Valar Econômico
Para Keynes, controle de capitais deveria
ser uma característica permanente da ordem global pós-Guerra
Alan Greenspan, às vésperas de sua saída da
presidência do Federal Reserve, chamou a atenção para as alterações provocadas
pela globalização. Ele dizia que “durante as últimas décadas, a inflação caiu
sensivelmente no mundo inteiro, assim como a volatilidade da economia. A
globalização e a inovação parecem elementos essenciais de qualquer paradigma
capaz de explicar os eventos dos últimos 10 anos”.
Em seu livro “Interest and Prices”, o
economista Michael Woodford nos presenteou com uma exposição sobre o regime de
metas. Woodford, apoiado “nos escritos monetários (não quantitativistas) de
Knut Wicksell” se propõe a definir as condições de existência de uma regra
ótima de reação do banco central diante de alterações antecipadas no nível
geral de preços.
Os bancos centrais buscam coordenar as expectativas dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, de modo a consolidar a confiança em sua atuação, atenuando a volatilidade do nível geral de preços, da renda e do emprego. O livro de Woodford interpreta Wickssel de forma peculiar. O autor constrói uma hipotética economia monetária na qual o crédito está praticamente ausente. Wickssel, na verdade, caminhou para a concepção de uma economia de “crédito puro” para examinar os processos cumulativos de inflação e deflação.
A obra de Woodford não menciona, sequer no
glossário, a expressão “exchange rate”. Isto, imagino, pode significar que nos
países de moeda conversível, as flutuações do câmbio apenas têm efeitos “reais”
na medida em que afetam os preços relativos entre “tradables” e “non
tradables”. Woodford parece considerar irrelevantes as flutuações do câmbio
para a formação das expectativas dos agentes em uma economia monetária e
financeira. Woodford não surpreende, portanto, ao negar relevância à
globalização dos mercados financeiros na formulação de regras que orientem a
atuação dos bancos centrais.
Na contramão, o economista do Banco para
Compensações Internacionais (BIS), Claudio Borio, rebateu os argumentos de
Woodford: “Nossas descobertas sugerem que os fatores globais se tornaram mais
importantes do que os fatores domésticos”. Borio se refere às mudanças
importantes que afetaram, antes da crise financeira, as condições da oferta e
da demanda na economia globalizada. São elas:
1- A grande empresa manufatureira se deslocou
para regiões onde o custo unitário da mão de obra é sensivelmente mais baixo.
Nesses mercados, a oferta ilimitada de mão de obra impede que os salários
acompanhem o ritmo de crescimento da produtividade.
2 - As relações produtividade/salários nos
emergentes asiáticos incitaram a rápida criação de nova capacidade produtiva na
indústria manufatureira, acirrando a concorrência global entre os produtores de
manufaturas.
3 - As políticas de comércio exterior dos
emergentes em processo de “perseguição” industrial combinam saldos comerciais
alentados, acumulação de reservas e políticas de defesa do câmbio real.
4- Os Estados Unidos, beneficiados pela
capacidade de atração de seu mercado financeiro amplo e profundo absorveram um
volume de capitais externos muito superior aos déficits em conta corrente.
Borio procura demonstrar que em um mundo em que prevalece a mobilidade de
capitais a determinação não vai do déficit em conta corrente para a “poupança
externa”. É a elevada liquidez e a alta “elasticidade” dos mercados financeiros
globais que patrocinam a exuberante expansão do crédito, a inflação de ativos e
o endividamento das famílias viciadas no hiper-consumo. A inflação ia muito
bem, obrigado.
A combinação entre esses fenômenos - baixa
inflação e excessiva elasticidade do sistema financeiro - acentuou o caráter
procíclico da oferta de crédito e impulsionou a criação de desequilíbrios
cumulativos nos balanços de famílias, empresas e países - com sérias
consequências para a eficácia das políticas monetárias nacionais. A questão
central, na opinião do economista do BIS, reside no crescimento excepcional dos
fluxos brutos de capital entre as economias centrais.
Isso significa que as mudanças patrimoniais
entre os agentes privados e públicos (bancos, empresas, governos e famílias)
foram muito mais intensas do que as refletidas no financiamento do déficit em
conta corrente. “Assim, mesmo que os Estados Unidos não apresentassem déficits
externos ao longo dos anos 90 (e da primeira década do século XXI), o ingresso
de capitais teria sido robusto”.
O ex-economista-chefe do FMI, Olivier
Blanchard escreve: “Antes da crise de 2008, muitas economias emergentes
adotaram o regime de metas de inflação. Isso era visto como o estado da arte no
que respeita à política monetária... Esses países (no que se refere ao câmbio)
se incluíam entre os “flutuantes”. Argumentavam, continua Blanchard, que os
cuidados com a taxa de câmbio deveriam ser considerados apenas por seus efeitos
na inflação. Não deram qualquer importância à taxa de câmbio como objetivo de
política econômica. Mas os países (emergentes) têm razões para cuidar das taxas
de câmbio. É importante dispor de instrumentos para afetar o nível e a
volatilidade da taxa.
Conhecedor das proezas do irrequieto
capital-dinheiro, um certo John Maynard Keynes, tocado pelas trapalhadas dos
anos 1920 e pelas desgraças da Grande Depressão dos anos 1930, defendeu, nas
negociações de Bretton Woods, a vedação dos movimentos de capitais. Não
surpreende que, nos trabalhos elaborados para as reuniões que precederam as
reformas de Bretton Woods, Keynes tenha tomado posições radicais em favor da
administração centralizada e pública do sistema internacional de pagamentos e
de criação de liquidez. Ele imaginava que o controle de capitais deveria ser “uma
característica permanente da nova ordem econômica mundial do pós-Guerra. Para
ser efetivo, esse controle envolveria provavelmente uma engrenagem de
administração estrita do câmbio para todas as transações, mesmo se o balanço em
conta corrente estiver em geral aberto”.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, professor emérito da Universidade Federal de Goiás.
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