O Globo
Uma
das formas mais comuns nos discursos feministas para marcar que 8 de Março não
é uma data para vender flores ou perfumes, e sim uma oportunidade de fomentar
discussões a respeito da condição feminina e da desigualdade de gêneros no
Brasil e no mundo, foi pedir aos homens que, nesse dia, não deem flores às
mulheres.
Pois,
em 2022, o debate público trocou rosas por pérolas, mas não aquelas que adornam
lindas joias, e sim as bobagens que, na gíria, ganharam essa denominação.
Antes das 7h, ao levantar, fui surpreendida por um post da jornalista Natuza Nery republicando o anúncio de um ciclo de palestras sobre a participação feminina na política “estrelado” apenas por… homens! Jair Bolsonaro, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, palestrariam, ao longo de vários dias, a respeito desse tema sobre o qual têm tanto a dizer. As mulheres? Estariam na plateia, claro, aprendendo.
Bolsonaro,
vale lembrar, tem um histórico que o credencia para falar num evento sobre a
valorização da mulher. Afinal, foi ele que disse que uma colega deputada não
“merecia” ser estuprada por, segundo ele, ser feia demais, que confessou ter
dado uma “fraquejada” ao ter uma filha depois de quatro filhos e que usaria
auxílio-moradia da Câmara mesmo tendo imóvel em Brasília para “comer gente”.
Ah,
mas trata-se de um passado longínquo. Seria, não fosse o presidente, em
solenidade ontem mesmo, em alusão ao Dia Internacional da Mulher, dizer, em tom
condescendente, que hoje elas estão “praticamente integradas” à sociedade,
graças ao “auxílio” dos homens, para os quais, aliás, seriam muito importantes.
Por
fim, o Senado decidiu votar projetos de iniciativa da bancada feminina, mas
retirou da lista elaborada pelas senadoras justamente os mais importantes: os
que estabeleciam cotas para a participação feminina em postos importantes nas
direções dos partidos e nas comissões da Casa.
Esse
impressionante conjunto de fatos num único dia seria apenas uma coleção de
evidências anedóticas, não fosse essa a realidade cotidiana de um dos campos em
que a promoção da equidade de gênero está mais atrasada: a política.
Enquanto
empresas, universidades, organizações do terceiro setor e as artes avançam,
ainda que a passos lentos, na tentativa de abrir espaços e garantir voz a
mulheres, a sub-representação feminina no Executivo e no Legislativo é
gritante, a despeito de 52% do eleitorado brasileiro ser feminino.
A
simples eleição de mulheres ou sua nomeação para cargos de primeiro escalão em
governos garantiria a melhoria da política? Não imediata nem necessariamente.
Casos de mandatos femininos malsucedidos por diferentes conjunturas são
conhecidos no Brasil e em vários países.
Mas
a redução do fosso profundo em termos de representatividade é urgente até para
que se possa fazer essa cobrança e cotejar resultados com mais precisão.
Que
organizadores de um ciclo de palestras passem semanas, quiçá meses, fazendo
convites e encomendando material de divulgação sem se dar conta de que falta um
“pequeno detalhe” — a presença de alguma mulher que seja — é emblemático de
como o poder é visto no país: como algo que emana dos homens e por eles deve
ser exercido. A presença de mulheres aqui e ali é vista como uma concessão ou
uma condição excepcional.
Este 8 de Março foi como uma sucessão de memes involuntários a comprovar que machismo e misoginia não são efeitos colaterais de quando “vaza” um áudio de um Mamãe Falei da vida, mas a condição ainda predominante no debate público nacional. Uma das muitas anomalias de uma democracia que anda um passo à frente para depois voltar dois ou três.
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