Lula prefere viver crises no governo a tentar debelá-las
O Globo
Manter ministros enrolados em denúncias não
garante apoio almejado, mas cobrará seu preço
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem
evitado demitir ministros enrolados em denúncias — fontes de constrangimento —
para alimentar a esperança de obter base sólida num Congresso ávido por cargos
e verbas. Tem enfrentado pressões que emanam do próprio PT, não menos
interessado nos mesmos cargos e nas mesmas verbas. Lula escolheu viver em crise
a tentar debelá-la.
A opção ficou clara depois da reunião em que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), deveria se explicar. Juscelino é acusado de usar um avião da FAB para ir a São Paulo participar de eventos particulares ligados ao mercado de cavalos. Embora a agenda incluísse compromissos oficiais, eles ocupavam pequena parte do tempo. Mesmo assim, recebeu diárias que só foram devolvidas depois de o escândalo vir à tona. Quando deputado, Juscelino destinara R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente a fazendas de sua família em Vitorino Freire (MA). Ainda é acusado de não ter informado ao TSE um patrimônio de R$ 2,2 milhões em cavalos de raça.
Juscelino considerou positivo o encontro e
disse ter “esclarecido as acusações infundadas”. Saiu da reunião com um voto de
confiança de Lula — sinal para o União Brasil, partido com três nomes no
primeiro escalão, garantir seus votos no Congresso a projetos do Planalto. Mais
cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviara um recado aos
petistas, afirmando que hoje o governo não tem base consistente nem para votar
matérias que exigem maioria simples — que dizer de mudanças na Constituição?
A opção pela crise estava implícita desde a
manutenção no cargo da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, conhecida como
Daniela do Waguinho (União-RJ). Durante a campanha para deputada federal, ela
recebeu apoio de pelo menos quatro suspeitos de integrar milícias que
aterrorizam moradores da Baixada Fluminense, base eleitoral dela e do marido,
Wagner Carneiro, o Waguinho, prefeito de Belford Roxo. Não se trata apenas de
ter posado para fotos ao lado de suspeitos de crimes. Eles tiveram participação
ativa na campanha. Péssimo exemplo.
O ministro da Integração Nacional, Waldez
Góes, é outro que se equilibra na necessidade de governabilidade. Em 30 de
dezembro, pouco antes de deixar o governo do Amapá, ele entregou a obra mais
cara de sua gestão — a pavimentação de uma rodovia que liga Macapá ao sul do
estado, orçada em R$ 100 milhões — a uma empresa que pertence a um suplente do
senador Davi Alcolumbre (União-AP). Foi Alcolumbre quem indicou Góes para o
ministério. Parte do projeto é financiada por verbas do orçamento secreto.
É certo que Lula precisa de base no
Congresso para aprovar projetos de interesse do Planalto que nem sempre agradam
ao Parlamento conservador eleito em outubro. Politicamente, porém, é uma aposta
arriscadíssima manter ministros fragilizados por denúncias num governo que
enfrenta uma sucessão de crises. Uma coisa é contemplar com cargos partidos que
apoiam o governo ou estejam dispostos a integrar sua base. Outra, bem
diferente, é compactuar com irregularidades em nome da governabilidade. Nada
garante que Lula obterá o almejado apoio num Congresso onde as cartas estão com
um Centrão de apetite insaciável. Mas não há dúvida de que o caminho que ele
escolheu cobrará seu preço.
Alvos políticos das invasões do MST são o
governo e o PT
O Globo
Ao levantar fantasma das ocupações no
campo, movimento quer prejudicar aproximação de Lula do agronegócio
A invasão de quatro propriedades produtivas
pelo MST no sul da Bahia terminou como costumam terminar esses episódios.
Acionada, a Justiça concede reintegração de posse, e a polícia em seguida trata
de expulsar os invasores. Foi o que aconteceu na última sexta-feira na Fazenda
Limoeiro, em Jacobina, após confronto. Ontem o MST começou a desocupar as
outras três fazendas invadidas, em Caravelas, Teixeira de Freitas e Mucuri
(nelas, a Suzano planta eucalipto para produção de papel e celulose). Saldo do
episódio: o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder trouxe de volta as
invasões rurais.
Dois pretextos foram usados pelo MST para
retomá-las. Primeiro, denunciar a monocultura de eucalipto — desculpa sem
sentido, já que há décadas a indústria papeleira promove um dos usos da terra
mais rentáveis e sustentáveis do Brasil, e tradicionalmente os alvos do
movimento eram terras improdutivas. O segundo pretexto foi pressionar pela
nomeação do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), encarregado de distribuir terra — outra desculpa sem nexo, pois o novo
presidente foi nomeado na semana passada.
A razão verdadeira é política. O MST
levantou mais uma vez o fantasma das invasões rurais para pressionar o governo
petista a fazer concessões que jamais seriam obtidas do anterior, que via o
movimento apenas como bando de criminosos. Mais que os produtores de eucalipto,
os alvos foram o próprio PT e o Planalto. Como PT e MST têm laços históricos, a
conivência do partido dificultaria as iniciativas recentes de Lula para abrir
pontes com o agronegócio e, em consequência, as negociações no Congresso para
aprovar projetos do governo — eis o objetivo implícito.
A estratégia, como se viu, tinha pouca
chance de dar certo. O MST perdeu muito da força que já teve. Na gestão
Fernando Henrique, houve 2.442 invasões, quase uma por dia. Nos primeiros
governos de Lula caíram 19%, para 1.968, e na gestão Dilma Rousseff 50%, para
969. Depois o MST tentou se “reposicionar” como movimento de cooperativas
interessadas não na revolução no campo, mas em promover pequenas propriedades
produtivas.
Foi um ajuste aos novos tempos. A
propriedade privada rural deixou de ser vista, até na esquerda, como agressão
ao pequeno agricultor. O agronegócio conectou-se ao mercado internacional,
tornou-se essencial para as exportações e ocupou áreas outrora chamadas
“latifúndios improdutivos”. A agroindústria também abriu espaço a pequenos e
médios produtores. O próprio MST aderiu ao capitalismo agrícola no cultivo de
arroz orgânico no Sul. O programa de reforma agrária perdeu importância. O
Incra se dedica hoje mais à capacitação da pequena produção rural que à
redistribuição de terras.
A volta das invasões de fazendas produtivas pode ter sido responsabilidade de alguma falange mais radical do MST ou apenas de oportunistas interessados em chantagear o Planalto para ocupar cargos na máquina pública. Nenhuma das possibilidades é boa para o governo ou para o país.
Lira, Lula e Juscelino
Folha de S. Paulo
Realismo do chefe da Câmara se confirma com
permanência de ministro desgastado
Pode-se criticar por muitos motivos o
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mas não por irrealismo
político.
Foram precisas suas observações a
respeito da sustentação partidária do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
durante uma palestra na Associação Comercial de São Paulo nesta segunda-feira
(6). O petista, disse, não dispõe de votos garantidos nem para projetos que
exigem maioria simples, que dirá para reformas constitucionais.
Trata-se de um governo de centro-esquerda
que terá de lidar com um Legislativo que se tornou mais liberal neste ano,
conforme sua descrição —um tanto benevolente, diga-se, com a expansão do
reacionarismo bolsonarista e do fisiologismo do centrão, do qual Lira é um dos
expoentes.
Ele tratou de moderar expectativas quanto
ao redesenho do sistema tributário, uma das prioridades da agenda econômica:
"Ninguém vai chegar na reforma ideal".
Lula foi eleito com margem mínima de votos,
recordou, e "precisa entender que temos Banco Central independente,
agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com atribuições mais
amplas".
Em outras palavras, o petista não
conseguirá —não sem negociar com um Parlamento de preferências distintas, ao
menos— dar concretude a bandeiras que tem empunhado desde a campanha.
Uma demonstração de que o diagnóstico de
Lira é acertado se deu no mesmo dia, quando o presidente da República decidiu
manter na Esplanada o titular da pasta das Comunicações, Juscelino
Filho, a despeito de suspeitas variadas levantadas quanto à conduta do auxiliar
nas últimas semanas.
O ministro é um dos três nomes do União
Brasil no governo, mas nem assim o partido —uma fusão do ex-bolsonarista PSL
com o DEM de pretensões liberais, que tem 59 dos 513 deputados e 10 dos 81
senadores— se assume como parte da base de sustentação ao Planalto.
Ruim com Juscelino, pior sem ele,
raciocinou Lula, cujos aliados mais fiéis fizeram saber que agora o presidente
espera um apoio mais decidido da legenda. Esta, aliás, anda em tratativas para
formar uma federação com o PP de Lira, que se situa no grupo dos independentes.
Sem o União Brasil, a coalizão governista
teria apenas 223 deputados, ou 43,5% da Câmara. É verdade que se podem
conseguir votos avulsos em outras siglas, mas não há garantia do suficiente
para projetos mais difíceis. Se contadas só as forças mais à esquerda, são,
quando muito, 139 cadeiras.
Arthur Lira, convém lembrar, chegou ao
comando da Casa com um recorde de 464 votos, de partidos tão diferentes quanto
o PL de Bolsonaro e o PT. Lula, pois, não apenas precisa rumar ao centro se
quiser levar adiante uma agenda mas ambiciosa, mas também não pode se dar ao
luxo de brigar com o centrão e seus satélites.
Pró-vida das mulheres
Folha de S. Paulo
América Latina avança na legalização do
aborto, mas cultura dificulta acesso
O debate sobre o aborto envolve questões
filosóficas —se a vida humana começa na concepção ou se um embrião é uma
pessoa, por exemplo. Entretanto o aspecto pragmático é inescapável, dado que a
criminalização causa a morte de mulheres em todo o mundo e afeta principalmente
as mais pobres.
Relatório da Organização Mundial de Saúde
(OMS) estima que entre 4,7% e 13,2% das mortes de mulheres grávidas no mundo
sejam provocadas por abortos inseguros, o que corresponde a até cerca de 38 mil
casos por ano.
Regiões em desenvolvimento ou de baixa renda
concentram 97% dessas práticas —na América Latina, 3 de cada 4 interrupções de
gravidez são inseguras.
Tais riscos estão ligados à legislação. Nos
locais em que a prática não é criminalizada, a taxa de procedimentos inseguros
é de 10%, ante 25% naqueles que a proíbem. Mais de três quartos dos países
impõem penas ao aborto, entre eles o Brasil e outros latino-americanos.
A situação, porém, vem mudando nos últimos
anos. Em 2017, só 3% dos habitantes da região viviam em países nos quais o
aborto era legalizado ou descriminalizado. Já em 2022,
esse número saltou para 37%, o que abrange Cuba, Guiana, Guiana
Francesa, Porto Rico, Uruguai, Argentina, Colômbia, e alguns estados do México.
Em 2020, a Argentina regulamentou o acesso
seguro em hospitais públicos. Segundo o Ministério da Saúde de lá, o número de
mortes por aborto caiu 40% desde 2021. Mas leis mudam mais rápido do que a
cultura, e as mulheres do país ainda enfrentam dificuldades.
Há relatos de
comentários preconceituosos de médicos; excesso de profissionais que
se recusam a realizar o procedimento —há hospitais em que a recusa chega a 90%;
longas esperas que empurram mulheres para o aborto clandestino; médicos que são
perseguidos por organizações ditas pró-vida.
De qualquer forma, é notável o avanço na
legislação argentina e de outros países da região. Para isso, a sociedade civil
organizada estimulou intenso debate e conscientização sobre o tema.
No Brasil, infelizmente, o aborto permanece um tabu, e nem mesmo as forças políticas não conservadoras se dispõem a tratar a pauta sob a ótica da saúde pública, com medo de perder eleições.
A fragilidade do governo no Congresso
O Estado de S. Paulo.
Manutenção de ministro enrolado em
escândalos se explica pela necessidade de não perder votos, já que o governo,
como bem definiu Lira, não tem base nem para aprovar projeto de lei
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), disse nesta semana que o presidente Lula da Silva não tem uma base
consistente para aprovar projetos de sua agenda econômica no Congresso. Ele se
referia à reforma tributária, cujo texto virá por meio de uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) e requer maioria qualificada – os votos de três
quintos dos deputados e senadores. Mas o governo teria um problema ainda maior
em suas mãos, segundo o deputado, e não contaria com apoio suficiente para
aprovar nem mesmo projetos de lei, que demandam maioria simples, ou seja, mais
que a metade dos presentes no colegiado.
É bem verdade que a base de apoio do
governo ainda não foi devidamente testada. Com a posse da nova legislatura no
início de fevereiro, deputados e senadores estiveram envolvidos com questões
internas e a eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Nesta semana, é
esperado que o comando das comissões temáticas seja definido nas duas Casas.
Enquanto isso, até agora, as sessões deliberativas privilegiaram a apreciação
de requerimentos e projetos de menor relevância.
Lira não exagerou ao expor a ausência de
uma maioria governista na Câmara e no Senado. Não é por acaso que o ritmo das
atividades legislativas esteja tão modorrento: sem base, a agenda legislativa
de projetos prioritários do governo inexiste ou se torna uma lista protocolar a
ser ignorada – como foi nos anos de Jair Bolsonaro, quando não só a definição
da pauta, mas a própria construção da maioria se tornaram atribuições da
presidência da Câmara.
Nesse contexto, a declaração de Lira deve
ser encarada com muito realismo por parte do governo. Ela explicita uma
dinâmica das relações entre Executivo e Legislativo que Lula não havia
enfrentado em seus mandatos anteriores e que talvez tenha subestimado. Com
pouco mais de 130 deputados vinculados a partidos de esquerda, o presidente não
poderá prescindir do Centrão para aprovar seus projetos no Congresso. Isso
exigirá do Executivo ceder mais para um Legislativo eminentemente conservador,
tanto no conteúdo das propostas legislativas quanto na entrega de cargos a
aliados na estrutura do Executivo.
A permanência de Juscelino Filho (União
Brasil–MA) como ministro das Comunicações, a despeito dos escândalos que
protagoniza, é um bom exemplo dessa dinâmica. De um lado, Lula não pode se
arriscar a perder os votos dos 59 deputados e 10 senadores do União Brasil; de
outro, tampouco tem a garantia do apoio dos parlamentares do partido a seus
projetos. Prova disso é que, contrariando a orientação do governo, quase metade
dos integrantes da sigla assinou o requerimento pela abertura de uma CPI para
investigar os atos golpistas do 8 de Janeiro.
Dono da terceira maior bancada da Câmara e
da quarta maior no Senado, o União Brasil detém três Ministérios, mas ainda
assim se diz independente. Não se trata de uma crise de identidade partidária.
O que tem guiado a atuação das lideranças do Centrão é a consciência da
importância de seu apoio para a construção de uma maioria estável no Congresso,
sem a qual qualquer governo fracassa. É nesse contexto que as declarações de
Lira devem ser interpretadas. Foi Lira, não o PT, o maior articulador da
aprovação da PEC da Transição; suas recentes declarações somente evidenciam uma
atuação conjunta entre o União Brasil e o PP.
Se quiser vencer esses obstáculos, o
governo precisará ser bem mais pragmático e cumprir a promessa de campanha que
garantiu sua eleição. Será preciso unir o País e atuar como uma verdadeira
frente ampla, o que inclui ceder espaços de poder que o PT historicamente
resiste a ceder – o que não significa compactuar com a corrupção.
Em paralelo, será necessário priorizar a
aprovação de uma pauta econômica que mobilize uma maioria no Congresso e
abandonar propostas anacrônicas como a revisão da reforma trabalhista. É disso
que depende a aprovação da reforma tributária e da nova âncora fiscal,
premissas para a redução dos juros e para a retomada do crescimento que o
governo diz almejar.
Nepotismo à luz do dia
O Estado de S. Paulo.
Nomeação de parentes para cargos públicos
viola Constituição, mas há quem não dê a mínima para isso, como mostra o
escandaloso caso na Bahia envolvendo um ministro de Lula
Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF)
aprovou a Súmula Vinculante n.º 13, reconhecendo que o nepotismo, isto é, “a
nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, (...) para o exercício de cargo em
comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração
pública direta e indireta”, viola a Constituição. Foi uma decisão importante,
que estabeleceu um patamar mínimo de moralidade para o funcionamento da máquina
pública.
Em 2009, julgando um processo do Estado do
Paraná, em que o governador havia nomeado seu irmão para o Tribunal de Contas
do Estado, o STF disse que os conselheiros de Tribunais de Contas não se
enquadram na categoria de agentes políticos, estando, portanto, sujeitos às
proibições referentes ao nepotismo. Na ocasião, o relator do processo, ministro
Ricardo Lewandowski, afirmou que a nomeação de irmão para o cargo de “fiscalizar
as contas do nomeante está a sugerir, ao menos neste exame preliminar da
matéria, afronta direta aos mais elementares princípios republicanos”.
Nos anos seguintes, apesar da orientação do
STF sobre a inconstitucionalidade do nepotismo, continuou havendo nomeações de
parentes para cargos públicos, sob o argumento de que este ou aquele caso
específico não se enquadraria nas hipóteses da Súmula Vinculante n.º 13. Diante
dessa manobra, em 2014, o Supremo lembrou que o enunciado da súmula “não
pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo da
administração pública”. E o motivo é incontestável: a “irregularidade (do
nepotismo) decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal,
independentemente da edição de lei formal sobre o tema”. Era mais uma tentativa
de o STF fazer valer o óbvio. Cargo público não é para dar emprego a parente.
No entanto, continuam sendo frequentes
nomeações de parentes de políticos para os Tribunais de Contas. Em concreto,
três ministros do governo Lula estão nessa situação.
Em 2022, o ministro do Desenvolvimento
Regional, Waldez Góes (PDT), quando ainda era governador de Amapá, nomeou sua
mulher, Marília Góes, para o Tribunal de Contas do Estado. Num primeiro
momento, a indicação foi suspensa pela Justiça em razão do nepotismo, mas
depois a suspensão foi revertida.
Em dezembro do ano passado, o ministro dos
Transportes, Renan Filho (MDB), após ter se licenciado do cargo de governador
de Alagoas, conseguiu que sua mulher, Renata Calheiros, fosse nomeada conselheira
do Tribunal de Contas do Estado.
Agora, o ministro da Casa Civil, Rui Costa
(PT), ex-governador da Bahia, tenta emplacar o nome de sua mulher para um alto
cargo na máquina pública estadual. No dia 6 de março, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa da Bahia aprovou a
candidatura de Aline Peixoto para o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado
da Bahia (TCM-BA). Enfermeira, ela não tem experiência em trabalhos
legislativos nem no controle de contas públicas. O posto é vitalício, com
salário de R$ 41 mil. A indicação precisa ainda ser aprovada no plenário do
Legislativo estadual.
É lamentável que, no ano do 35.º
aniversário da Constituição de 1988, ainda persista uma compreensão tão
equivocada, abusiva e patrimonialista do aparato estatal. Usa-se o poder
político em benefício da família, sem nenhuma cerimônia. E nessa apropriação do
público para fins privados, parece não haver limites. Avança-se até mesmo sobre
os Tribunais de Contas, órgãos de controle, que, entre suas atribuições, está a
de identificar e barrar as ocorrências de nepotismo na administração pública.
No caso envolvendo Rui Costa, há um aspecto
especialmente desolador. O nepotismo não está sendo feito às escondidas, longe
dos holofotes, em uma recôndita repartição pública. Ao contrário. É realizado à
luz do dia. Um dos principais ministros de Lula está colocando sua mulher no
TCMBA e ninguém no governo vê nenhum problema. Ninguém se sente constrangido.
Qual será o patamar ético dessa gente?
Geração arruinada na Venezuela
O Estado de S. Paulo.
Só o desastre chavista explica o absurdo da
fome infantil num país tão rico em petróleo
É chocante, para dizer o mínimo, constatar
que a Venezuela condena suas crianças à indigência alimentar e educacional. O
país, como se sabe, é dono de uma das maiores reservas de petróleo do planeta −
uma riqueza incalculável que contrasta brutalmente com a rotina de miséria,
fome e escolas depauperadas após dez anos da posse do ditador Nicolás Maduro.
Eis o revoltante cenário que acaba de ser retratado em recente reportagem
publicada no Estadão. Sob o jugo do sr. Nicolás Maduro, cresce uma nova geração
de meninos e meninas que desconhecem o que é viver em um país sem crise humanitária.
Uma tragédia que deveria envergonhar todos os latino-americanos.
A reportagem traz um dado impressionante:
cerca de três quartos da população sobrevivem com renda abaixo da linha
internacional de pobreza extrema, o equivalente a menos de US$ 1,90 por dia. De
novo, impossível não fazer referência à riqueza natural depositada sob o solo
venezuelano. Basta lembrar o alvoroço provocado no início da década passada
quando o governo da Venezuela, ainda sob o comando do caudilho Hugo Chávez,
anunciou ter a maior reserva de petróleo do mundo − mais até que a abastada
Arábia Saudita.
Depois disso, à medida que nasciam as
crianças que hoje têm 10 anos ou menos de idade, o país mergulhou em profunda
crise econômica, agravada pelo tradicional repertório de que se valem os
liberticidas mundo afora: a supressão da democracia, o atropelo dos direitos
humanos e a violência política. Assim o tirano Nicolás Maduro completa sua
primeira década no poder; assim uma geração de crianças venezuelanas é
submetida a uma infância de privações.
A reportagem publicada no Estadão descreve
os efeitos devastadores da inflação, um mal que penaliza sempre os mais pobres.
Por mais que controlem parlamentos, os tribunais superiores e a imprensa, as
ditaduras são incapazes de subverter as leis econômicas. E é assim que a
economia venezuelana tem sido carcomida, com a sua moeda nacional, o bolívar,
em franca desvalorização em relação ao dólar. O salário mínimo em bolívares
vale atualmente US$ 5 por mês, ante US$ 30 há cerca de um ano. A mesma reportagem
informou que uma cesta básica para quatro pessoas custava US$ 372 em dezembro,
o que ajuda a explicar a fome na terra do petróleo.
Como de praxe, a população, em geral, e as
crianças, em particular, pagam o preço da irresponsabilidade e da tirania de
seus governantes. Enquanto milhões de venezuelanos já deixaram o país, muitos
vindo para o Brasil, quem ficou não teve opção a não ser encarar um cotidiano
de miséria. Para muita gente, isso significou ingerir alimentos com menos
nutrientes do que o recomendado ou até mesmo pular refeições − um desastre em
qualquer fase da vida, mais ainda na infância.
A Venezuela vive uma realidade dramática, e o governo brasileiro não pode fazer de conta que vai tudo bem no país vizinho. Menos ainda fechar os olhos para os desmandos e o arbítrio que levaram a Venezuela à ruína. A triste realidade das crianças venezuelanas, infelizmente, é o resultado de escolhas inaceitáveis de um regime ditatorial que deve ser tratado pelo nome.
Fed indica que pode acelerar de novo
aumento dos juros
Valor Econômico
Persistência da inflação bem acima da meta
continua pregando peças no Federal Reserve
A persistência da inflação bem acima da
meta continua pregando peças no Federal Reserve americano e pondo à prova, mais
uma vez, seus diagnósticos. Ontem, em depoimento no Senado, o presidente do
Fed, Jerome Powell, disse o que já se sabia, que a taxa de juros no final do
ciclo deve ser mais alta que a prevista - 5,1% no mercado futuro de juros na
segunda-feira - e, mais importante, que o banco pode voltar a acelerar o ritmo
de alta na próxima reunião. Com isso, as chances apontadas pelos investidores
de uma alta de 0,5 ponto percentual para a próxima reunião subiram para 50%, mesma
porcentagem dos que acreditam na repetição de aumento de 0,25 ponto percentual.
Powell fez velados reconhecimentos de erros
de perspectiva do Fomc, que decide a taxa de juros. As estatísticas de emprego,
consumo, produção e inflação “reverteram” as tendências de moderação
observadas. Mas “a amplitude da reversão, assim como as revisões do trimestre
anterior sugerem que as pressões inflacionárias estavam acima das esperadas
quando o Fomc se reuniu pela última vez”.
Powell repisou que o núcleo da inflação de
serviços, que compõe mais de 50% do núcleo de índice de gastos do consumidor
apresenta apenas “pequeno sinal de desinflação”. Sua conclusão é de que, para
que a inflação volte ao curso normal em direção à meta, a evolução dos preços
desse setor terá de ser menor e isso só será possível com algum esfriamento no
mercado de trabalho.
Isso está longe de acontecer. Em janeiro,
havia 1,9 vagas disponíveis para cada desempregado. O índice de desemprego, com
mais de 500 mil admissões em janeiro, encolheu para 3,4%, o menor desde 1969.
Não há espiral de salários-inflação até agora. O total de horas pagas no
segundo semestre evoluiu 4,1%, depois de atingir 6% no primeiro semestre, ambos
abaixo da inflação corrente. Mas os salários, para serem compatíveis com a meta
de 2%, teriam de moderar reajustes para 3% ou um pouco menos. Ainda que percam
para a inflação, o reajuste no nível corrente impede uma queda mais acentuada
dos preços.
A inflação de bens declinou. Os gastos
pessoais de consumo de energia, nos doze meses findos em janeiro, caíram 10
pontos percentuais, e os com comida, 11 pontos percentuais. Por outro lado, os
serviços relacionados a imóveis subiram 8 pontos percentuais no mesmo período e
o de outros serviços (turismo, viagem, alimentação fora do domicílio etc),
4,7%. No resultado final, o índice de gastos pessoais de consumo foi de 5,4% em
janeiro (ante 7% no pico de junho) e seu núcleo, medida preferida pelo Fed, de
4,7%, ainda distante da meta.
Por isso, o presidente do Fed disse que,
apesar da moderação dos índices, “o processo de trazer a inflação de volta para
2% tem um longo caminho a percorrer e ele será provavelmente acidentado”. Isso
significa que não só o nível da taxa de juros ao final do ciclo de aperto
monetário será maior do que o previsto, como também que “se os números como um
todo indicarem que um aperto mais rápido é justificável, nós estaremos
preparados para acelerar o ritmo das altas”.
Reacelerar o ritmo de alta tem um custo de
credibilidade para o Fed, embora ele não seja muito alto pelo fato de que a
inflação de longo prazo em nenhum momento deixou de estar ancorada. Neste custo
entra também o diagnóstico de que a alta da inflação era “temporária”, que o
levou a postergar o início do ciclo de aperto,. no qual o BC americano ficou
por algum tempo “atrás da curva”. Curiosamente, o Relatório de política
monetária, encaminhado ao Senado poucos dias antes do depoimento de Powell,
indica que, usando cinco métodos convencionais simples para aferir o nível dos
juros necessário - entre eles curva de Taylor, a mesma curva ajustada e outros
- todos eles sugeriam que os fed funds precisariam ter subido já no início de
2021. E, em 2022, a taxa precisaria ter sido elevada entre 4% e 8%.
Os mercados futuros ajustaram a taxa final
do ciclo ontem para 5,57% em setembro, isto é, algo entre 5,5% e 5,75%. O dólar
manteve tendência de alta e o título do Tesouro americano de 10 anos encostou
em 4%. As cotações do petróleo cederam, assim como as das ações americanas. O
cenário que previa um pouso suave na economia americana, com a inflação caindo
pela força da carga de juros já aplicada, perdeu força. Tanto o Fed como o
Banco Central Europeu pretendem ir mais longe no aperto, a não ser que
surpresas muito positivas do comportamento da inflação surjam no caminho.
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