O Estado de S. Paulo
Bandeira da chamada ‘neoindustrialização’
está mantida, mas será preciso avançar muito mais – e com maior velocidade –
para a implantação efetiva de uma política desse tipo
Quando o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo, em 1958, a Petrobras estava perto de completar cinco anos, a industrialização avançava e o País ainda era descrito como essencialmente agrícola. Seis décadas e meia mais tarde, a produção é novamente puxada pela agropecuária. Se a economia crescer, em 2023, mais do que se previa no começo do ano, esse resultado será atribuído principalmente à atividade rural. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) elevou de 2,3% para 3,3% a expansão estimada para este ano. Pelos novos cálculos, a produção agropecuária aumentará 15,5%; a dos serviços, 7,5%; e a da indústria, apenas 1,5%. O campo também deverá garantir, juntamente com a mineração, um saldo comercial melhor que o esperado até há pouco tempo. O superávit previsto subiu de US$ 84,7 bilhões para US$ 93 bilhões, segundo informação do governo. O ganho adicional é atribuído principalmente às vendas de soja e milho.
A indústria continua importante para a
balança comercial brasileira, mas até as exportações de manufaturados dependem,
de forma significativa, da produção rural e da mineração. Os principais
produtos exportados neste ano, até setembro, foram soja e farelo, óleos brutos
de petróleo, minério de ferro, açúcares e melaço. Também se venderam
manufaturados complexos, como aviões, automóveis e equipamentos industriais,
mas o agro e a mineração se destacam no conjunto das exportações.
Os manufaturados vendidos pelo Brasil têm, no
entanto, uma participação minúscula no mercado global. Em 2021 as vendas
brasileiras de manufaturados corresponderam a apenas 0,47% do total mundial e o
País ficou na 34.ª posição nesse mercado. Entre 2005 e 2011, havia ocupado
várias vezes o 28.º lugar, com participação de 0,77%, de acordo com números
citados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Mas o desempenho da indústria brasileira tem
sido pior do que parecem mostrar esses dados internacionais. Em agosto de 2023,
a produção industrial cresceu 0,4% sobre julho, sem compensar, no entanto, as
perdas acumuladas em meses anteriores. No ano, o volume produzido foi 0,3%
inferior ao de janeiro a agosto de 2022. O resultado de 12 meses foi 0,1% menor
que o do período imediatamente anterior. Além disso, o desempenho de agosto
ficou 1,8% abaixo do registrado em fevereiro de 2020, um mês antes da crise de
covid-19, e foi 18% inferior ao de maio de 2011, pico da série montada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mesmo com oscilações, a tendência da
atividade industrial a partir de 2011 foi nitidamente declinante. O primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff foi o ponto inicial de um persistente
enfraquecimento do setor industrial, jamais compensado pelo desempenho mais
vigoroso e pela modernização de alguns grupos e de alguns segmentos setoriais.
Não seria excessivo falar de uma
desindustrialização do País, como se ocorresse uma reversão histórica, depois
de várias décadas de expansão. O ganho de importância do setor de serviços, no
Brasil, equivale apenas parcialmente à transformação estrutural observada em
várias economias avançadas. No caso brasileiro, a perda de peso da indústria
resulta principalmente de problemas da maior parte do setor manufatureiro. Esse
recuo se reflete na competitividade internacional, afetada pelas deficiências
domésticas e pelo descompasso em relação às mudanças globais. O esforço
diplomático do governo, intensificado na gestão petista, poderá produzir algum
benefício. Mas os ganhos comerciais serão obviamente limitados sem uma política
de modernização da indústria e de suas condições de competição.
Algumas dessas condições poderão melhorar com
a reforma tributária. Além disso, o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro
do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior, tem mantido a bandeira
de reindustrialização do País, ou, como se diz às vezes, de
neoindustrialização. Mas será preciso avançar muito mais – e com maior
velocidade – para a implantação efetiva de uma política desse tipo. Essa
política só será eficaz, obviamente, se incluir mudanças na educação
fundamental, no ensino médio, na formação profissional e no desenvolvimento
tecnológico. Um mandato será insuficiente para essas medidas e é preciso, desde
já, trabalhar com um sentido de urgência.
Boas ideias serão mais eficazes, no entanto,
se forem articuladas num claro planejamento. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva continua devendo um plano. Tem dado ênfase a objetivos sociais
importantes, mas é preciso ir mais longe, definindo prioridades, cronogramas,
formas de atuação do setor público e, naturalmente, condições de financiamento
e limitações fiscais. O jogo poderá terminar mal, se o equilíbrio de longo
prazo das contas públicas for negligenciado. Sem apoio seguro de um Congresso
formado, em grande parte, por parlamentares pouco interessados nas grandes
questões nacionais, o trabalho será muito complicado. Mas este jogo será
inevitável para um governo disposto a desenhar e seguir um bom plano de
trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário