segunda-feira, 26 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Fundos da reforma tributária têm de ter prazo determinado

Valor Econômico

Fundos precisam de prazos determinados, blindados juridicamente da melhor forma possível

O relatório da reforma tributária que vai à apreciação da Câmara dos Deputados é a segunda melhor opção, depois do projeto original, a PEC 45. Ele já é fruto de barganha política incontornável e a missão do governo e de sua base é evitar que seus contornos sejam diluídos nas negociações subsequentes em plenário. O relator Aguinaldo Ribeiro arbitrou uma alíquota intermediária de 50% para alguns serviços, como educação, saúde, transporte público urbano e interurbano, insumos e produtos agropecuários e a cesta básica, para a qual foi deixada em aberto, em projeto de lei complementar, a possibilidade de cashback, a devolução dos impostos pagos às famílias de baixa renda incluídas no Cadastro Único. As razões pelas quais uma reforma tributária abrangente não foi feita até hoje aparecem agora, com a disputa sobre a carga de impostos entre setores produtivos e, a mais acirrada, entre a União e os Estados da federação.

Os melhores estudos sobre a reforma indicam que a solução ótima seria um imposto abrangente sobre o consumo, o IVA, com alíquota única. Ela não conta com apoio político, e está praticamente decidido que, se houver mudanças, elas passarão pelo IVA dual - um da União, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e outro, de Estados e municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Há uma terceira categoria, o imposto seletivo, que englobaria produtos dos quais se quer desestimular o consumo, por motivos sanitários ou ambientais. No Brasil, dada a existência da imexível Zona Franca de Manaus, para equalizar a isenção de impostos da ZDFM, as indústrias de setores concorrentes no resto do país terão de pagar esse imposto.

A primeira grande disputa da reforma é a da distribuição da carga entre indústria e serviços. Segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o aumento da carga tributária pode ser de mais de 170% em atividades do setor de serviços e chegar a 40% no caso do comércio. O relator tem defendido que a reforma não prejudicará o setor de serviços. A divulgação do relatório de Ribeiro jogou o setor varejista de alimentos contra qualquer imposto sobre a cesta básica, sob o argumento de que os preços subirão.

As divergências entre os setores produtivos sobre a distribuição da carga de tributos, no entanto, podem não ser o maior empecilho a uma reforma modernizadora. O obstáculo maior são, e sempre foram, os Estados, que reclamam perdas, mesmo depois de isentarem de impostos centenas de grandes empresas, e que levantam, no limite, o princípio da autonomia federativa, que supostamente lhes daria poder ilimitado de definir impostos como bem entenderem - como se fossem países, ou ilhas, e não membros da federação.

Estruturas onde o federalismo é levado a sério, como os EUA, têm IVA consolidado. A resistência de Estados e municípios decorre em parte da desigualdade regional, para a qual é preciso encontrar uma solução sábia, e em parte de voluntárias exceções tributárias que permitiram a guerra fiscal. Para que a reforma se torne viável, os Estados receberão compensação por incentivos ilegais, concedidos sem a unanimidade exigida dos demais entes federativos, que foram convalidados pelo Congresso até 2032. Como as empresas beneficiárias têm direito a essas isenções, sua extinção pura e simples levaria a custosas e longas batalhas judiciais. Aparentemente, há consenso de que essa conta irá para a União como preço a pagar para que o sistema tributário seja modernizado.

O valor total da conta entra como mais um empecilho à reforma. O fundo de compensação contaria em princípio com R$ 160 bilhões, embora os Estados mencionem isenções da ordem de R$ 220 bilhões e não exista um montante inequívoco e auditado - alguns Estados criaram um mistério contábil sobre o destino desses recursos. Mas haverá ainda outro fundo, para reduzir as disparidades regionais e compensar perdas com a mudança da tributação para o destino, onde o bem é consumido. Esse fundo será constituído pela União, que sugere dotação de R$ 40 bilhões, enquanto os Estados querem o dobro.

A discussão pode ser infinita, como mostra a lei Kandir, de 1996. Ao isentar de ICMS as exportações, a compensação para os Estados, que deveria ser temporária, acabou sendo perenizada. O STF, em 2020, decidiu que a União tem de ressarcir os Estados em mais R$ 65,6 bilhões até 2037, mais de 40 anos depois.

Os dois novos fundos têm de ter prazo determinado, e serem blindados juridicamente da melhor forma possível. O período de transição para a implantação dos novos impostos, de 8 anos, com 2 de carência, parece inevitável. Mas a transição de 50 anos para a migração da tributação da origem para o destino é algo exótico em um país em que até a Constituição é emendada várias vezes ao ano. Esse prazo é séria ameaça à reforma por torná-la alvo de manobras jurídicas por meio século.

Brasil necessita de política nacional para explorar lítio

O Globo

Mineral estratégico para fabricação de baterias está na origem de disputa pela energia do futuro

A demanda por veículos elétricos, essenciais para reduzir as emissões de carbono, tem feito explodir a procura pelo lítio, componente básico para todo tipo de bateria. A América Latina detém mais da metade do lítio já identificado, concentrado num triângulo formado por salinas na Argentina, na Bolívia e no Chile. Os três países controlam pouco mais de 60% dos 98 milhões de toneladas encontradas até agora no planeta.

Na produção de carbonato de lítio, o mineral processado, o domínio é outro: a China responde por 61%, seguida de Chile (30%) e Argentina (9%), segundo o Center for Strategic and International Studies (CSIS). Com o controle que mantêm sobre os demais minerais necessários para fabricar as baterias, os chineses produzirão em 2030 o dobro dos outros países somados, segundo previsão publicada no jornal The New York Times.

Os Estados Unidos têm manifestado preocupação a cada dia maior com as cadeias de suprimento de lítio e minerais especiais, conhecidos como “terras raras”, também usados na indústria de defesa. Não passou despercebida, no auge da guerra comercial com a China, uma visita oficial do líder chinês, Xi Jinping, à província de Jiangxi, conhecida pelas reservas desses minerais.

O que não encontra em seu território, a China busca no exterior. Cerca de 60% do cobalto, outro mineral estratégico para fabricar baterias, tem origem em fundições sob influência de chineses na República Democrática do Congo, onde anos atrás capturaram dos americanos o controle da maior mina de cobalto do mundo. Tudo somado, a China domina 72% da capacidade mundial de refino de cobalto. E cerca de 75% desse cobalto é destinado à fabricação de baterias de lítio.

É clara a estratégia chinesa de controlar mercados de minérios e materiais especiais que tendem a ser cada vez mais usados na transição do mundo para fontes limpas de energia. Os Estados Unidos se movimentam para reduzir o domínio chinês pelo menos desde 2010, quando o presidente Barack Obama criou um grupo de trabalho para mitigar os riscos da dependência do fornecimento de “minerais críticos”. Em dezembro daquele ano, a China embargou as exportações de terras raras ao Japão em razão de disputas territoriais entre os dois países. Donald Trump chegou a declará formalmente essa dependência um assunto de “emergência nacional”.

No mês passado, o governo de Minas Gerais fez uma ação de marketing ao lançar na Nasdaq, Bolsa americana de empresas de tecnologia, o “Vale do Lítio”, uma região de 14 municípios onde há reservas do mineral. Na realidade, o Brasil mal sabe a extensão ou a localização de suas reservas, mas, dado o exemplo dos vizinhos, é provável que sejam mais abundantes que o conhecido. É necessário formular com urgência uma política de exploração do lítio, com apoio de empresas privadas nacionais e internacionais. O país não pode perder o salto tecnológico.

Combater atentados em escolas exige serenidade e consistência

O Globo

Não adianta apenas demonstrar indignação ou encarar tragédias como questão de segurança pública

Na última segunda-feira, no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, norte do Paraná, repetiu-se um roteiro macabro: um ex-aluno entrou armado e atirou no casal de namorados Karoline Verri Alves, 17, morta na hora, e Luan Augusto da Silva, 16, que resistiu até a terça-feira. É o vigésimo quarto caso de massacre escolar nos últimos 21 anos registrado nos levantamentos oficiais. De 2002 a 2019 houve sete atentados do tipo. De lá para cá foram 17. Mais da metade ocorreu desde fevereiro do ano passado. Ao todo, 47 das quase 140 vítimas perderam a vida de repente, de modo absolutamente estúpido e sem sentido.

É assustador que, desde abril, quando quatro crianças foram mortas numa creche em Santa Catarina, a Operação Escola Segura — parceria do Ministério da Justiça com a Polícia Federal e 27 delegacias especializadas em crimes cibernéticos — tenha detido 368 jovens que ameaçavam ou planejavam atacar escolas. Quase 1.600 suspeitos de integrar grupos extremistas com ação no meio estudantil via redes sociais foram levados a depor na delegacia. Há pontos em comum nas tragédias: as armas costumam ser de parentes, geralmente o pai, e os autores dos crimes, em 88% dos ataques, agem sozinhos. A idade média é 16 anos, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz.

Os números mostram que passa da hora de haver articulação entre estados, municípios e governo federal para definir uma política pública ampla capaz de coibir esses atos de selvageria. A escola precisa ganhar mais espaço nas políticas de precaução contra a violência. “A escola pode ser o espaço privilegiado de prevenção de conflitos”, disse a professora da Faculdade de Educação da Unicamp Telma Vinha ao podcast O Assunto, do portal g1.

Não dá para encarar esse tipo de violência meramente como questão de segurança pública que estaria resolvida se houvesse mais policiais nas escolas, detectores de metal nas entradas e outras medidas de vigilância. De acordo com Vinha, é possível promover assembleias de alunos para conduzi-los a trabalhar pela agregação do grupo. O currículo escolar deve, segundo ela, tratar das redes sociais e mostrar o seu extremismo. Os professores também precisam ser preparados para abordar a questão da violência — tarefa a ser entregue ao MEC, no papel de coordenador dessa reciclagem.

Com quase seis meses de governo, o Palácio do Planalto não pode esmorecer. De nada adianta ministros e demais autoridades aparecerem indignados nas entrevistas coletivas logo depois da tragédia se não houver serenidade e consistência no enfrentamento mais amplo, profundo e articulado da violência em escolas. Ou a barbárie perdurará.

Tamanho família

Folha de S. Paulo

Com verba recorde em transferência de renda, país tem chance de eliminar miséria

Em sua nova versão recém-regulamentada, o Bolsa Família começou a pagar neste junho um benefício médio de R$ 705,40 mensais, o maior da história bem-sucedida, ainda que acidentada, do programa federal de transferência direta de renda —que agora se consolida em um patamar inaudito.

O Bolsa Família foi concebido como uma iniciativa relativamente barata, mas de elevada eficiência no combate à miséria. Os desembolsos médios, há quase duas décadas, rondavam R$ 220, em valores corrigidos, e até 2019 os gastos totais ficavam abaixo de 0,5% do Produto Interno Bruto.

Agora, o programa dispõe de R$ 175 bilhões no Orçamento deste ano, o equivalente a 1,6% do PIB. Mesmo que a verba não venha a ser integralmente utilizada, trata-se de montante que muda de patamar a política social brasileira —e traz novas exigências de gestão para que a oportunidade não seja desperdiçada.

A expansão vertiginosa das transferências de renda, cumpre lembrar, não foi resultado de planejamento. Ela teve origem na pandemia de Covid-19, quando a parada súbita da economia levou o Congresso a aprovar às pressas o auxílio emergencial de R$ 600 mensais, cuja concessão não se limitou aos extremamente pobres.

Também sem maiores estudos, embora tenha havido tempo para tal, Jair Bolsonaro (PL) reeditou em 2022 o benefício, sob o nome de Auxílio Brasil, em manobra tresloucada para alavancar sua campanha à reeleição, por fim frustrada.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz o certo, social e politicamente, em manter o Bolsa Família nas novas dimensões, embora tenha errado ao expandir em demasia despesas em outras áreas. Algumas das distorções herdadas do ano passado, ademais, têm sido corrigidas.

Os valores pagos voltaram a considerar o número de filhos por família —sem isso, havia incentivo para que cada adulto se apresentasse como uma família. A estimativa de dispêndio neste ano caiu de R$ 175 bilhões para R$ 168 bilhões.

É fundamental que seja continuamente aprimorado o cadastro dos beneficiários, de modo a garantir que o programa chegue a quem de fato mais precisa. Os recursos são suficientes para socorrer os extremamente pobres, mas nem sempre é simples encontrá-los; do mesmo modo, é preciso detectar os que não precisam do dinheiro.

A pobreza e a miséria caíram no ano passado, graças à combinação de ampliação da assistência social e queda do desemprego. A continuidade dessa melhora dependerá de avanços no desenho do Bolsa Família, de reformas na tributação e no gasto público e boa política econômica capaz de permitir crescimento duradouro.

Militares x garimpo

Folha de S. Paulo

Decreto que amplia papel do Exército no combate à atividade exige cautela

Após quatro anos de ameaça a povos indígenas sob Jair Bolsonaro (PL), os números mostram que a atividade de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami quase triplicou em 2022 na comparação com 2020, quando começou o monitoramento feito pela Polícia Federal.

Em 2020, a área de garimpo ocupava 14 km²; dois anos depois, chegou a 41,83 km², um salto de 199%.

Reverter a crise humanitária e fundiária que se instaurou nas terras indígenas yanomami não será fácil. Os principais desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são reverter o crescimento da atividade extrativa ilegal e evitar que as tensões na região sejam acirradas.

A primeira tarefa, ao menos até o momento, tem sido levada a cabo. Desde o início deste 2023, o último alerta para novos garimpos das imagens de satélite foi registrado em 6 de maio —revelando um possível resultado da operação contra o garimpo ilegal iniciada em fevereiro deste ano.

Em janeiro, foi declarado estado de emergência em saúde pública no território, com explosão de casos de malária e desnutrição.

Em fevereiro, uma operação interinstitucional foi implementada aliando PF, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação dos Povos Indígenas (Funai), Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e militares.

Na última quinta (22), foi anunciado um decreto federal que prevê alargamento da atuação do Exército, antes focado em ações de inteligência e logística. A norma agora libera militares para o combate direto às ações de garimpeiros.

A medida, contudo, exige cautela. Deve-se evitar o agravamento da situação de insegurança no local. As polícias, em particular as federais, e a Força Nacional possuem melhor treinamento para combater organizações criminosas que comandam o garimpo ilegal.

Envolver diretamente o Exército, para além do necessário apoio logístico, pode ser arriscado.

Para enfrentar a gravidade da situação, é preciso considerar a forma como o garimpo se adaptou para escapar da fiscalização —ao focar no trabalho noturno e montar acampamentos dentro da mata.

Esse novo cenário requer inteligência estratégica e mais equipes das polícias e da Força Nacional atuando de modo contínuo, juntamente aos órgãos especializados. Ao Exército cabe permitir que esse trabalho ocorra, por meio de apoio logístico, não liderá-lo.

Alfabetização de todas as crianças

O Estado de S. Paulo

Analfabetismo infantil é intolerável para um país que se quer civilizado, razão pela qual se espera que o compromisso pela alfabetização anunciado pelo governo seja mesmo para valer

Com a edição do Decreto 11.556/2023, o governo federal assumiu o compromisso pela alfabetização das crianças na idade certa. O chamado Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada tem a finalidade de “garantir o direito à alfabetização das crianças brasileiras”. Por força do princípio federativo, a adesão dos Estados e municípios ao compromisso é voluntária.

O esforço conjunto e articulado dos três níveis da Federação é medida absolutamente necessária. A alfabetização das crianças na idade certa deve ser prioridade de todo país que se pretenda minimamente sério. Como reconhece o Decreto 11.556/2023, trata-se de “elemento estruturante para a construção de trajetórias escolares bem-sucedidas”. Não há como prover educação de qualidade se, no início do ensino fundamental, as crianças se veem privadas da adequada alfabetização.

Ao mesmo tempo, sendo tão necessário, o Decreto 11.556/2023 expõe – não há como ignorar – esse drama nacional que persiste ao longo do tempo. Muitas crianças brasileiras ainda não são adequadamente alfabetizadas. O direito constitucional à educação continua sem ser devidamente respeitado. Tanto é assim que o governo federal vê a necessidade de lançar um compromisso público pela alfabetização. Aquilo que deveria ser habitual, que deveria estar de saída assegurado, exige ainda ações, por assim dizer, excepcionais.

É urgente enfrentar esse déficit educacional e civilizatório. É escandaloso que brasileiros nascidos no século 21 continuem sem acesso à educação, com suas vidas, seu futuro e seus sonhos asfixiados pelo analfabetismo.

Se os desafios são grandes, é de justiça reconhecer que o Decreto 11.556/2023 aponta para o caminho certo. Seus princípios – como a colaboração entre os entes federativos, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito à autonomia pedagógica do professor e das instituições de ensino e a valorização dos profissionais da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental – são corretos e permitem superar muitos dos obstáculos que foram criados nos últimos anos, com divisões e preconceitos ideológicos prevalecendo em muitas das ações do poder público.

Segundo a distribuição das competências de cada ente federativo feita pela Constituição de 1988, cabe aos municípios o protagonismo na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental. A grande colaboração que o governo federal pode dar aos processos de alfabetização é, portanto, respeitando a autonomia dos entes federativos, ser indutor, articulador e coordenador de boas políticas públicas de educação básica. Não é questão de substituir as prefeituras. A União tem o dever constitucional de prestar assistência técnica e financeira aos Estados e municípios na educação.

O Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada baseia-se em políticas públicas que têm funcionado em vários Estados; em especial, no Ceará. Por exemplo, prevê avaliações periódicas de leitura, de língua portuguesa e de matemática, bem como ações de reconhecimento e de compartilhamento de boas práticas. São medidas importantes, muitas vezes combatidas por setores da esquerda. O Decreto 11.556/2023 acerta, também, ao incluir entre seus objetivos “promover medidas para a recomposição das aprendizagens”. É preciso alfabetizar na idade certa, mas também não cabe desistir de quem, por variadas razões – a pandemia entre elas –, foi privado dessa aprendizagem.

Não se educa por decreto nem há passe de mágica. É preciso assegurar agora que o Decreto 11.556/2023 tenha efeitos práticos, chegando de fato até as partes mais importantes do processo de alfabetização – os professores e as crianças. Nesse sentido, é fundamental que a sociedade acompanhe e exija sua implementação, também nas esferas estadual e municipal. O desenvolvimento humano e social não cai do céu. Esse caminho é uma construção de todos e, como faz o decreto do governo federal, passa por um diagnóstico realista do problema e por um desenho, igualmente realista, de ações para enfrentá-lo.

Os rumos do Plano Diretor de SP

O Estado de S. Paulo

Pode-se divergir da revisão em trâmite, mas ela segue o princípio original do Plano: promover adensamento equilibrado concentrando construções próximas aos eixos de transporte

Desde 2020, a revisão do Plano Diretor de São Paulo divide urbanistas. Após a primeira votação na Câmara, há três semanas, a celeuma se espraiou pelo debate público paulistano. Isso é positivo. Cidadãos se responsabilizando por sua cidade são, por definição, a base de uma cidadania construtiva. Mas as emoções extremadas sugerem uma contaminação desastrosa das políticas urbanas pela política partidária.

Planos Diretores são obrigações constitucionais dos municípios reguladas pelo Estatuto da Cidade, que normatizam o uso da propriedade urbana. O Plano vigente em São Paulo foi aprovado em 2014 para valer até 2029, com a meta de “reduzir as desigualdades socioterritoriais para garantir, em todos os distritos da cidade, o acesso a equipamentos sociais, a infraestrutura e a serviços urbanos”.

Como outras metrópoles nas Américas, o crescimento de São Paulo foi rápido, desordenado e orientado ao transporte individual. O resultado são as chamadas cidades 3D: distantes, desordenadas e desconectadas. Ao contrário da expansão típica dos EUA em subúrbios de classe média e baixa densidade, no Brasil prevaleceu a aglomeração de pessoas pobres nas periferias, de onde realizam longos deslocamentos em transportes públicos parcos e precários atrás de emprego, serviços e lazer no centro.

Para dar uma ideia desse espraiamento, o distrito mais denso de São Paulo, a República, tem a densidade média de Paris, que é mais que o dobro da média de São Paulo. Afora o centro, as zonas mais densas – como Sapopemba, Cidade Ademar ou Aricanduva – são periféricas, horizontalizadas e pobres.

O Plano reverte a dinâmica do espraiamento desordenado às periferias, mas não pela lógica da concentração indiscriminada no centro, e sim por um “adensamento inteligente”. A ideia é estimular construções próximas aos corredores e núcleos de transporte, ou seja, conectar a edificação imobiliária privada com a estrutura mobiliária pública, como as partes de um corpo conectadas por ossos, artérias e neurônios. São zonas vocacionadas a ser 3C, compactas, conectadas e coordenadas.

O Plano previu mais potencial construtivo e incentivos à construção para que espaços num raio de 600 metros das estações de metrô e numa margem de 300 metros dos corredores de ônibus sejam mais densos, verticalizados e de uso misto. A revisão propõe ampliar essas áreas, respectivamente, para 800 e 450 metros.

É legítima a preocupação de moradores com a descaracterização ou o congestionamento de seus bairros por excesso de construções. Mas, primeiro, essas zonas, qualitativamente cruciais, quantitativamente cobrem só 6% da área urbana. De resto, a verticalização em eixos de transporte público pode não só dinamizar a mobilidade, como preservar os “miolos de bairro” menos verticalizados, com mais comércio familiar, residências e espaços verdes. Há controles regionais de potenciais construtivos e, quanto à memória da cidade, há ferramentas, como os inventários, para preservar espaços e edifícios de valor histórico.

Assim, a revisão segue a proposta de “adensamento inteligente”. Longe de fazer terra arrasada do Plano, ela o amplia. Pode-se divergir se essa ampliação é mais ou menos inteligente, mas é estranho os críticos denunciarem o “caos” e a “destruição” a serviço da “voracidade” das incorporadoras. Se há essa voracidade, ela reflete o desejo dos cidadãos de morarem, trabalharem e se divertirem próximos uns aos outros, anseio que é a essência da cidade. A de São Paulo continua crescendo em população e renda. Construtores procuram atender a essa demanda onde for permitido, e, quanto maior a oferta, menor será o custo para viver na cidade.

É legítimo questionar a ideia do Plano de concentrar as ofertas nos eixos de transporte e, também, a ideia da revisão de ampliar essa concentração. Mas parece exagero, politicamente motivado, prever o “caos” se elas forem aprovadas. Pode-se discutir se 100 metros a mais ou a menos farão alguma diferença, mas o Plano, no seu conjunto, busca aproximar as pessoas da infraestrutura, dos serviços urbanos e dos equipamentos sociais, de modo a cumprir sua promessa de “reduzir as desigualdades socioterritoriais”.

Militantes em Itaipu

O Estado de S. Paulo

Lula confunde esferas pública e privada ao nomear tesoureira do PT para conselho da estatal

O presidente Lula da Silva novamente nomeou um integrante de seu partido, o PT, para o Conselho de Administração da Itaipu Binacional. Gleide Andrade de Oliveira, secretária nacional de

Finanças e Planejamento do PT, teve sua indicação efetivada em decreto publicado no Diário Oficial da União no dia 19. A decisão nada tem de republicana. Sem a menor cerimônia, Lula ignorou critérios técnicos para o preenchimento de um cargo dessa envergadura, norteando sua escolha pelo imperativo de premiar a lealdade partidária e de atender a conveniências políticas.

São conhecidos, de longa data, os riscos dessas escolhas. O histórico da indicação de João Vaccari Neto, outro ex-tesoureiro do PT, para o Conselho de Itaipu encerrou-se em 2015, quando ele foi citado na Operação Lava Jato. Vaccari fora nomeado em 2003, na versão Lula 1. Condenado e preso por corrupção, acabou beneficiado por indulto concedido em 2019 pelo então presidente Michel Temer.

Não há elementos que desabonem a carreira de Gleide Andrade na estrutura administrativa do PT. A militante, graduada em Filosofia, assumiu cargos na prefeitura de Belo Horizonte durante as gestões do partido. Porém, tampouco há evidência de seu conhecimento sobre os tópicos corriqueiros e excepcionais tratados pelos conselheiros da Itaipu Binacional. Ao contrário do que acontece com cinco dos sete integrantes da parte brasileira do Conselho, falta-lhe familiaridade com as questões da maior hidrelétrica do País.

Lula já havia transformado o Conselho da Itaipu Binacional em cabide para seus arranjos políticos em abril, ao nomear o ex-deputado estadual paranaense Michele Caputo, do PSDB. A escolha, nesse caso, deveu-se ao empenho paroquial da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, em aproximar seu partido dos tucanos de seu Estado.

A ausência de elementos que antecipem a contribuição de um novo conselheiro pode ser aceita por segmentos da iniciativa privada. Em empresas de natureza pública, como é a parcela brasileira da Itaipu Binacional, não se justifica nem fortalece sua máxima estrutura decisória. Antes, fragiliza-a.

É fato que governos anteriores – não petistas – se valeram de indicações políticas escudados na brecha que tornou Itaipu imune à aplicação da Lei das Estatais, de 2016. Para a maioria das demais empresas públicas, o artigo 17 daquela lei impõe como requisitos para a nomeação a “reputação ilibada” e o “notório conhecimento”. Exige também a confirmação de “formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado”.

A bem do interesse nacional, a adoção dessas mesmas condições para Itaipu e as demais empresas públicas que escapam ao alcance lei atestaria o espírito republicano do governo – além de seu real propósito de fortalecê-las, em vez de aparelhá-las. Daria um ansiado sinal de rompimento com o patrimonialismo que, pelo visto, continuará a turvar os limites de onde começam e onde terminam as esferas do público e do privado na gestão do Estado.

 Os perigos que rondam as redes

Correio Braziliense

As redes sociais foram criadas para conectar pessoas e grupos que não podem, por algum motivo, estar juntas ou não ter, até então, contato direto. Infelizmente, sabemos que o uso depende das intenções de cada um dos indivíduos ou setores sociais representados. Facebook, Twitter e outras redes foram invadidas nos últimos anos por agentes do ódio, que fazem questão de espalhar mensagens de desagregação. Outra rede muito utilizada em todo o planeta, o LinkedIn, também começa a enfrentar esse tipo de situação.

Originalmente criado como um espaço para conectar profissionais e compartilhar conquistas e conhecimentos do mundo do trabalho, o LinkedIn tem sido desvirtuado. Por lá, tragédias, problemas e dificuldades pessoais acabam se tornando material para textos motivacionais e corporativos vazios de empatia e respeito, embalados em um discurso pretensamente positivo. O exemplo mais recente ocorreu na semana passada, quando as buscas pelo submarino Titan — que havia desaparecido com cinco pessoas a bordo, que tentavam chegar aos destroços do Titanic — dominaram o noticiário.

Não tardou para que alguns usuários da rede vissem nisso uma oportunidade de capitalizar em cima da tragédia alheia. A publicação de postagens se intensificou ainda mais a partir de quinta-feira, quando partes do veículo foram localizadas no fundo do mar, confirmando a morte dos seus passageiros, no que se acredita ter sido uma implosão causada pela pressão da água.

O teor dos textos criados varia entre supostas lições que empresas e gestores podem aprender a partir do desastre do Titan e usuários que citam o acidente do submarino para falar de si mesmos, vendendo e divulgando uma imagem de profissionais bem-sucedidos tendo a tragédia como pano de fundo.

Quem utiliza as redes para explorar eventos trágicos para promover uma suposta mensagem motivacional revela uma falta de empatia e sensibilidade impressionante. Parece óbvio — e é — dizer que é profundamente desrespeitoso se aproveitar da morte de indivíduos para fins de autopromoção e ganho pessoal, ignorando a dor e o sofrimento que suas famílias estão enfrentando.

Além disso, a manipulação de tragédias para promover uma imagem corporativa positiva é uma prática, no mínimo, questionável e, obviamente, antiética. Ao vincular a morte de pessoas ao sucesso profissional, posts motivacionais deturpam a realidade e criam uma cultura tóxica, em que a busca incessante por conquistas é colocada acima do bem-estar humano.

É importante resgatar a essência do LinkedIn como uma plataforma profissional que promove a conexão e o compartilhamento de conhecimentos relevantes. Assim, é possível vislumbrar duas soluções para esse problema, infelizmente, nenhuma de fácil aplicação. A primeira, que seria a mais óbvia, é claramente a mais difícil: apelar para o bom senso dos usuários, para que evitem a exploração de tragédias como material para as publicações motivacionais e adotem uma postura ética, promovendo valores de respeito, compaixão e empatia. A outra saída é esperar que todo o universo corporativo presente no LinkedIn — empresas, marcas e recrutadores — se posicionem contra esse tipo de texto nocivo e pernicioso.

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