quarta-feira, 8 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula prefere viver crises no governo a tentar debelá-las

O Globo

Manter ministros enrolados em denúncias não garante apoio almejado, mas cobrará seu preço

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado demitir ministros enrolados em denúncias — fontes de constrangimento — para alimentar a esperança de obter base sólida num Congresso ávido por cargos e verbas. Tem enfrentado pressões que emanam do próprio PT, não menos interessado nos mesmos cargos e nas mesmas verbas. Lula escolheu viver em crise a tentar debelá-la.

A opção ficou clara depois da reunião em que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), deveria se explicar. Juscelino é acusado de usar um avião da FAB para ir a São Paulo participar de eventos particulares ligados ao mercado de cavalos. Embora a agenda incluísse compromissos oficiais, eles ocupavam pequena parte do tempo. Mesmo assim, recebeu diárias que só foram devolvidas depois de o escândalo vir à tona. Quando deputado, Juscelino destinara R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente a fazendas de sua família em Vitorino Freire (MA). Ainda é acusado de não ter informado ao TSE um patrimônio de R$ 2,2 milhões em cavalos de raça.

Juscelino considerou positivo o encontro e disse ter “esclarecido as acusações infundadas”. Saiu da reunião com um voto de confiança de Lula — sinal para o União Brasil, partido com três nomes no primeiro escalão, garantir seus votos no Congresso a projetos do Planalto. Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviara um recado aos petistas, afirmando que hoje o governo não tem base consistente nem para votar matérias que exigem maioria simples — que dizer de mudanças na Constituição?

A opção pela crise estava implícita desde a manutenção no cargo da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, conhecida como Daniela do Waguinho (União-RJ). Durante a campanha para deputada federal, ela recebeu apoio de pelo menos quatro suspeitos de integrar milícias que aterrorizam moradores da Baixada Fluminense, base eleitoral dela e do marido, Wagner Carneiro, o Waguinho, prefeito de Belford Roxo. Não se trata apenas de ter posado para fotos ao lado de suspeitos de crimes. Eles tiveram participação ativa na campanha. Péssimo exemplo.

O ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, é outro que se equilibra na necessidade de governabilidade. Em 30 de dezembro, pouco antes de deixar o governo do Amapá, ele entregou a obra mais cara de sua gestão — a pavimentação de uma rodovia que liga Macapá ao sul do estado, orçada em R$ 100 milhões — a uma empresa que pertence a um suplente do senador Davi Alcolumbre (União-AP). Foi Alcolumbre quem indicou Góes para o ministério. Parte do projeto é financiada por verbas do orçamento secreto.

É certo que Lula precisa de base no Congresso para aprovar projetos de interesse do Planalto que nem sempre agradam ao Parlamento conservador eleito em outubro. Politicamente, porém, é uma aposta arriscadíssima manter ministros fragilizados por denúncias num governo que enfrenta uma sucessão de crises. Uma coisa é contemplar com cargos partidos que apoiam o governo ou estejam dispostos a integrar sua base. Outra, bem diferente, é compactuar com irregularidades em nome da governabilidade. Nada garante que Lula obterá o almejado apoio num Congresso onde as cartas estão com um Centrão de apetite insaciável. Mas não há dúvida de que o caminho que ele escolheu cobrará seu preço.

Alvos políticos das invasões do MST são o governo e o PT

O Globo

Ao levantar fantasma das ocupações no campo, movimento quer prejudicar aproximação de Lula do agronegócio

A invasão de quatro propriedades produtivas pelo MST no sul da Bahia terminou como costumam terminar esses episódios. Acionada, a Justiça concede reintegração de posse, e a polícia em seguida trata de expulsar os invasores. Foi o que aconteceu na última sexta-feira na Fazenda Limoeiro, em Jacobina, após confronto. Ontem o MST começou a desocupar as outras três fazendas invadidas, em Caravelas, Teixeira de Freitas e Mucuri (nelas, a Suzano planta eucalipto para produção de papel e celulose). Saldo do episódio: o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder trouxe de volta as invasões rurais.

Dois pretextos foram usados pelo MST para retomá-las. Primeiro, denunciar a monocultura de eucalipto — desculpa sem sentido, já que há décadas a indústria papeleira promove um dos usos da terra mais rentáveis e sustentáveis do Brasil, e tradicionalmente os alvos do movimento eram terras improdutivas. O segundo pretexto foi pressionar pela nomeação do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), encarregado de distribuir terra — outra desculpa sem nexo, pois o novo presidente foi nomeado na semana passada.

A razão verdadeira é política. O MST levantou mais uma vez o fantasma das invasões rurais para pressionar o governo petista a fazer concessões que jamais seriam obtidas do anterior, que via o movimento apenas como bando de criminosos. Mais que os produtores de eucalipto, os alvos foram o próprio PT e o Planalto. Como PT e MST têm laços históricos, a conivência do partido dificultaria as iniciativas recentes de Lula para abrir pontes com o agronegócio e, em consequência, as negociações no Congresso para aprovar projetos do governo — eis o objetivo implícito.

A estratégia, como se viu, tinha pouca chance de dar certo. O MST perdeu muito da força que já teve. Na gestão Fernando Henrique, houve 2.442 invasões, quase uma por dia. Nos primeiros governos de Lula caíram 19%, para 1.968, e na gestão Dilma Rousseff 50%, para 969. Depois o MST tentou se “reposicionar” como movimento de cooperativas interessadas não na revolução no campo, mas em promover pequenas propriedades produtivas.

Foi um ajuste aos novos tempos. A propriedade privada rural deixou de ser vista, até na esquerda, como agressão ao pequeno agricultor. O agronegócio conectou-se ao mercado internacional, tornou-se essencial para as exportações e ocupou áreas outrora chamadas “latifúndios improdutivos”. A agroindústria também abriu espaço a pequenos e médios produtores. O próprio MST aderiu ao capitalismo agrícola no cultivo de arroz orgânico no Sul. O programa de reforma agrária perdeu importância. O Incra se dedica hoje mais à capacitação da pequena produção rural que à redistribuição de terras.

A volta das invasões de fazendas produtivas pode ter sido responsabilidade de alguma falange mais radical do MST ou apenas de oportunistas interessados em chantagear o Planalto para ocupar cargos na máquina pública. Nenhuma das possibilidades é boa para o governo ou para o país.

Lira, Lula e Juscelino

Folha de S. Paulo

Realismo do chefe da Câmara se confirma com permanência de ministro desgastado

Pode-se criticar por muitos motivos o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mas não por irrealismo político.

Foram precisas suas observações a respeito da sustentação partidária do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante uma palestra na Associação Comercial de São Paulo nesta segunda-feira (6). O petista, disse, não dispõe de votos garantidos nem para projetos que exigem maioria simples, que dirá para reformas constitucionais.

Trata-se de um governo de centro-esquerda que terá de lidar com um Legislativo que se tornou mais liberal neste ano, conforme sua descrição —um tanto benevolente, diga-se, com a expansão do reacionarismo bolsonarista e do fisiologismo do centrão, do qual Lira é um dos expoentes.

Ele tratou de moderar expectativas quanto ao redesenho do sistema tributário, uma das prioridades da agenda econômica: "Ninguém vai chegar na reforma ideal".

Lula foi eleito com margem mínima de votos, recordou, e "precisa entender que temos Banco Central independente, agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com atribuições mais amplas".

Em outras palavras, o petista não conseguirá —não sem negociar com um Parlamento de preferências distintas, ao menos— dar concretude a bandeiras que tem empunhado desde a campanha.

Uma demonstração de que o diagnóstico de Lira é acertado se deu no mesmo dia, quando o presidente da República decidiu manter na Esplanada o titular da pasta das Comunicações, Juscelino Filho, a despeito de suspeitas variadas levantadas quanto à conduta do auxiliar nas últimas semanas.

O ministro é um dos três nomes do União Brasil no governo, mas nem assim o partido —uma fusão do ex-bolsonarista PSL com o DEM de pretensões liberais, que tem 59 dos 513 deputados e 10 dos 81 senadores— se assume como parte da base de sustentação ao Planalto.

Ruim com Juscelino, pior sem ele, raciocinou Lula, cujos aliados mais fiéis fizeram saber que agora o presidente espera um apoio mais decidido da legenda. Esta, aliás, anda em tratativas para formar uma federação com o PP de Lira, que se situa no grupo dos independentes.

Sem o União Brasil, a coalizão governista teria apenas 223 deputados, ou 43,5% da Câmara. É verdade que se podem conseguir votos avulsos em outras siglas, mas não há garantia do suficiente para projetos mais difíceis. Se contadas só as forças mais à esquerda, são, quando muito, 139 cadeiras.

Arthur Lira, convém lembrar, chegou ao comando da Casa com um recorde de 464 votos, de partidos tão diferentes quanto o PL de Bolsonaro e o PT. Lula, pois, não apenas precisa rumar ao centro se quiser levar adiante uma agenda mas ambiciosa, mas também não pode se dar ao luxo de brigar com o centrão e seus satélites.

Pró-vida das mulheres

Folha de S. Paulo

América Latina avança na legalização do aborto, mas cultura dificulta acesso

O debate sobre o aborto envolve questões filosóficas —se a vida humana começa na concepção ou se um embrião é uma pessoa, por exemplo. Entretanto o aspecto pragmático é inescapável, dado que a criminalização causa a morte de mulheres em todo o mundo e afeta principalmente as mais pobres.

Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 4,7% e 13,2% das mortes de mulheres grávidas no mundo sejam provocadas por abortos inseguros, o que corresponde a até cerca de 38 mil casos por ano.

Regiões em desenvolvimento ou de baixa renda concentram 97% dessas práticas —na América Latina, 3 de cada 4 interrupções de gravidez são inseguras.

Tais riscos estão ligados à legislação. Nos locais em que a prática não é criminalizada, a taxa de procedimentos inseguros é de 10%, ante 25% naqueles que a proíbem. Mais de três quartos dos países impõem penas ao aborto, entre eles o Brasil e outros latino-americanos.

A situação, porém, vem mudando nos últimos anos. Em 2017, só 3% dos habitantes da região viviam em países nos quais o aborto era legalizado ou descriminalizado. Já em 2022, esse número saltou para 37%, o que abrange Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Porto Rico, Uruguai, Argentina, Colômbia, e alguns estados do México.

Em 2020, a Argentina regulamentou o acesso seguro em hospitais públicos. Segundo o Ministério da Saúde de lá, o número de mortes por aborto caiu 40% desde 2021. Mas leis mudam mais rápido do que a cultura, e as mulheres do país ainda enfrentam dificuldades.

Há relatos de comentários preconceituosos de médicos; excesso de profissionais que se recusam a realizar o procedimento —há hospitais em que a recusa chega a 90%; longas esperas que empurram mulheres para o aborto clandestino; médicos que são perseguidos por organizações ditas pró-vida.

De qualquer forma, é notável o avanço na legislação argentina e de outros países da região. Para isso, a sociedade civil organizada estimulou intenso debate e conscientização sobre o tema.

No Brasil, infelizmente, o aborto permanece um tabu, e nem mesmo as forças políticas não conservadoras se dispõem a tratar a pauta sob a ótica da saúde pública, com medo de perder eleições.

A fragilidade do governo no Congresso

O Estado de S. Paulo.

Manutenção de ministro enrolado em escândalos se explica pela necessidade de não perder votos, já que o governo, como bem definiu Lira, não tem base nem para aprovar projeto de lei

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse nesta semana que o presidente Lula da Silva não tem uma base consistente para aprovar projetos de sua agenda econômica no Congresso. Ele se referia à reforma tributária, cujo texto virá por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e requer maioria qualificada – os votos de três quintos dos deputados e senadores. Mas o governo teria um problema ainda maior em suas mãos, segundo o deputado, e não contaria com apoio suficiente para aprovar nem mesmo projetos de lei, que demandam maioria simples, ou seja, mais que a metade dos presentes no colegiado.

É bem verdade que a base de apoio do governo ainda não foi devidamente testada. Com a posse da nova legislatura no início de fevereiro, deputados e senadores estiveram envolvidos com questões internas e a eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Nesta semana, é esperado que o comando das comissões temáticas seja definido nas duas Casas. Enquanto isso, até agora, as sessões deliberativas privilegiaram a apreciação de requerimentos e projetos de menor relevância.

Lira não exagerou ao expor a ausência de uma maioria governista na Câmara e no Senado. Não é por acaso que o ritmo das atividades legislativas esteja tão modorrento: sem base, a agenda legislativa de projetos prioritários do governo inexiste ou se torna uma lista protocolar a ser ignorada – como foi nos anos de Jair Bolsonaro, quando não só a definição da pauta, mas a própria construção da maioria se tornaram atribuições da presidência da Câmara.

Nesse contexto, a declaração de Lira deve ser encarada com muito realismo por parte do governo. Ela explicita uma dinâmica das relações entre Executivo e Legislativo que Lula não havia enfrentado em seus mandatos anteriores e que talvez tenha subestimado. Com pouco mais de 130 deputados vinculados a partidos de esquerda, o presidente não poderá prescindir do Centrão para aprovar seus projetos no Congresso. Isso exigirá do Executivo ceder mais para um Legislativo eminentemente conservador, tanto no conteúdo das propostas legislativas quanto na entrega de cargos a aliados na estrutura do Executivo.

A permanência de Juscelino Filho (União Brasil–MA) como ministro das Comunicações, a despeito dos escândalos que protagoniza, é um bom exemplo dessa dinâmica. De um lado, Lula não pode se arriscar a perder os votos dos 59 deputados e 10 senadores do União Brasil; de outro, tampouco tem a garantia do apoio dos parlamentares do partido a seus projetos. Prova disso é que, contrariando a orientação do governo, quase metade dos integrantes da sigla assinou o requerimento pela abertura de uma CPI para investigar os atos golpistas do 8 de Janeiro.

Dono da terceira maior bancada da Câmara e da quarta maior no Senado, o União Brasil detém três Ministérios, mas ainda assim se diz independente. Não se trata de uma crise de identidade partidária. O que tem guiado a atuação das lideranças do Centrão é a consciência da importância de seu apoio para a construção de uma maioria estável no Congresso, sem a qual qualquer governo fracassa. É nesse contexto que as declarações de Lira devem ser interpretadas. Foi Lira, não o PT, o maior articulador da aprovação da PEC da Transição; suas recentes declarações somente evidenciam uma atuação conjunta entre o União Brasil e o PP.

Se quiser vencer esses obstáculos, o governo precisará ser bem mais pragmático e cumprir a promessa de campanha que garantiu sua eleição. Será preciso unir o País e atuar como uma verdadeira frente ampla, o que inclui ceder espaços de poder que o PT historicamente resiste a ceder – o que não significa compactuar com a corrupção.

Em paralelo, será necessário priorizar a aprovação de uma pauta econômica que mobilize uma maioria no Congresso e abandonar propostas anacrônicas como a revisão da reforma trabalhista. É disso que depende a aprovação da reforma tributária e da nova âncora fiscal, premissas para a redução dos juros e para a retomada do crescimento que o governo diz almejar.

Nepotismo à luz do dia

O Estado de S. Paulo.

Nomeação de parentes para cargos públicos viola Constituição, mas há quem não dê a mínima para isso, como mostra o escandaloso caso na Bahia envolvendo um ministro de Lula

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Súmula Vinculante n.º 13, reconhecendo que o nepotismo, isto é, “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, (...) para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta”, viola a Constituição. Foi uma decisão importante, que estabeleceu um patamar mínimo de moralidade para o funcionamento da máquina pública.

Em 2009, julgando um processo do Estado do Paraná, em que o governador havia nomeado seu irmão para o Tribunal de Contas do Estado, o STF disse que os conselheiros de Tribunais de Contas não se enquadram na categoria de agentes políticos, estando, portanto, sujeitos às proibições referentes ao nepotismo. Na ocasião, o relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que a nomeação de irmão para o cargo de “fiscalizar as contas do nomeante está a sugerir, ao menos neste exame preliminar da matéria, afronta direta aos mais elementares princípios republicanos”.

Nos anos seguintes, apesar da orientação do STF sobre a inconstitucionalidade do nepotismo, continuou havendo nomeações de parentes para cargos públicos, sob o argumento de que este ou aquele caso específico não se enquadraria nas hipóteses da Súmula Vinculante n.º 13. Diante dessa manobra, em 2014, o Supremo lembrou que o enunciado da súmula “não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo da administração pública”. E o motivo é incontestável: a “irregularidade (do nepotismo) decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema”. Era mais uma tentativa de o STF fazer valer o óbvio. Cargo público não é para dar emprego a parente.

No entanto, continuam sendo frequentes nomeações de parentes de políticos para os Tribunais de Contas. Em concreto, três ministros do governo Lula estão nessa situação.

Em 2022, o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), quando ainda era governador de Amapá, nomeou sua mulher, Marília Góes, para o Tribunal de Contas do Estado. Num primeiro momento, a indicação foi suspensa pela Justiça em razão do nepotismo, mas depois a suspensão foi revertida.

Em dezembro do ano passado, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), após ter se licenciado do cargo de governador de Alagoas, conseguiu que sua mulher, Renata Calheiros, fosse nomeada conselheira do Tribunal de Contas do Estado.

Agora, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), ex-governador da Bahia, tenta emplacar o nome de sua mulher para um alto cargo na máquina pública estadual. No dia 6 de março, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa da Bahia aprovou a candidatura de Aline Peixoto para o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA). Enfermeira, ela não tem experiência em trabalhos legislativos nem no controle de contas públicas. O posto é vitalício, com salário de R$ 41 mil. A indicação precisa ainda ser aprovada no plenário do Legislativo estadual.

É lamentável que, no ano do 35.º aniversário da Constituição de 1988, ainda persista uma compreensão tão equivocada, abusiva e patrimonialista do aparato estatal. Usa-se o poder político em benefício da família, sem nenhuma cerimônia. E nessa apropriação do público para fins privados, parece não haver limites. Avança-se até mesmo sobre os Tribunais de Contas, órgãos de controle, que, entre suas atribuições, está a de identificar e barrar as ocorrências de nepotismo na administração pública.

No caso envolvendo Rui Costa, há um aspecto especialmente desolador. O nepotismo não está sendo feito às escondidas, longe dos holofotes, em uma recôndita repartição pública. Ao contrário. É realizado à luz do dia. Um dos principais ministros de Lula está colocando sua mulher no TCMBA e ninguém no governo vê nenhum problema. Ninguém se sente constrangido. Qual será o patamar ético dessa gente?

Geração arruinada na Venezuela

O Estado de S. Paulo.

Só o desastre chavista explica o absurdo da fome infantil num país tão rico em petróleo

É chocante, para dizer o mínimo, constatar que a Venezuela condena suas crianças à indigência alimentar e educacional. O país, como se sabe, é dono de uma das maiores reservas de petróleo do planeta − uma riqueza incalculável que contrasta brutalmente com a rotina de miséria, fome e escolas depauperadas após dez anos da posse do ditador Nicolás Maduro. Eis o revoltante cenário que acaba de ser retratado em recente reportagem publicada no Estadão. Sob o jugo do sr. Nicolás Maduro, cresce uma nova geração de meninos e meninas que desconhecem o que é viver em um país sem crise humanitária. Uma tragédia que deveria envergonhar todos os latino-americanos.

A reportagem traz um dado impressionante: cerca de três quartos da população sobrevivem com renda abaixo da linha internacional de pobreza extrema, o equivalente a menos de US$ 1,90 por dia. De novo, impossível não fazer referência à riqueza natural depositada sob o solo venezuelano. Basta lembrar o alvoroço provocado no início da década passada quando o governo da Venezuela, ainda sob o comando do caudilho Hugo Chávez, anunciou ter a maior reserva de petróleo do mundo − mais até que a abastada Arábia Saudita.

Depois disso, à medida que nasciam as crianças que hoje têm 10 anos ou menos de idade, o país mergulhou em profunda crise econômica, agravada pelo tradicional repertório de que se valem os liberticidas mundo afora: a supressão da democracia, o atropelo dos direitos humanos e a violência política. Assim o tirano Nicolás Maduro completa sua primeira década no poder; assim uma geração de crianças venezuelanas é submetida a uma infância de privações.

A reportagem publicada no Estadão descreve os efeitos devastadores da inflação, um mal que penaliza sempre os mais pobres. Por mais que controlem parlamentos, os tribunais superiores e a imprensa, as ditaduras são incapazes de subverter as leis econômicas. E é assim que a economia venezuelana tem sido carcomida, com a sua moeda nacional, o bolívar, em franca desvalorização em relação ao dólar. O salário mínimo em bolívares vale atualmente US$ 5 por mês, ante US$ 30 há cerca de um ano. A mesma reportagem informou que uma cesta básica para quatro pessoas custava US$ 372 em dezembro, o que ajuda a explicar a fome na terra do petróleo.

Como de praxe, a população, em geral, e as crianças, em particular, pagam o preço da irresponsabilidade e da tirania de seus governantes. Enquanto milhões de venezuelanos já deixaram o país, muitos vindo para o Brasil, quem ficou não teve opção a não ser encarar um cotidiano de miséria. Para muita gente, isso significou ingerir alimentos com menos nutrientes do que o recomendado ou até mesmo pular refeições − um desastre em qualquer fase da vida, mais ainda na infância.

A Venezuela vive uma realidade dramática, e o governo brasileiro não pode fazer de conta que vai tudo bem no país vizinho. Menos ainda fechar os olhos para os desmandos e o arbítrio que levaram a Venezuela à ruína. A triste realidade das crianças venezuelanas, infelizmente, é o resultado de escolhas inaceitáveis de um regime ditatorial que deve ser tratado pelo nome.

Fed indica que pode acelerar de novo aumento dos juros

Valor Econômico

Persistência da inflação bem acima da meta continua pregando peças no Federal Reserve

A persistência da inflação bem acima da meta continua pregando peças no Federal Reserve americano e pondo à prova, mais uma vez, seus diagnósticos. Ontem, em depoimento no Senado, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse o que já se sabia, que a taxa de juros no final do ciclo deve ser mais alta que a prevista - 5,1% no mercado futuro de juros na segunda-feira - e, mais importante, que o banco pode voltar a acelerar o ritmo de alta na próxima reunião. Com isso, as chances apontadas pelos investidores de uma alta de 0,5 ponto percentual para a próxima reunião subiram para 50%, mesma porcentagem dos que acreditam na repetição de aumento de 0,25 ponto percentual.

Powell fez velados reconhecimentos de erros de perspectiva do Fomc, que decide a taxa de juros. As estatísticas de emprego, consumo, produção e inflação “reverteram” as tendências de moderação observadas. Mas “a amplitude da reversão, assim como as revisões do trimestre anterior sugerem que as pressões inflacionárias estavam acima das esperadas quando o Fomc se reuniu pela última vez”.

Powell repisou que o núcleo da inflação de serviços, que compõe mais de 50% do núcleo de índice de gastos do consumidor apresenta apenas “pequeno sinal de desinflação”. Sua conclusão é de que, para que a inflação volte ao curso normal em direção à meta, a evolução dos preços desse setor terá de ser menor e isso só será possível com algum esfriamento no mercado de trabalho.

Isso está longe de acontecer. Em janeiro, havia 1,9 vagas disponíveis para cada desempregado. O índice de desemprego, com mais de 500 mil admissões em janeiro, encolheu para 3,4%, o menor desde 1969. Não há espiral de salários-inflação até agora. O total de horas pagas no segundo semestre evoluiu 4,1%, depois de atingir 6% no primeiro semestre, ambos abaixo da inflação corrente. Mas os salários, para serem compatíveis com a meta de 2%, teriam de moderar reajustes para 3% ou um pouco menos. Ainda que percam para a inflação, o reajuste no nível corrente impede uma queda mais acentuada dos preços.

A inflação de bens declinou. Os gastos pessoais de consumo de energia, nos doze meses findos em janeiro, caíram 10 pontos percentuais, e os com comida, 11 pontos percentuais. Por outro lado, os serviços relacionados a imóveis subiram 8 pontos percentuais no mesmo período e o de outros serviços (turismo, viagem, alimentação fora do domicílio etc), 4,7%. No resultado final, o índice de gastos pessoais de consumo foi de 5,4% em janeiro (ante 7% no pico de junho) e seu núcleo, medida preferida pelo Fed, de 4,7%, ainda distante da meta.

Por isso, o presidente do Fed disse que, apesar da moderação dos índices, “o processo de trazer a inflação de volta para 2% tem um longo caminho a percorrer e ele será provavelmente acidentado”. Isso significa que não só o nível da taxa de juros ao final do ciclo de aperto monetário será maior do que o previsto, como também que “se os números como um todo indicarem que um aperto mais rápido é justificável, nós estaremos preparados para acelerar o ritmo das altas”.

Reacelerar o ritmo de alta tem um custo de credibilidade para o Fed, embora ele não seja muito alto pelo fato de que a inflação de longo prazo em nenhum momento deixou de estar ancorada. Neste custo entra também o diagnóstico de que a alta da inflação era “temporária”, que o levou a postergar o início do ciclo de aperto,. no qual o BC americano ficou por algum tempo “atrás da curva”. Curiosamente, o Relatório de política monetária, encaminhado ao Senado poucos dias antes do depoimento de Powell, indica que, usando cinco métodos convencionais simples para aferir o nível dos juros necessário - entre eles curva de Taylor, a mesma curva ajustada e outros - todos eles sugeriam que os fed funds precisariam ter subido já no início de 2021. E, em 2022, a taxa precisaria ter sido elevada entre 4% e 8%.

Os mercados futuros ajustaram a taxa final do ciclo ontem para 5,57% em setembro, isto é, algo entre 5,5% e 5,75%. O dólar manteve tendência de alta e o título do Tesouro americano de 10 anos encostou em 4%. As cotações do petróleo cederam, assim como as das ações americanas. O cenário que previa um pouso suave na economia americana, com a inflação caindo pela força da carga de juros já aplicada, perdeu força. Tanto o Fed como o Banco Central Europeu pretendem ir mais longe no aperto, a não ser que surpresas muito positivas do comportamento da inflação surjam no caminho.

 

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