Valor Econômico
É preciso promover a redução ou eliminação
de renúncias tributárias que trouxeram poucos benefícios aos mais pobres
O ciclo político estimula o governo a
iniciar o seu mandato por ajustes e alterações da legislação de maior
envergadura, geralmente com custos de curto prazo para parte ou mesmo toda a
sociedade - “maldades”. A aprovação dessas propostas costuma contar com a boa
vontade dos parlamentares no 1º ano da nova legislatura. A janela para
tramitação dessas medidas diminui já no 2º ano do mandato, por conta do
desgaste no relacionamento parlamentar e da realização de eleições municipais
em outubro. Assim, os últimos anos são mais dedicados às concessões de
benefícios - “bondades”, muito mais fáceis de serem aprovadas.
Diferentemente do padrão usual, os primeiros três meses do governo Lula têm sido marcados pela distribuição de “bondades” em muitas frentes, com poucas contrapartidas em termos de corte de despesas ou de aumento das receitas, como, respectivamente, o corte do subsídio sobre os preços de combustíveis e a imposição temporária de imposto de exportação no óleo cru.
- Ampliação do Bolsa Família: pagamento
mensal de, no mínimo, R$ 600 para famílias beneficiadas, R$ 150 para crianças
de até seis anos e R$ 50 para grávidas e jovens de sete a 18 anos.
- Nova correção do salário-mínimo: maior
reajuste em termos reais, com alta dos R$ 1.302 previstos no orçamento para R$
1.320.
- Aumento do limite de isenção do IRPF para
renda inferior a dois salários mínimos para beneficiar os trabalhadores com
carteira assinada de menor renda.
- Desenrola: redução do endividamento das
famílias com renda de até dois salários-mínimos, através da renegociação de
dívidas vencidas, com a oferta pelos bancos de novos empréstimos a juros
menores e garantidos pelo Tesouro.
- Elevação do valor das bolsas de
pós-graduação: após quase 10 anos de estabilidade, concessão de reajustes de
até 40%.
- Aumento salarial para o funcionalismo:
apesar de os rendimentos da maioria dos servidores não terem sido revisados
formalmente, muitas categorias incorporaram ganhos nos últimos anos. As
restrições fiscais e a comprovação de que parte relevante do funcionalismo já
tem renda superior ao do setor privado sugerem que o correto seria conceder
reajustes apenas aos grupos que não tiveram elevação dos seus rendimentos nos
últimos anos.
- Privilégios monetários para várias
categorias do serviço público: os benefícios de diversas categorias foram
ampliados nos últimos anos. Ainda que não tenha sido decidida pelo Executivo, a
concessão de um dia adicional de folga para cada três dias trabalhados ou o
provento de R$ 11 mil por mês para grande parte da elite do Judiciário - sem
fazer parte do teto remuneratório - é um exemplo recente dessas “bondades”.
- Significativa alocação de recursos para
parlamentares: após a decisão do STF de acabar com o orçamento secreto, o
Legislativo e o Executivo direcionaram as verbas originalmente alocadas dessa
forma para emendas individuais e de comissão decididas por parlamentares com
mandato até 2022. Além disso, os 218 congressistas em 1º mandato também terão
direito ao direcionamento de verbas do orçamento de 2023.
- Alteração da Lei das Estatais: redução da
quarentena para que ex-ocupantes de posições no governo, em partidos políticos
ou no Congresso possam assumir cargos de comando em empresas estatais de forma
mais célere.
- Compensação aos entes regionais por perda
de arrecadação: o governo federal compensará os Estados e municípios pelos
prejuízos causados com a aprovação da LC 194/22 que limitou a 18% a cobrança de
ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e transportes.
- Destinação de mais subsídios no âmbito do
Minha Casa Minha Vida para a camada da população de menor renda.
- Direcionamento emergencial de verbas para atenuar a crise humanitária do povo Yanomami e para recuperação dos bons índices de vacinação do país.
A despeito de algumas dessas medidas serem
totalmente justificáveis, o crescimento dos gastos públicos para a distribuição
de “bondades”, em um ambiente de contas públicas desajustadas, introduz riscos
adicionais à obtenção de um equilíbrio fiscal permanente.
A Reforma Tributária ganha, assim, maior
importância sob a esperança de que o aumento da eficiência do sistema tributário
reduza as distorções, estimule a poupança e eleve o consumo e os investimentos.
Não obstante, há muitos obstáculos.
A calibração do sistema não será fácil,
ainda mais em função de promessas de que não haverá alta da carga tributária.
Grupos de interesse e parlamentares de diversas correntes políticas já se
movimentam para garantir a preservação ou mesmo a ampliação das renúncias
tributárias, como as associadas ao Simples e à Zona Franca de Manaus. A
despeito das evidências comprovando que muitas dessas vantagens não trouxeram
quase nenhum dos ganhos prometidos em termos de emprego, produtividade e
exportações, membros do governo continuam sensíveis ao discurso vazio que
protegeu esses privilégios nas últimas décadas.
Em outra frente, a fantasia de que o corte
de juros resulta sempre em maior crescimento econômico - sem pressionar a
inflação e reequilibrando as contas públicas por meio do aumento da arrecadação
- tem colocado sob lupa a gestão monetária e a meta de inflação. O clamor de
que é possível reverter o aperto monetário e reduzir sacrifícios exagerados
demandados da sociedade com a simples elevação da meta de inflação pode até
soar bem para muitos, mas a história ensina que essa proposta não tem nenhuma
sustentação à luz das evidências, como atestam as experiências da Argentina e
da Turquia.
Infelizmente, não há atalhos para elevar o
crescimento potencial do país. Apesar de doces, as promessas sopradas por
alguns grupos são inalcançáveis. O governo precisa se convencer de que não é
possível continuar com a promoção de “bondades” sem impor “maldades” no curto
prazo. Nesse sentido, o Executivo e o Legislativo precisam promover ajustes
duros, como o aumento de impostos sobre os mais ricos e a redução ou eliminação
de renúncias tributárias que trouxeram pouquíssimos benefícios para os mais
pobres.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia.
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