Folha de S. Paulo
Embargo dos EUA não será acompanhado pela
UE, que poderia levar preços além de US$ 200
O presidente
dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou na tarde desta terça-feira (8) que
barrou a compra de petróleo russo. O Reino Unido disse que vai reduzir suas
importações da Rússia a zero até o final do ano.
Por vários motivos, a decisão acaba por
colocar o preço do barril em novo patamar, perto de US$ 125 (R$ 636), por ora,
alta de 60% neste ano. É preço de inflação em alta no mundo inteiro, mas não de
colapso. O barril chegou a ficar menos caro depois do discurso de Biden. As
Bolsas subiram.
O embargo americano não será acompanhado
pela União
Europeia ("demos um passo que outros países não podem dar",
disse Biden), que importa da Rússia cerca de 25% do petróleo que consome. Um
embargo europeu poderia levar os preços além de US$ 200 (R$ 1.017). Não haveria
tão cedo produção alternativa na Opep, mesmo se sanções americanas contra Irã e
Venezuela fossem suspensas amanhã, um milagre político (mais sobre esse
problema mais adiante).
A decisão americana poderia tirar pouco petróleo do mercado, menos de 1% do total das exportações mundiais. Mas parte desses barris embargados por Biden pode ser vendida em outros mercados, para aliados da Rússia, como a China, que assim deixaria de comprar de outros produtores (embora essa decisão não seja simples, como mudar de padaria). A produção americana pode aumentar, por outros motivos que não o embargo. Europeus e americanos negociam aumentos de produção com outros países.
Além do mais, desde o início da guerra da
Ucrânia, Estados Unidos e aliados disseram que vão colocar no mercado cerca de
60 milhões de barris de petróleo de suas reservas estratégicas (4% do total dos
estoques dos países-membros da Agência Internacional de Energia). Ou seja,
liberaram o equivalente a 90 dias de vendas russas para os EUA.
Ainda assim, a decisão do governo Biden
coloca o preço do barril em um novo patamar, entre US$ 120 a US$ 130, diziam
nesta terça analistas do setor (podem mudar de ideia amanhã, porém). Recorde-se
que parte da produção russa já vinha sendo rejeitada mesmo sem que houvesse
sanções oficiais. Empresas não querem fazer negócio com a Rússia ou não podem,
por dificuldades de financiamento, seguro e transporte.
No ano passado, os Estados Unidos
importaram cerca de 671,8 mil barris de petróleo e derivados da Rússia, na
média diária do ano, dados do Departamento de Informação de Energia do governo
americano (EIA, na sigla em inglês).
Parece pouco, dado o tamanho do mercado
internacional. Representa apenas 8% das compras americanas no exterior.
Empresas americanas importavam da Rússia por facilidades geográficas, de preço,
de logística e características técnicas de refinarias. No ano passado, cerca de
51% do total das importações americanas vieram do Canadá, 11,3%
dos países da Opep e 8,4% do México, segundo as tabelas da EIA.
Mas mesmo 672 mil barris por dia podem
fazer diferença grande nos preços em um mercado mundial muito apertado, em que
não há sobra alguma de petróleo na praça. Se mais petróleo russo saísse do
comércio, a crise seria ainda mais séria.
Há estimativas de que a falta de 1 milhão
de barris por dia no mercado pode elevar o preço do tipo Brent, referência
mundial, em US$ 15 (R$ 76). Eberaldo de Almeida Neto, presidente do IBP
(Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), diz que conhece estudos em que a
estimativa de salto de preços seria de US$ 20 para cada milhão de barris por
dia que "desaparecesse" do mercado.
O
governo russo vinha dizendo nos últimos dias que um embargo total das
exportações de petróleo do país levaria o preço do barril a US$ 300 (R$
1.526). Pelas contas dos analistas financeiros e de energia do
"Ocidente", pelo menos US$ 250 (R$ 1.272) seria uma conta razoável.
Segundo relatório da Agência Internacional
de Energia (IEA, braço da OCDE), a Rússia exportava cerca de 7,8 milhões de
barris de petróleo e derivados por dia em dezembro. Em uma aproximação
razoável, a Rússia vende mais de 10% do petróleo cru e dos derivados do mercado
mundial. Das exportações russas, 60% vão para a Europa, 20% para a China e 8%
para os EUA.
O consumo mundial era de cerca de 99,03
milhões de barris por dia em janeiro de 2022, para uma produção de 99 milhões.
As exportações mundiais eram de cerca de 75 milhões de barris por dia. É uma
aproximação feita com dados da Opep e de consultorias econômicas. Não há dados
públicos e recentes precisos, alguns são tratados como segredo e parte do
comércio é clandestina (como no caso de países sujeitos a sanções).
A União Europeia importa cerca de 96,6% do
petróleo e derivados que consome (média dos anos mais recentes, 2018 e 2019,
antes da epidemia, e do primeiro semestre de 2021). Cerca de 25% de suas
importações vêm da Rússia. Ou seja, quase 24% do que consome vêm da Rússia. No
caso do gás natural, a dependência de importações é de 86%.
Do gás que importa, cerca de 44% a 47% é
russo. Ou seja, de 37% a 40% do que consumiu em anos recentes. Nesta
terça-feira, a União Europeia anunciou que pretende diminuir sua dependência de
gás russo em dois terços até o início do ano que vem.
Arrumar fornecedor alternativo de petróleo
e derivados é difícil. Para facilitar a discussão, admita-se que fossem
canceladas as sanções do "Ocidente", a maior parte dos Estados
Unidos, contra Irã e Venezuela. Mesmo a hipótese política não resolveria o
problema de abastecimento. Em tese, pelas tabelas de exportação, seria possível
levar para o mercado mundial cerca de 2,9 milhões de barris por dia desses
países. Mas isso é mera ficção histórica baseada em estatísticas.
O Irã precisaria de pelo menos uns oito
meses ou até o final do ano para aumentar sua produção em 1,2 milhão de barris
por dia, estima Eberaldo Almeida Neto, o presidente do IBP, 34 anos de
Petrobras, onde foi diretor até maio de 2020. O IBP é uma associação que
representa os interesses das petroleiras instaladas no Brasil.
O país teria de recauchutar seu parque
produtivo e investir. Além do mais, não poderia sem mais vender o petróleo
extra à disposição. A Opep, o cartel dos países produtores, define cotas para
cada país-membro e ritmos de aumento de oferta. Atualmente, tem aumentado a
produção em 400 mil barris por dia, a cada mês.
O Irã chegou a exportar cerca de 2,8
milhões de barris de petróleo e derivados por dia em 2010 e 2011 (cerca de 5% a
6% das vendas no mercado mundial). Com as sanções do governo americano,
especialmente as de 2011 (sob Barack Obama), as exportações iranianas minguaram
e caíram a 935 mil barris por dia em 2019 e a 684 mil em 2020, ao menos nas
estatísticas oficiais (ano anormal, de baixo consumo, por causa da epidemia).
Os dados são da OPEP. Não há números públicos mais recentes.
É ainda mais difícil estimar quando seria
possível recuperar a produção venezuelana: reorganizar a administração, estudar
as possibilidades de produção, importar equipamentos adequados para o petróleo
local, iniciar a produção. Os governos americanos de Barack Obama (2009-2016)
e, em particular, de Donald Trump (2017-2020), impuseram sanções contra o
governo de Nicolás Maduro. Mas a produção venezuelana já diminuía um tanto
antes disso. Com as sanções americanas e outros efeitos colaterais dessas
medidas, produção e vendas despencaram.
Almeida Neto, do IBP, diz que a PDVSA, a
petroleira estatal Venezuela, tinha quadros de altíssimo nível, substituídos
por militares e sindicalistas. A falta de investimentos e a má administração
sucateou a infraestrutura de produção e refino; parte se tornou obsoleta. Para
começar a resolver o problema, pelo menos seis meses.
O pico mais recente das exportações da
Venezuela foi em 2014-2015, vendas de 2,29 milhões de barris por dia, cerca de
4,8% do mercado mundial. Em 2019, eram 945 mil barris por dia.
Almeida Neto acredita que a alta de preços
pode fazer com que produtores americanos dos campos de "shale" (de
xisto ou folhelho, exploração não convencional) podem voltar ao mercado. Nos
estudos internacionais do setor, a produção fica viável a partir de US$ 70 o
barril.
No entanto, tombos de preço, por causa da
Opep ou da epidemia, e restrições ambientais de produzir, transportar e
consumir petróleo, haviam tirado produtores do mercado. Não valeria a pena
investir com perspectivas decrescentes, é a avaliação que se lia na mídia
financeira americana. Com o "shale", os EUA haviam aumentado muito
sua produção, se tornando os maiores produtores de petróleo em 2018.
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