O Globo
A ideia é fazer um governo de coalizão
Lula e Geraldo Alckmin estão fechando a
aliança, e o ex-governador e ex-candidato do PSDB à Presidência será o vice na
chapa do petista. Como aliança, é um golpe de mestre. Vacina Lula e recoloca
Alckmin no cenário de que foi afastado por sucessivas derrotas e erros de
julgamento.
Na sua origem, estaria o interesse de Lula
de, uma vez eleito, formar um governo de coalizão, à semelhança da base
política que sustentou Angela Merkel na Alemanha. Esse raciocínio teria partido
de Lula.
Durante seus oito anos de governo, o líder petista teve um vice empresário, limpo e bem-sucedido. José Alencar foi leal e discreto. Quando fazia contraponto ao presidente na política econômica, combinava antes e demarcava limites razoáveis. Alckmin é um político correto e de lealdades acima da média, mas sua biografia não é a de Alencar.
Daí a ver na aliança algo parecido com a
coalizão da Alemanha de Angela Merkel é chamar urubu de meu louro. Em primeiro
lugar, porque no Brasil formam-se governos de coalizão por motivos opostos aos
da Alemanha. Desde 1985, todos os governos, como o de Bolsonaro, coligaram-se
ao Centrão, a Valdemar Costa Neto e seu Partido Liberal. José Alencar pertencia
ao PL.
A essência das coalizões parlamentares
brasileiras pouco tem a ver com a das europeias. As angústias expostas nos
“Diários da Presidência”, de Fernando Henrique Cardoso, bem como a crônica do
mensalão no governo de Lula, estão aí para mostrar por quê.
Se é possível arriscar um julgamento sobre
a natureza dos governos de coalizão nacionais, pode-se dizer que as alianças
daqueles que entram em campo condenando a “velha política” acabam sendo as
piores.
A necessidade de ampliar a base de apoio
parlamentar é um fato da vida. O problema está em demarcar a linha das
conce$$ões. Nesse sentido, invocar o santo nome de Angela Merkel equivale a
vender um terreno na Lua. Ela governou a Alemanha coligando-se, na boa moda de
seu país.
A senhora Merkel era uma cientista da
Alemanha comunista quando o Muro de Berlim foi derrubado. Tinha 35 anos e o
mesmo corte de cabelo. Entrou na política como protegida do chanceler Helmut
Kohl, que a colocou no ministério chamando-a de “minha menina”. Kohl foi o
monumental (1,93 m e 90 kg) unificador da Alemanha. Em 1999, estava em seu esplendor
quando foi apanhado num caixa dois de campanha eleitoral. Em dezembro, sua
“menina” publicou um artigo intitulado “As ações de Helmut Kohl prejudicaram o
partido”. Foi o início do fim de um gigante. Walter Kohl, filho do chanceler,
atribuiu em parte a Merkel o suicídio de sua mãe, dois anos depois. (Ela
padecia de uma dolorosa doença, mas opinião de filho é opinião de filho.)
Se Lula pretende fazer um governo de
coalizão, colocar Geraldo Alckmin na Vice é um primeiro passo, mas a caminhada
é muito mais longa e áspera do que sua própria biografia sugere. A senhora
Merkel jamais demitiria um físico da presidência da Eletrobras, entregando-a a
uma banda eletrizante do MDB. Não deixaria também que circulasse como seu um
comentário segundo o qual ele não tinha votos no Senado.
Ela nunca faria isso, até mesmo porque
doutorou-se em física e governou sem a banda elétrica do Congresso, coisa que
não existe na Alemanha.
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