do petróleo, é outra
história.
Governo despreza remédios contra a Covid,
mas cloroquina não falta
O Globo
Ao longo de dois anos da pandemia, o
governo Bolsonaro encheu os estoques do Sistema Único de Saúde (SUS) com drogas
comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, ivermectina e
azitromicina, parte do famigerado “kit Covid”, uma das muitas aberrações
concebidas pelo Ministério da Saúde na gestão desastrosa da crise sanitária. Em
contrapartida, medicamentos já aprovados pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), com aval científico para tratar a doença, bem, esses ainda
passam longe do SUS.
Como mostrou reportagem do GLOBO, a Anvisa
já deu autorização para uso emergencial de sete medicamentos contra a Covid-19,
entre eles anticorpos monoclonais e associação de anticorpos. A permissão para
um deles, da farmacêutica Eli Lilly, foi suspensa no mês passado porque a
empresa não forneceu à agência os documentos necessários.
Numa decisão recente, de caráter
provisório, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
(Conitec), responsável por avalizar a adoção de novos medicamentos na rede
pública, afirmou que o benefício dessas novas terapias não justifica o uso,
devido a critérios “de alto custo, baixa experiência de uso, incertezas em
relação à efetividade e indisponibilidade no sistema de saúde”.
Há opiniões divergentes. Para Antonio
Condino Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo
(ICB-USP), a incorporação desses medicamentos ao SUS não oneraria o governo,
por se tratar de pequenas quantidades. “Se pacientes imunodeprimidos que não
conseguiram se beneficiar da vacina como deveriam tivessem acesso a esses
medicamentos, é claro que mortes poderiam ter sido evitadas”, diz ele. O
infectologista Julio Croda, da Fiocruz e da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, afirma que a decisão vai na contramão de outros países, como os Estados
Unidos.
A pandemia está em declínio, cidades estão
suspendendo medidas de restrição, enfermarias e UTIs começam a esvaziar depois
do estresse causado pela variante Ômicron. Mas a Covid-19 não desapareceu, como
comprovam as mais de 400 mortes e os mais de 40 mil casos registrados
diariamente no Brasil. Ainda conviveremos com o Sars-CoV-2 por um bom tempo. A
vacinação deverá reduzir as hospitalizações e mortes a níveis endêmicos, mas
não acabará com elas. É, portanto, preciso tratar a Covid-19 — como qualquer
outra doença.
O melhor remédio continuará sendo prevenir
as infecções por meio da vacina. Mas não é crível que a incorporação de
medicamentos contra a Covid-19 aprovados pela Anvisa onerará o SUS, pois eles
não serão usados em larga escala. A resistência em adotá-los é ainda mais
indefensável quando se sabe que, em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde
rejeitou parecer da Conitec condenando a cloroquina e manteve no SUS o uso do
medicamento comprovadamente ineficaz contra a Covid-19. É o cúmulo da
insensatez.
Mentira plantada
Folha de S. Paulo
Bolsonaro usa potássio russo como pretexto
para acelerar agenda antiambiental
Jair Bolsonaro (PL) usou os horrores da
guerra na Ucrânia para tentar avançar
a mineração em terras indígenas da Amazônia, uma conhecida obsessão de seu
governo.
O mandatário alegou que, com a
regulamentação do projeto de lei 191, de 2020, poderia diminuir a dependência
nacional de fertilizantes da Rússia, como o potássio, com exportação ora
suspensa.
Nessa campanha desonesta, conta com a
cumplicidade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para conferir
urgência ao que não tem. O deputado não poupa esforços nem manobras para
estourar a boiada antiambiental, como propôs o então ministro Ricardo Salles na
famigerada reunião do gabinete dois anos atrás.
A poderosa bancada de parlamentares ligados
ao agronegócio apoia o projeto —nos piores casos, porque interessa a
latifundiários e grileiros a precarização das terras indígenas. Quanto à
eventual falta de fertilizantes a ser desencadeada pela crise ucraniana, os
argumentos se mostram fragílimos.
Nem sequer há evidência de jazidas
significativas de potássio nos territórios cobiçados. O engodo presidencial foi
apontado por Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo o
pesquisador, dados da Agência Nacional de Mineração e do Serviço Geológico do
Brasil escancaram a mendacidade de Bolsonaro na questão.
Levantamento de Rajão com Bruno Manzolli,
noticiado pelo Valor Econômico, indica que o Brasil tem reservas de potássio
suficientes para abastecer o agronegócio até o final deste século. Mais que
isso, dois terços das jazidas estão fora da Amazônia Legal.
Do que se encontra na região, um décimo
apenas das reservas conhecidas envolve alguma superposição com terras indígenas
—todas não homologadas, diga-se. Entre aquelas com reconhecimento pleno do
poder público, há zero de potássio. Reportagem publicada pelo jornal O Estado
de S. Paulo autoriza conclusões semelhantes.
A guerra de Vladimir Putin, autocrata
visitado por Bolsonaro na antevéspera da agressão à Ucrânia, não oferece
justificativa nenhuma para acelerar a anuência da mineração em terras
indígenas. É mais uma mentira do presidente.
A Constituição não veda a lavra de riquezas
minerais nessas áreas, mas estabelece em seu artigo 231 que, uma vez
regulamentada, ela só poderá ser feita após ouvidas as comunidades afetadas. É
claro o objetivo de proteger os recursos ambientais necessários ao bem-estar e
a perpetuação desses povos.
Não parece plausível que, com uma
legislação aprovada no Congresso, Bolsonaro vá conseguir reverter esse direito
fundamental de veto fixado pela Carta.
A persistirem na ofensiva, os ruralistas
mais afoitos se arriscam a colher obstáculos judiciais e abalar a reputação de
seus produtos no mercado internacional.
Respiro na pandemia
Folha de S. Paulo
Há condição para abandono progressivo de
máscaras; gestão deve evitar retrocesso
Cresce no país o número de unidades
federativas que, por boas razões, optam por flexibilizar
o uso de máscaras faciais como instrumento de combate à pandemia.
No Distrito Federal, a proteção deixou de
ser obrigatória em espaços abertos no início da semana. Já o estado de São
Paulo deve anunciar a mesma medida nesta quarta (9). Minas Gerais delegou a
decisão para os municípios, e Belo Horizonte dispensou a obrigatoriedade na
última sexta (4).
Tais locais se juntam a Maranhão e Mato
Grosso do Sul, num movimento que tende a ampliar-se no Brasil, a exemplo do que
já ocorre em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.
Tudo indica, afinal, que os piores momentos
da onda causada pela variante ômicron ficaram para trás; a quantidade de casos,
internações e mortes vem em queda constante nas últimas semanas.
Além disso, ambientes abertos e arejados,
como parques e ruas, embora não estejam completamente isentos de risco,
propiciam uma maior dispersão do agente causador da Covid-19, diminuindo de
maneira significativa os perigos de contaminação.
Já o município do Rio de Janeiro tornou-se
a primeira capital do país a abolir
o uso mandatório de máscaras em todos os espaços, inclusive os fechados —o
que deveria suscitar avaliação cuidadosa.
Nesses locais, em especial os mal
ventilados ou com sistemas de condicionamento de ar, eleva-se a probabilidade
de propagação do patógeno devido a partículas expelidas em suspensão por mais
tempo.
O abandono das máscaras, portanto, deve se
dar por último nos ambientes que favorecem aglomerações, caso do transporte
público, e naqueles de grande transpiração, como as academias. Também às
escolas cabem providências para mitigar o contágio.
No mais, o abrandamento das medidas
restritivas precisa vir acompanhado de incentivos à imunização, como a
exigência de passaporte vacinal, bem como de campanha em favor da dose de
reforço, crucial contra a variante ômicron —hoje, essa proteção abarca somente
40% do público elegível.
As decisões de flexibilização respondem ao
anseio pela volta da normalidade e contam com amparo técnico. Que sejam bem
executadas, a fim de evitar retrocessos.
Putin dita pautas do BC e do Planalto
O Estado de S. Paulo.
Pressões inflacionárias causadas pela
guerra podem complicar a tarefa do Copom, enquanto o governo insiste em
controlar o preço dos combustíveis
A guerra na Ucrânia, as ameaças de Putin e
a agitação nos mercados estão presentes na pauta do Palácio do Planalto e na
agenda do Banco Central (BC). Petróleo em alta, alimentos mais caros e novas
incertezas no mundo financeiro são efeitos diretos e indiretos da insegurança
criada pelo autocrata do Kremlin. No Planalto, a preocupação ostensiva do
presidente Jair Bolsonaro é conter a alta dos combustíveis e eliminar possíveis
obstáculos à sua reeleição. No BC, os membros do Comitê de Política Monetária
(Copom) enfrentam novas complicações para cumprir a promessa de conduzir a
inflação à meta oficial até 2023.
Diferença fundamental: enquanto a política
monetária é concebida e conduzida segundo padrões técnicos, nenhuma norma
econômica, de mercado ou de bom senso regula as iniciativas propostas ou
impostas pelo presidente da República. Falou-se nos últimos dias em congelar
preços de combustíveis, com perdas para a Petrobras e para seus acionistas.
Outras fórmulas, com redução de impostos federais e estaduais e criação de um
fundo para subsídio, têm sido examinadas no Planalto e no Congresso.
Cortes de tributos poderão causar perdas
consideráveis ao poder central e aos governos estaduais e municipais – neste
caso, com evidente violação dos valores federativos. Governadores já
protestaram, mas o risco de perdas de receitas para os governos subnacionais
permanece.
A hipótese de congelamento dos preços da
gasolina e do diesel tem afetado as negociações no mercado de capitais. As
ações da Petrobras caíram mais de 7% na segunda-feira e a insegurança continuou
no dia seguinte, enquanto subiam as cotações do petróleo. As do tipo Brent
chegaram a superar US$ 131 por barril, com alta superior a 6%.
Sem reajustar preços há mais de 50 dias, a
Petrobras acumula perdas, mas o presidente Jair Bolsonaro insiste em impor esse
custo à empresa, sem levar em conta os padrões de gestão financeira e os
interesses da maior parte dos acionistas nacionais e estrangeiros.
Nesse caso, como diante de outros
problemas, o padrão Bolsonaro tem sido o das soluções improvisadas e de alcance
limitado, sem discussão de políticas para diminuição de riscos no médio e no
longo prazos. O encarecimento do petróleo afeta quase todo o mundo, mas muitos
outros países dependem menos que o Brasil do transporte rodoviário.
Além disso, pode haver amortecedores para
crises, como os estoques de segurança de petróleo disponíveis nos Estados
Unidos. Discussões sobre a estrutura de transportes, sobre segurança de
suprimento de combustíveis e sobre novas fontes de energia são em Brasília
muito menos frequentes do que deveriam ser. Grandes problemas e soluções de
grande alcance têm sido temas pouco relevantes para o Executivo e o Legislativo
federais.
Tem-se mantido um padrão diferente no BC e
em seus comitês. O Copom pode ter demorado a reconhecer o caráter duradouro e a
gravidade das pressões inflacionárias, no ano passado. Mas o problema foi
reconhecido, afinal, e o aperto monetário foi iniciado e em seguida
intensificado, mesmo com os previsíveis efeitos negativos para a atividade.
O aperto continuou em 2022, mas, apesar da
disposição de seguir elevando os juros, o Comitê estendeu até 2023 o prazo para
conduzir a inflação à meta, fixada em 3,25% para o próximo ano. Embora o
compromisso principal seja o controle da inflação, o custo da política, neste
ano, seria provavelmente muito maior que o benefício alcançável. O mercado
projeta juros básicos de 12,25% em 2022 e a inflação estimada, de 5,65%, ainda
supera amplamente a meta de 3,5%. Um arrocho adicional, quando já se prevê
crescimento econômico inferior a 0,5%, poderia ser desastroso.
As pressões inflacionárias causadas pela
truculência do presidente Putin, novo objeto de admiração de Bolsonaro, podem
complicar a tarefa do Copom. Na reunião da próxima semana o Comitê deverá
indicar se os novos desajustes no mercado internacional motivarão mudanças em
seus objetivos, em sua estratégia e nos custos do aperto monetário para os
brasileiros.
Guerra à razão
O Estado de S. Paulo.
Líderes sensatos divergem sobre como lidar
com Putin, mas todos condenam seus crimes. Já os insensatos se unem ao
justificar Putin e só divergem sobre as motivações
A guerra é sempre um mal, mas pode ser um
mal menor, se for uma guerra justa. Não é o caso da guerra de Vladimir Putin.
Ela é moralmente condenável e juridicamente ilegal. Tecnicamente é um “crime de
agressão” ou “crime contra a paz”, conforme a tipificação do Tribunal Penal
Internacional. O próprio Putin sabe disso. Daí a insistência em propagandear o
eufemismo “Operação Militar Especial” e hipérboles como a “Ucrânia nazista”, a
“falsa Ucrânia”, a “Grande Rússia”, o “genocídio” contra russos ou a “agressão”
da Otan.
Analistas e lideranças sensatas não têm
dúvidas sobre a ilegitimidade das ações de Putin. A divergência é sobre como
lidar com o seu poder. O realismo impõe que retaliações e concessões sejam
calculadas para evitar males maiores, como o massacre de civis ucranianos ou o
choque entre potências nucleares.
Mas no Brasil e no mundo boa parte do
debate público, deturpado por distorções ideológicas, interesses políticos,
torpeza moral e confusão mental, tem passado ao largo dessa discussão. Facções
retrógradas e autoritárias da esquerda e da direita se veem unidas em
relativizar os crimes Putin, equiparando responsabilidades do governo russo e
do ucraniano ou da Rússia e da Otan, quando não as subvertendo por completo.
Na raiz destas distorções parece estar uma
crise existencial do Ocidente. No caso dos conservadores, ela se traduz em uma
nostalgia de um Ocidente quimérico. No caso dos progressistas, em uma obsessão
antiocidental. Por uma alquimia ideológica tóxica, o autocrata imperialista
russo personificaria, para os primeiros, a restauração de valores ocidentais
degradados pelos progressistas, e, para os segundos, a represália às agressões
do hegemonismo ocidental.
Entre os reacionários houve divisão. Há os
que se posicionaram contra a Rússia, pela aliança com a China em um eixo de
dominação “globalista”. Mas há os que simpatizam com Putin justamente por sua
afirmação do nacionalismo e sua cruzada supostamente religiosa contra a
diversidade sexual, o multiculturalismo, o relativismo e outros ingredientes
que compõem a “decadência” ocidental.
O presidente Jair Bolsonaro já prestou
“solidariedade” ao agressor e continua se negando a condenar a agressão,
mantendo-se numa posição de “neutralidade”, supostamente em defesa dos
interesses nacionais, mas indisfarçavelmente por sua simpatia em relação a
Putin, tão grande que mesmo sua batida e plausivelmente patológica analogia
sexual para exprimir alianças políticas se mostrou insuficiente: “Um casamento
mais que perfeito” foi a metáfora com que expressou seus sentimentos para com o
autocrata.
Aqueles na esquerda obcecadamente fixados
em tudo o que for antiamericano e antiocidental já apoiaram o regime dos
aiatolás, na revolução iraniana, e agora apoiam uma das lideranças mais
reacionárias do mundo.
Os senadores do PT reagiram à invasão da
Ucrânia condenando “a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de
contínua expansão da Otan”. A nota foi retirada, não por convicção, mas por
conveniência política, para não esgarçar a fantasia de moderado vestida por
Lula na corrida eleitoral. O próprio Lula, de início, equiparou russos e
ucranianos, fazendo apelos genéricos a ambos para baixar as armas em nome da
“paz” e do “amor”. Seus aliados no Foro de São Paulo e representantes e
simpatizantes do PT, PSOL e PCDOB continuam papagaiando a propaganda de Putin e
advogando que o grande responsável pela guerra é o expansionismo do Ocidente.
Na maior parte dos conflitos, dificilmente há um lado inequivocamente errado e outro certo. Na guerra da Rússia contra a Ucrânia há. Já na guerra entre os radicais de esquerda e os de direita, a ironia é que, quando os primeiros elegem Putin como porta-bandeira de sua campanha de libertação da opressão do “Ocidente” sobre o progressismo, e os segundos contra a opressão do “progressismo” sobre o Ocidente, ambos estão errados e suas ilusões fortalecem o maior inimigo dos valores que dizem professar.
Governo busca saída eleitoral para escalada
do petróleo
Valor Econômico
Há opções técnicas razoáveis para o novo
choque do petróleo, mas é inútil esperá-las de Bolsonaro
A economia global encarou em pouco tempo
dois choques de extraordinária potência - depois da covid-19, uma guerra em
solo europeu, envolvendo Rússia, a agressora, e Ucrânia. Se o primeiro choque
provocou uma depressão nas atividades econômicas, o segundo lançou os preços
reais do petróleo perto do recorde (US$ 129 o barril ontem), enquanto os da
energia e commodities alimentares, como trigo e soja, seguem rota análoga. Não
há um bom caminho para escapar dessa escalada a curto prazo.
A pandemia foi enfrentada com
extraordinários estímulos fiscais e monetários. Os megachoques do petróleo,
agora, o serão com mais política fiscal e a recalibragem provisória da elevação
dos juros nos países desenvolvidos, em especial Estados Unidos e Europa. O
Fundo Monetário Internacional sugeriu expressamente o uso da arma fiscal para
amparar os mais pobres, cujo orçamento tem gasto maior com combustíveis e
alimentos.
No curto prazo, os governos ricos, mesmo os
muito endividados, como Japão e Itália, estão cortando impostos ou concedendo
subsídios diretos porque a majoração dos preços de petróleo e derivados, sem
substitutos no curto prazo, explodiu com a invasão da Ucrânia pela Rússia. A
conta dessas medidas para eles é ainda suave. Para financiar déficits
adicionais, as principais economias ocidentais ainda pagam juros reais negativos.
É impossível prever a duração do conflito e
seu desenvolvimento. Entre as certezas está a de que a inflação, que já era a
maior em 40 anos na Europa e EUA, ganhou novo ímpeto, enquanto que o nível de
atividades, não normalizado por problemas nas cadeias de suprimentos e elevação
geral de custos de fretes, tem agora um viés de baixa. Para o Brasil, as
turbulências não devem ser asfixiantes pelo canal financeiro e o ciclo de alta
das commodities, estacionadas perto do pico, será benéfica aos exportadores. Ainda
assim, o cenário se deteriorou rapidamente.
O novo abalo violento de oferta, se durar
alguns meses, terá efeitos muito ruins sobre uma inflação já alta. O
abastecimento de fertilizantes está ameaçado em nível crítico para a próxima
safra, se os embargos múltiplos à Rússia, um dos maiores exportadores mundiais
desses produtos, se prolongarem. Após uma seca que jogou para o alto o preço
dos alimentos, outra redução da disponibilidade é grande ameaça. O Brasil
importa cerca de 80% dos fertilizantes e fatia semelhante do trigo que consome
- um fogo cruzado inflacionário óbvio.
Em 2021, os aumentos combinados de
petróleo, alimentos e energia elétrica somaram 8 pontos percentuais de um IPCA
de 10,06%. Os analistas esperavam que a inflação pudesse se reduzir a pouco
mais da metade antes da guerra na Ucrânia. Agora, as expectativas voltaram a se
deteriorar. A disparada do petróleo acrescentou urgência à adoção de medidas,
mesmo as pouco críveis, levantadas pelo governo e outras, com baixo poder de
influência de curto prazo, no Congresso.
Não há produção substitutiva imediata ao
petróleo russo, 5% da oferta de exportação mundial e 2,7% dos derivados. Arábia
Saudita e Emirados Árabes teriam capacidade ociosa de 3,1 milhões de barris
diários e é remota a habilidade da produção de shale oil americana suprir o
hiato da oferta.
O governo nunca soube exatamente o que
fazer para amenizar a escalada do petróleo, de qualquer modo um problema muito
complexo até para equipes com capacidade intelectual acima da mínima necessária.
Subsidiar os combustíveis ganhou força no comando político do governo, cuja
preocupação é monotemática: a reeleição de Jair Bolsonaro. O problema é grave.
Em 2021, a gasolina subiu 47,5% e o gás de
botijão, 37%. De janeiro até hoje, o petróleo aumentou 60% no exterior e a
Petrobras, que não ajusta preços desde 12 de janeiro, tem algo ao redor de 30%
para cobrar. O presidente, cuja ignorância sobre esse e outros assuntos é
enorme, voltou a bater na tecla da mudança da política de preços da estatal.
Uma das ideias é usar o pagamento de dividendos da empresa, de R$ 37,3 bilhões,
para bancar subsídio temporário, de três a seis meses. Esse dinheiro é do
Tesouro, mas o governo finge que não é. Entre as piores opções está a do
congelamento e a da recriação de um estado de calamidade, que abriria crédito
ilimitado para apoio aos combustíveis e o espaço no teto de gastos para
despesas que o governo julgar convenientes em ano eleitoral. Há opções técnicas
razoáveis para aparar o novo choque do petróleo, mas é inútil esperá-las de
Bolsonaro.
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