Valor Econômico
Governo deve buscar estabelecer metas
claras e confiáveis de controle da inflação e da dívida pública
Quando Lula assumiu a Presidência do Brasil
em janeiro de 2003, a inflação acumulada de 12,5% nos últimos 12 meses
ultrapassava a meta estabelecida. A taxa básica de juros Selic estava com
níveis elevados, em 25% ao ano. Como parte dos esforços para controlar a
inflação, o Banco Central, liderado por Henrique Meirelles na época, aumentou a
taxa de juros para 26,5% já em fevereiro de 2003. Além disso, o ministro da
Fazenda, Antonio Palocci, elevou a meta do superávit primário de 3,75% para
4,25% do PIB, também reduzindo os gastos públicos.
Assim, o governo Lula deixou claro em 2003 que iria combater a inflação elevada por meio de métodos conservadores de políticas monetária e fiscal contracionistas. Para amenizar com a sua forte base política, o presidente afirmava que o governo atenderia às demandas sociais justas, quando fosse prudente fazê-lo. Usando o diálogo com diversos segmentos da sociedade brasileira, Lula procurava convencer que esse seria o melhor caminho para o progresso econômico e social.
Ao final de seus oito anos no poder, o
governo Lula conseguiu convergir a inflação para a meta estabelecida de 4,5% ao
ano e reduzir a taxa de juros Selic para 9,5% ao ano. O Brasil obteve o grau de
investimento por diversas agências de ratings internacionais, facilitando a
entrada de capital estrangeiro, valorizando o real e pressionando para baixo a
inflação no país. Possibilitando ainda mais a queda na taxa de juros Selic.
Apesar de manter um superávit primário
sempre acima de 2% ao ano, o Brasil entre 2003 e 2010 reduziu
significativamente a pobreza e a desigualdade, testemunhando o surgimento de
uma nova classe média, mudando também a estrutura social e de poder do país.
Aumentos reais do salário mínimo foram realizados e um forte programa de
assistência social foi expandido.
Claro que o mundo e o Brasil eram bem
diferentes do que observamos atualmente. Não havia a pressão inflacionária que
existe na maioria dos países hoje em dia e o mundo crescia fortemente com o
avanço da China e outros países emergentes. Entretanto, é um fato que o Brasil
progrediu nesse período e que as expectativas do mercado de um desastre
econômico não se concretizaram.
Em contraste, ao contrário de 2003,
atualmente o presidente Lula vem fazendo reiteradas e duras críticas à atuação
do Banco Central.
De fato, a Selic em 13,75% ao ano faz o
Brasil ser um dos países com maior taxa de juros real do mundo. A taxa Selic
menos a inflação esperada para os próximos 12 meses é de aproximadamente 7% ao
ano. Não só a taxa de juros nominal é elevada no país, mas também a inflação é
menor do que em economias consideradas desenvolvidas, como os Estados Unidos, o
Reino Unido, a França, entre outros. Em tais países, a taxa de juros real é
praticamente nula ou negativa.
O que faz a taxa de juros, que remunera os
títulos públicos no Brasil, ser bastante elevada em relação a vários outros
países?
Primeiramente, é importante destacar que
uma mudança na taxa de juros no Brasil pode ter impactos distintos em
comparação com uma alteração na taxa de juros, por exemplo, do Reino Unido.
Isso ocorre porque o nível de endividamento é consideravelmente maior no Reino
Unido do que no Brasil. A maioria das famílias britânicas compra uma
propriedade por meio de um empréstimo com prazo de 20 a 30 anos, e o mercado
hipotecário no Reino Unido representa cerca de 60% do PIB, enquanto no Brasil
esse mercado representa apenas 10% do PIB. Além disso, as taxas de juros para
hipotecas no Brasil são geralmente reguladas, enquanto no Reino Unido são
determinadas pelo mercado de crédito.
Cabe também notar que os juros cobrados
pelos bancos no Brasil são deformadamente elevados para padrões internacionais
e mudanças na Selic afetam uma fração sobremaneira pequena dos juros cobrados
na ponta pelos bancos comerciais. Com efeito, a elevação da taxa de juros tem
impacto imediato forte na renda disponível das famílias e no custo do capital
das empresas no Reino Unido, afetando assim fortemente a demanda agregada,
enquanto que no Brasil esse efeito é sobremodo menor.
Um outro fator que contribui para o nível
elevado da taxa de juros Selic no Brasil é o risco cambial. Em um mercado
financeiro globalizado e integrado, a taxa de câmbio entre duas moedas é
determinada pelos fluxos de capital entre os países. Dessa forma, o diferencial
de juros entre ativos de dois países reflete, em parte, as expectativas de
valorização ou desvalorização das suas respectivas moedas.
De forma justa ou não, existe a percepção
de risco de mudança da nossa política macroeconômica, o que se reflete no risco
cambial do país e aumenta o prêmio exigido pelos investidores para investir nos
ativos financeiros do Brasil. Na verdade, com o diferencial de taxa de juros
elevado, deveríamos estar observando uma forte entrada de capitais e uma
valorização do real.
Os investidores não discriminam os países
atrás de apenas retornos financeiros. Pelo contrário. Um exemplo emblemático
disso é o ocorrido no Reino Unido, onde a ex-primeira ministra, Liz Truss,
renunciou ao cargo em outubro passado, após apenas 45 dias no poder, devido as
propostas econômicas de corte de impostos sem contrapartida na queda dos gastos
públicos. Tais propostas geraram desconfianças no mercado financeiro, projeções
insustentáveis da dívida pública, resultando na saída de capitais e em uma
forte desvalorização da libra esterlina.
Portanto, o governo Lula deve buscar
estabelecer metas claras e confiáveis de controle da inflação e da dívida
pública, seguindo a responsabilidade fiscal que demonstrou na prática durante
os oito anos dos seus dois mandatos anteriores. É importante harmonizar as
políticas monetárias e fiscais, como vem tentando o ministro Fernando Haddad, a
fim de promover um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico.
O Brasil possui um patrimônio natural com
potencial para atrair investidores interessados em empresas e ativos voltados
para a preservação ambiental e combate ao desmatamento, bem como grandes
projetos de energia renovável. A percepção internacional de que Lula irá
proteger melhor nosso capital natural contribuiu para o seu apoio internacional
nas últimas eleições. Para a materialização desses investimentos, é importante
construir um ambiente de negócios favorável, com a necessária previsibilidade
das políticas macroeconômicas.
*Tiago Cavalcanti é professor titular de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
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