O Estado de S. Paulo.
Para países pobres, onde gastos com comida
pesam mais, choque no preço do trigo será severo
Quando Vladimir Putin invadiu a Ucrânia,
acho justo afirmar que a maioria dos observadores esperava que ele se sairia
bem. Em vez disso, aqui estamos, quase duas semanas depois, com Kiev e Kharkiv
ainda resistindo, e as forças invasoras retidas por uma feroz resistência
ucraniana – auxiliada pela rápida injeção de armas do Ocidente – e desastrosos
problemas logísticos. Ao mesmo tempo, as sanções do Ocidente contra a economia
russa claramente já surtem efeitos severos, que podem piorar.
Obviamente, tudo pode mudar. Por agora,
contudo, Putin está encarando consequências bem piores do que poderia ter
imaginado. Infelizmente, afrontar uma agressão não sai de graça. Os eventos na
Ucrânia e na Rússia devem impor, em particular, custos severos à economia
mundial. A questão é: quão severos?
Minha resposta preliminar é que serão
custos graves, mas não catastróficos. Especificamente, o choque de Putin não
parece tão grave quanto os choques do petróleo que abalaram o mundo nos anos
70.
Como naquela época, o golpe na economia mundial ocorre nos preços de commodities. A Rússia é uma grande exportadora de petróleo e gás natural; tanto a Rússia quanto a Ucrânia são – ou eram – grandes exportadores de trigo. Então, a guerra está surtindo grande impacto nos preços tanto da energia quanto dos alimentos.
PETRÓLEO. Comecemos pela energia. Até
agora, as sanções aplicadas pela Europa manifestamente não se aplicam às
exportações de petróleo e gás natural do país. Os EUA estão banindo importações
de petróleo da Rússia, mas isso não importa tanto, já que os EUA podem comprar
e a Rússia pode vender em outros mercados.
Os mercados, porém, estão reagindo como se
diante da interrupção no fornecimento, seja por futuras sanções ou em razão de
empresas globais de energia, temendo reações negativas do público,
“autocensurarem” suas compras de petróleo russo. De fato, a Shell, que outro
dia comprou petróleo russo a preço baixo, desculpou-se pela compra e afirmou
que isso não vai se repetir.
Como resultado, o preço real do petróleo,
ajustado pela inflação, saltou quase para o nível que alcançou durante a
Revolução Iraniana, em 1979.
Para ser sincero, estou um pouco intrigado
pelo tamanho dessa alta de preço. Sim, a Rússia é uma grande produtora de
petróleo. Mas sua produção representa apenas cerca de 11% da produção mundial,
enquanto produtores do Golfo Pérsico extraíam um terço do petróleo consumido no
mundo nos anos 70.
E a Rússia, provavelmente, encontrará
maneiras de vender uma significativa fração de sua produção de petróleo, apesar
das sanções do Ocidente. Além disso, a economia mundial é atualmente muito
menos dependente de petróleo do que costumava ser. O índice de “intensidade”
petrolífera – o número de barris de petróleo consumidos em relação a cada dólar
do PIB – é hoje metade do que era nos anos 70.
E o que dizer do gás natural? A Europa
depende da Rússia para grande parte de seu fornecimento. Mas o consumo de gás é
sazonal. Então, o impacto de uma interrupção da Rússia não será tão forte até o
fim do ano, o que dá a Europa tempo para adotar medidas que a deixem menos
vulnerável.
De maneira geral, então, a crise energética
fabricada por Putin será severa, mas provavelmente não será catastrófica. Minha
maior preocupação, em relação aos EUA, pelo menos, é política.
Seria difícil pensar que os republicanos
poderiam, simultaneamente, exigir que parássemos de comprar petróleo russo e
atacar o presidente Joe Biden em razão dos altos preços da gasolina. Quer
dizer, seria difícil para alguém que tivesse passado os últimos 25 anos em uma
caverna. Na verdade, é exatamente isso que vai acontecer.
TRIGO. Política à parte, os alimentos podem
ser na verdade um problema maior do que energia. Antes da guerra de Putin, a
Rússia e a Ucrânia juntas eram responsáveis por mais de um quarto das
exportações mundiais de trigo. Agora, a Rússia está sob sanções, e a Ucrânia é
uma zona de guerra. Não surpreendentemente, os preços do trigo saltaram de
menos de US$ 8 o bushel (unidade de medida usada nos EUA), antes da Rússia
começar a concentrar suas tropas em torno da Ucrânia, para aproximadamente US$
13 hoje.
Em regiões ricas, como América do Norte e
Europa, esse aumento será doloroso, mas, em grande parte, tolerável,
simplesmente porque consumidores de países avançados gastam uma porcentagem
relativamente baixa de seus ganhos em comida. Para países mais pobres, onde
gastos com alimentação representam uma grande fração dos orçamentos familiares,
o choque será muito mais severo.
Finalmente, que impacto a guerra na Ucrânia
surtirá sobre a política econômica? A alta nos preços do petróleo e dos
alimentos elevarão o índice de inflação, que já está incomodamente alto. Será
que o Federal Reserve (Banco Central americano) responderá elevando as taxas de
juros, prejudicando o crescimento?
Provavelmente, não. Faz tempo que o foco do
Fed deixou de ser a inflação “global”, passando para a inflação “central”, que
exclui os voláteis preços dos alimentos e da energia – um foco que fez sentido
no passado. Então, o choque de Putin é exatamente o tipo de evento que o Fed
normalmente ignoraria. E, ao que tudo indica, os investidores parecem acreditar
que o Fed fará exatamente isso: as expectativas do mercado a respeito da
política do Fed para os próximos meses parecem não ter mudado.
De maneira geral, o choque russo na
economia mundial será desagradável, mas provavelmente não tão desagradável
assim. Se Putin imagina que pode manter o mundo refém, isso é provavelmente
outro erro de cálculo fatal.
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