Folha de S. Paulo
Pelo argumento estatístico, é melhor tê-las
Os chilenos deram um sonoro "não"
à proposta de Constituição que lhes foi apresentada. O texto, que
trazia mesmo alguns aspectos caricaturais, como mencionar a palavra
"gênero" nada menos do que 39 vezes, foi rechaçado por 62% dos
eleitores. A pergunta que proponho hoje é se países precisam de constituições
escritas. Elas talvez não sejam imprescindíveis. Reino Unido e Israel, por
exemplo, não possuem um documento desses. Mas basta uma rápida contagem para
constatar que a grande maioria das democracias avançadas exibe, sim, uma Carta
política, que quase sempre enuncia também os direitos e garantias fundamentais
dos cidadãos.
Assim, pelo argumento estatístico, é melhor ter uma Constituição do que não ter. A análise de alguns casos exemplares, porém, ensina que as coisas são mais complicadas. No papel, a União Soviética tinha uma boa Carta. As belas palavras não impediram o Estado soviético de ser um dos mais opressores da história. Boas constituições também não estão protegendo países como Hungria e Polônia de regressões autocráticas.
No polo oposto temos o próprio Chile. A
Carta em vigor é herança da ditadura pinochetista. A origem espúria não impediu
o Chile de viver os últimos 30 anos como uma democracia estável e como o país
da América Latina que mais fez progressos econômicos. Algo parecido vale para
os EUA. O país tem uma Constituição com mais de 200 anos, que recepcionou a escravidão
e estimulou a criação de milícias, mas os EUA se mantiveram democráticos porque
sucessivas gerações de intérpretes conseguiram atualizar o documento,
aproveitando dele mandamentos que faziam sentido para a época.
Constituições escritas facilitam bastante a vida das sociedades modernas, mas elas só significam algo se os principais atores políticos de um país estiverem dispostos a jogar o jogo democrático a sério. E, se estiverem, as constituições nem precisam ser tão boas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário