terça-feira, 17 de outubro de 2023

Eliane Cantanhêde - Nem vitória nem derrota

O Estado de S. Paulo

Ao presidir o Conselho de Segurança da ONU, o Brasil é só coordenador, quem manda são as potências

O governo Lula armou uma armadilha para si próprio: colocar-se como o grande articulador de uma solução ao menos humanitária, emergencial, para a guerra em Israel. Se sair uma resolução consensual no Conselho de Segurança da ONU, será um sucesso estrondoso. E se não sair? A oposição está pronta para espalhar aos quatro ventos – e ao mundo – que foi o oposto: um estrondoso fracasso.

A presidência rotativa do Conselho de Segurança, por um único mês, não transforma o Brasil em grande negociador, em “resolvedor-geral” dos problemas mundiais. Sua função é meramente de coordenador. Importante? Sim, mas quem continua mandando, tomando decisões e delimitando os termos das resoluções são as potências. As mesmas de sempre.

Os EUA, como sempre, estão na dianteira e não só ratificam sua aliança com Israel como abrem negociações com a Autoridade Palestina e países árabes. A novidade é a investida diplomática da Rússia, que faz o mesmo, em sentido inverso: aliado da causa palestina, Vladimir Putin falou ontem com o primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, depois de conversar com Irã, Egito, Síria e Abbas.

Logo, o conselho replica a nova fase do conflito entre EUA e Rússia, tendo a guerra da Ucrânia como pano de fundo. O que projeta uma impossibilidade de acordo ou, no mínimo, um pedido de adiamento. Mas não é o fim do mundo, porque o conselho sempre pode se autoconvocar amanhã ou depois, inclusive porque as negociações são frenéticas e há pelo menos um dado positivo: Israel já suspendeu por duas ou três vezes sua manifesta intenção de invadir Gaza por terra, ar e mar. Já é um ganho.

O chanceler Mauro Vieira presidiu a reunião de sexta em Nova York, mas está em Brasília para atualizar, presencialmente, as informações com Lula e com o grupo de risco formado no Itamaraty e o Senado e só volta para os EUA amanhã.

Independentemente do desfecho das negociações no conselho, nunca, nestes dez meses de governo, a comparação com o desastre da política externa de Jair Bolsonaro ficou tão evidente. Entre o Itamaraty do absurdo Ernesto Araújo e o atuante de Vieira e entre o inacreditável presidente Bolsonaro, que tornou o Brasil um pária internacional, e um Lula, que derrapa daqui e dali, mas tem credibilidade internacional, não há o que discutir.

Se o Conselho de Segurança der “estrondosa derrota” para o Brasil, como torce a oposição, ou “estrondosa vitória”, como sonha a situação, fato é que o governo tem agido corretamente nas negociações e exemplarmente no resgate de brasileiros e que, derrota ou vitória, não será do Brasil, mas do Oriente Médio e de um mundo tão conflagrado.

Um comentário: