quarta-feira, 9 de março de 2022

Daniel Rittner: Sem boiada para mais fertilizantes

Valor Econômico

Aumentar produção de potássio requer debate sem mentiras

Usar a guerra na Ucrânia como catapulta para o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas coloca o debate sobre a dependência do potássio importado pelo Brasil no mesmo nível de maturidade da infame tentativa de “passar a boiada” sobre o meio ambiente enquanto as atenções do país se concentravam na pandemia. A opinião pública, o Parlamento, as organizações da sociedade civil, habitantes da Amazônia merecem uma discussão mais qualificada. Se não há interesse do governo em oferecê-la, eis alguns pontos de partida.

Em números aproximados, o Brasil precisa anualmente de 10 milhões de toneladas de cloreto de potássio. Somos o quarto maior consumidor mundial de fertilizantes (China, Índia e EUA vêm na frente), mas o principal importador. Cerca de 97% do consumo nacional é atendido por compras lá fora. Canadá, Rússia, Belarus - e Israel um pouco - são os nossos grandes fornecedores. A produção doméstica atende só 3% do mercado. Quase tudo vem da Mosaic Fertilizantes, em Sergipe, algo residual da Verde Agritech, em Minas. É quase nada e deixa o Brasil, que tem o compromisso de alimentar bilhões de pessoas em todo o planeta, em situação de forte vulnerabilidade externa.

O primeiro passo para ampliar a produção brasileira é conhecer mais o subsolo. De acordo com estudo recente da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), na escala 1:100 mil, o mapeamento geológico disponível ainda está restrito a menos de 15% do nosso território. “É a partir dessa escala que se acentua a atratividade para o setor privado pesquisar novas jazidas”, diz a publicação.

Márcio José Remédio, diretor do Serviço Geológico do Brasil (antiga CPRM), afirma que há pesquisas em andamento para mapear a existência de possíveis reservas adicionais na bacia de Sergipe-Alagoas. Outras bacias (Recôncavo, Camumu-Almada, Tucano Sul) têm trabalhos ainda preliminares para identificação de recursos potenciais. Pode dar certo ou não. A aposta mesmo, segundo ele, está em depósitos minerais descobertos na bacia do Amazonas nos anos 1970 e que nunca entraram em fase de produção. No início da década, mais reservas na região foram encontradas. “O que sabemos hoje que existe no Amazonas é equivalente aos maiores depósitos do mundo”, garante.

Para Remédio, a chave é destravar o licenciamento ambiental. “O nosso entrave é racional. Parece que o brasileiro ignora esse potencial e gosta da dependência estrangeira”, diz.

Cenários traçados pela CPRM indicam que, dependendo dos projetos viabilizados, a produção nacional poderá passar das 293 mil toneladas anuais para 6,2 milhões de toneladas em 2030 e até 8,7 milhoes em 2035. Seria preciso, então, importar menos de metade do consumo. Para isso, não é necessário avançar sobre terras indígenas, mas ter mais agilidade no licenciamento, afirma Remédio. “Precisamos de uma decisão. Mas é importante levar em conta que hoje não se abre nenhum empreendimento no setor mineral sem um plano detalhado de como encerrá-lo.”

O diretor de sustentabilidade e assuntos regulatórios do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Julio Cesar Nery Ferreira, menciona a falta de financiamento e a tributação como gargalos. De cada mil pesquisas, uma vira lavra. Na parte tributária, houve acordo com Estados para equalizar a cobrança de ICMS. O potássio nacional pagava o dobro do importado. Até 2024 haverá uma equalização de alíquotas. Quem quiser investir terá um problema a menos pela frente.

O desafio, no entanto, é de capital. Ferreira afirma que empresas de menor porte têm se interessado pelo processo de rochagem. A partir da moagem de certos tipos de rochas, pode- se obter um pó com alto teor de nutrientes, que melhora o solo. A Embrapa está aperfeiçoando o uso dos “remineralizadores”. Eles podem ajudar a reduzir a dependência dos fertilizantes importados, mas não são uma salvação da lavoura. Apesar dos avanços, sua eficácia não chega perto do potássio convencional.

O futuro está associado aos projetos da Potássio do Brasil, controlada pela canadense Forbes & Manhattan, com 149 pedidos ativos de exploração e que aguarda o desfecho dos processo ambiental em vários deles para começar a produção.

A mina projetada em Autazes (AM) deverá ficar a 900 metros de profundidade e receber US$ 2,2 bilhões em investimentos. A licença prévia foi concedida em 2015, mas foi suspensa. Houve um acordo entre a empresa e a Justiça Federal para consulta ao povo Mura, que habita a apenas oito km da futura jazida e teme a contaminação com resíduos.

Basta lembrar o vazamento tóxico de rejeitos da Norsk Hydro em Barcarena (PA): não há falta de razoabilidade nesse tipo de preocupação. Órgãos ambientais até têm motivos - se for caso - para negar licenças a projetos polêmicos. Incomoda mais a indefinição na resposta e o festival de ações judiciais que vêm depois. Insegurança na veia.

Por outro lado, o professor Raoni Rajão e pesquisadores da UFMG demonstraram que não há sobreposição entre reservas de potássio e terras indígenas na Amazônia. Só 11% dos depósitos estão em áreas não homologadas.

Resumo da ópera: discussões sobre o licenciamento são bem- vindas, convém ter regras claras e menos judicialização, desrespeito com as comunidades tradicionais não é uma opção, é preciso elevar o conhecimento geológico, não há que se usar a desculpa do potássio como empurrão para o PL 191/20. A opinião pública não merece ser manipulada pela inconsequência de governantes.

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