Por Marlen Couto e Thiago Prado / O Globo
Especialista acredita que siglas como PP,
Republicanos e União Brasil, batizadas por ele de ‘Centrão sem medo’, vão
construir uma candidatura presidencial em 2026 mesmo integrando a atual gestão
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap) da Unicamp, Marcos Nobre defende que o bloco que ele
batizou, em artigo na revista Piauí do mês passado, de “Centrão sem medo” —
formado por parlamentares de PP, Republicanos e União Brasil e representado
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
—, almeja emplacar uma candidatura de oposição ao governo Lula mesmo
ocupando cargos e ministérios na atual gestão. Na avaliação do cientista
social, o bloco não tem medo nem de governar, nem de fazer uma aliança com a
extrema direita. O grupo é diferente do que ele classifica como Centrão temeroso,
formado por siglas como MDB e PSD, que entraram antes no governo e preferiram
não ser da base de Jair
Bolsonaro (PL).
Por que o governo Lula
precisou de uma aliança com o que o senhor chama de “Centrão sem medo”?
Foi inevitável. A reforma eleitoral de 2017
produziu efeitos benéficos, como a redução do número de partidos efetivos. Por
outro lado, desorganizou as legendas. Embora as cúpulas partidárias tenham se
fortalecido com a proibição de financiamento empresarial e a criação dos fundos
eleitorais, há desde então dificuldade de produzir disciplina em votações e
decisões uniformes. A cláusula de barreira fez forças contrárias conviverem no
mesmo partido, como o União Brasil, por exemplo. Soma-se a isso o fato de que
há, a partir de 2018, uma divisão ideológica forte do país. Isso faz com que,
dentro de um mesmo partido, haja gente votando com e contra o governo.
E qual é o efeito disso?
Há partidos que estão no governo, mas não entregam os votos esperados. Há sempre uma taxa de deserção. O habitual seria algo como 10% ou 15% (dos parlamentares). Só que ela chegou a 30%. Para completar os votos que faltam, Lula teve que buscar o que chamo de Centrão sem medo. Ele age em bloco, mas apenas nas votações em que considera ser possível apoiar o governo. Já ouvimos de todos os presidentes desses partidos, do Luciano Bivar, do Marcos Pereira, do Ciro Nogueira, que União Brasil, Republicanos e PP, respectivamente, têm ministros, mas não estão no governo. Essa é a característica desse Centrão: tem ministério, entrega votos em algumas pautas, mas se diz independente. O sentido que vejo nisso é esse grupo querer construir uma candidatura de oposição em 2026. O futuro da oposição a Lula está dentro do governo dele.
O que unifica esse bloco?
A médio e longo prazos, é a vontade de
governar, de ganhar a eleição presidencial. No curto prazo, é a descoberta de
que, operando de maneira colegiada, esse Centrão consegue obter mais do governo
do que a partir do seu partido. Seu poder de chantagem é muito maior. Ele só
tem essa posição porque age em colegiado, não tem um partido que se impõe sobre
os outros, e porque tem a presidência da Câmara. Isso significa que não pode
haver duas ou três candidaturas desse grupo na eleição para o comando da Câmara
em 2025. Eles têm que ficar unidos porque, se perdem a presidência da Câmara,
perdem tudo. É a grande posição de poder que têm. Agora, sabem também que só garantem
a maioria dos votos em aliança com a extrema direita.
Há espaço para o governo Lula
apoiar uma candidatura alternativa a esse Centrão?
Acredito que a questão é saber se é possível
produzir um racha no interior desse Centrão sem medo. Até agora esse grupo
político é um monólito inquebrável. (Gilberto) Kassab e Renan (Calheiros), que
são do que chamo de Centrão temeroso, bloco que aderiu a Lula ainda na eleição,
tentaram e continuam tentando produzir uma candidatura alternativa à
presidência da Câmara. Até agora, eles não obtiveram sucesso. A questão é: o
governo vai comprar ou não essa briga? Esse tem que ser o cálculo do governo
Lula.
Há hoje um Lula que investe
mais em quebrar esse bloco ou em compor com ele? Está pintando consenso ou
disputa?
Eu acho que está pintando continuidade. Lula
ainda tem o trauma de 2005, com Severino (Cavalcanti, ex-presidente da Câmara
eleito após derrotar o candidato do governo). A tendência de Lula vai ser
compor, mas é aquela coisa: se tiver alguma chance de quebrar, ele não pensará
duas vezes. Agora, são três partidos que atuam em conjunto, que levam
parlamentares de outras legendas com eles, que estão no governo, mas
construindo uma candidatura de oposição. Isso não é pouca coisa.,
definitivamente
Na lógica interna da Câmara,
especificamente para a atuação parlamentar, temos dois blocos hoje, um com PP e
União, e outro com Republicanos. O presidente do Republicanos, Marcos Pereira,
pode rachar o bloco?
Os blocos na Câmara funcionam com finalidades
internas. Quando surgiu a coalizão liderada pelo Republicanos, com Marcos
Pereira, a primeira tendência foi dizer que o que chamo de Centrão sem medo
estava rachando. Na sequência, porém, vimos que não era nada disso, mas apenas
uma articulação para fins administrativos na Câmara. Até agora, Marcos Pereira
não demonstrou querer quebrar esse triunvirato. Pode ser que isso aconteça?
Pode, porque haveria dois candidatos a presidente da Câmara, Elmar Nacismento
(União Brasil, candidato apoiado por Arthur Lira) e Marcos Pereira. Temos que
lembrar, porém, que o Republicanos tem um dos presidenciáveis hoje mais
importantes, Tarcísio de Freitas. Arthur Lira pode perfeitamente dizer ao
Marcos Pereira: “olha, deixa passar essa e deixa o Elmar ser presidente porque
você tem o Tarcísio de Freitas”. A articulação também passa por Tarcísio
continuar no Republicanos. Há vários fatores.
Esse grupo vai exigir
ministérios mais relevantes? A pasta da Saúde costuma ser citada como alvo de
cobiça.
Não vejo essa possibilidade porque isso
tornaria muito difícil dizer que não está no governo. Uma coisa é a Funasa, a
Caixa, ou a Codevasf. Pegar um ministério de destaque seria um movimento que atrapalharia
a manutenção da estratégia de ser oposição e situação ao mesmo tempo.17 fotos
Esse Centrão ambiciona ter a
cabeça de chapa em 2026 ou vai usar novamente o bolsonarismo?
O Centrão sem medo não tem liderança nacional
com votos para uma eleição presidencial. Vai ter que recorrer a um quadro que
não é dele diretamente e terá que decidir o que é melhor, se uma figura como
(Romeu) Zema ou como Tarcísio. Parece claro que não só Bolsonaro e seu grupo
mais próximo vão influenciar um pouco nessa escolha, como vão exigir a
vice-presidência.
O Brasil seguirá, então,
dividido entre PT e um bloco anti-PT, sem uma terceira via?
Não vejo chance de se viabilizar. Pode
aparecer uma candidatura que seja o que se costuma chamar de terceira via e que
tenha votos no primeiro turno para pesar no segundo. Foi o caso de Simone
Tebet. Mas a chapa Lula-Alckmin simboliza que a parte da direita brasileira que
não quer compactuar nem arriscar uma aliança com a extrema direita está no
governo Lula e não tem espaço para outra coisa.
Uma eventual prisão de
Bolsonaro seria boa ou ruim para a correlação de forças?
Seria a demonstração de que nós temos
instituições que estão de fato funcionando para tentar reconstruir a
democracia. Mas não há interesse do sistema político em prender Bolsonaro.
Por quê?
Da parte do Centrão sem medo, interessa
Bolsonaro inelegível, mas não preso, porque a prisão é incerteza e insegurança.
Você não sabe se ele vai conseguir manter seu cacife eleitoral ou não. Do jeito
que está, está ótimo, porque esse Centrão pode ficar com os votos, e Bolsonaro
não pode, ele mesmo, ser o candidato. Do ponto de vista do governo federal, a
identificação de qualquer candidato com Bolsonaro é um fator de rejeição
importante para sua candidatura.
E em relação aos militares? A
depuração do 8 de janeiro vai poupá-los?
Teremos militares de patentes mais altas
punidos. Isso não significa nem que o presidente da República vai enfrentar os
militares e nem que vai diminuir a resistência da caserna à gestão Lula ou a
uma candidatura que sair desse governo. Agora, é uma chance histórica que está
sendo perdida de fazer uma coisa simples, que é fazer justiça, de dizer que
democracia não pode ser confrontada dessa maneira. Não sei em que outro momento
teremos a oportunidade de retomar isso.
Como avalia os recentes
posicionamentos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em relação
ao STF?
Vejo como imediatistas. Vão durar até a
indicação do futuro ministro do STF. O movimento é o seguinte: quero indicar o
próximo ministro da Corte, tenho na minha base um monte de gente que quer
passar um trator em cima do STF e os seguro. Vou mostrar para o governo que, se
tiver alguém que não é simpático aqui na presidência do Senado, várias coisas
podem acontecer. O problema é essa ilusão de que você consegue, como dizia o
Paulo Guedes, domar o animal. Esse é o problema do Centrão Sem Medo e de
qualquer direita sem medo, achar que é amansador da fera e que vai ficar só com
os votos de Bolsonaro e deixá-lo enjaulado.
O governo tem sofrido pressão
da própria da base. Há críticas, por exemplo, ao fato de que não deve indicar
uma mulher negra ao STF. O governo é menos de esquerda do que as gestões
anteriores de Lula?
Na minha avaliação, está sendo tanto quanto já foi no passado. A diferença é que, agora, a margem de manobra é muito menor do que antes em termos fiscais e políticos. O PT, como partido, está muito mais à esquerda que o seu governo. Existe uma insatisfação porque não espelha o partido enquanto tal. Ao mesmo tempo, o atual presidente da República foi eleito por uma frente ampla e alguma coisa dela tem que estar nesse governo, ou você perde a base numa eleição que foi extremamente estreita. E qual o argumento de Lula? Do outro lado, existe um risco autoritário. Nos governos anteriores, as condições para fazer uma redução da pobreza e o combate às desigualdades, incluindo uma jurista negra no STF, eram muito mais favoráveis porque a oposição não tinha o grau de mobilização e de organização que tem nos dias de hoje.
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