Blog do Noblat / Metrópoles
A desigualdade na qualidade das escolas conforme a raça do aluno é um racismo invisível
Até recentemente, muitas manifestações
racistas ficavam imperceptíveis, tão aceitas que eram invisíveis. Felizmente,
qualquer gesto racista por uma pessoa passou a ser imediatamente visto e
combatido. Mas continua aceito o racismo considerado desigualdade na estrutura
como vivem, estudam, moram os afrodescendentes brasileiros. É como se as ideias
racistas fossem visíveis, mas a desigualdade conforme a cor do usuário não
fosse também uma manifestação de racismo.
Esta semana percebeu-se o descuido nas escolas com a oferta de aulas de conscientização contra o racismo, mas não se percebe o racismo embutido na desigual qualidade entre as escolas dos brancos e negros que poderem pagar, em relação às escolas dos negros e brancos por serem pobres. O racismo é visto apenas na falta de aula sobre o assunto, não na falta de escola para todos os assuntos que as crianças precisam aprender. Não se vê como racismo o fato de o sistema escolar separar os brasileiros em “escolas senzala” e “escolas casa grande”, conforme a renda e o endereço, em consequência, conforme a raça porque no Brasil a pobreza tem cor.
O racismo da escola desigual é invisível.
Até mesmo antirracistas não percebem o racismo no sistema com escola desigual
na qualidade. Consideram demagogia a defesa de escola com a mesma qualidade
para todos, brancos ou negros, ricos ou pobres. Este racismo material é
invisível e até mesmo desejado pelos que podem pagar boas escolas privadas. Por
isto, não é chamado de racismo, mas de legítima prática de desigualdade
conforme a disponibilidade de renda, uma condição necessária à liberdade. Não
há liberdade sem direito de usar a desigualdade de renda para ter acesso
diferenciado a bens e serviços oferecidos no mercado, mas a indecência está no
fato que a educação é a fábrica de racismo. Em uma sociedade onde a renda e
riqueza têm cor branca, ao deixar educação como um serviço para compra no
mercado, mantém-se a fábrica de racismo funcionando, mesmo que haja aula com
mensagem contra o racismo.
Há um racismo visível na mente dos racistas
e um racismo invisível na estrutura como funciona a sociedade. A prática de
preconceito é um racismo visível, a desigualdade na qualidade das escolas
conforme a raça do aluno é um racismo invisível, aceito. A África do Sul acabou
o racismo visível do apartheid, os Estados Unidos acabaram o racismo visível da
segregação, mas os dois mantém racismo invisível, ao diferenciarem a qualidade
da escola para rico ou para pobre: fantasiando com desigualdade o que é racismo
e fábrica do racismo.
O descuido com o ensino antirracista nas
escolas provocou críticas e manifestações, mas não houve críticas nem
manifestações contra a prática racista de condenar aos negros brasileiros, por
serem pobres, a escolas com qualidade inferior a dos brancos, que podem pagar
ensino com qualidade.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador
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