segunda-feira, 26 de junho de 2023

Carlos Pereira* - A ‘Belle Époque’ da política brasileira

O Estado de S. Paulo

Reformas não alteraram o âmago do presidencialismo multipartidário, mas o tornaram resiliente

Belle époque foi um dos períodos de maior efervescência cultural e intelectual da Europa, entre o final do século 19 e começo do 20. Foi marcado por profundas transformações e inovações. É considerada “idade de ouro”, caracterizada pelo otimismo, paz e prosperidade econômica, além de inovações culturais, científicas, tecnológicas e novas formas de arte, como Impressionismo e a Art Nouveau.

No filme Meia Noite em Paris, dirigido por Woody Allen, o personagem principal, um roteirista bem-sucedido de Hollywood, vai para Paris em busca de inspiração para destravar seu livro sobre a Belle Époque e se vê magicamente transportado no tempo, tendo a oportunidade de conhecer e interagir com seus ídolos artísticos e literários, como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, T.S. Eliot, Picasso, Dali, Matisse, entre outros.

Allen usa dessa fantasia para questionar fortemente a idealização saudosa que certas pessoas fazem de determinados “tempos áureos” diante de suas insatisfações com o tempo presente. Como se o que se viveu antes fosse sempre superior aos desafios e dilemas do que se vive hoje.

Assim como o personagem de Allen, que idealiza o passado em um exercício tolo de frustração com o presente, tem sido comum encontrar pessoas que idealizam o presidencialismo de coalizão da época de FHC, como se tivesse sido a “belle époque” do sistema político brasileiro. Sem dúvida, FHC soube montar e gerenciar coalizões multipartidárias alcançando maior sucesso legislativo a custo relativamente mais baixo do que alguns de seus sucessores.

Fazem uma crítica nostálgica do presidencialismo multipartidário atual como se o sistema estivesse se deteriorando ou se tornado disfuncional. Alegam que a qualidade dos líderes políticos piorou. Dizem que o Executivo se enfraqueceu e que o Legislativo, agora com o Centrão, se fortaleceu transformando o presidente em seu refém.

Com essa miopia saudosista, só conseguem enxergar legados de políticas públicas de baixa qualidade e/ou predatórias. Responsabilizam o presidencialismo multipartidário pelo baixo resultado econômico como se o sistema atual fosse diferente daquele que no passado foi capaz de entregar estabilidade democrática, algum crescimento econômico, diminuição de desigualdade e de pobreza.

O presidencialismo multipartidário, promessa dos revolucionários de 1930, não foi desenhado para gerar eficiência, mas para incluir, mesmo que de forma dissipativa, os mais variados interesses da sociedade no jogo político. Essa promessa tem sido entregue e gerado “equilíbrio” em uma sociedade extremamente diversa e heterogênea. •CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS (FGV EBAPE)