O Globo
‘O antissemitismo atual transformou-se no
preconceito contra e na demonização do Estado judeu’, diz Pilar Rahola
A jornalista iraniana Narges Mohammadi ganhou
o Nobel da Paz deste ano. Não poderá recebê-lo. Está presa, condenada por
“propaganda contra o Estado”, um crime de opinião. Não atirou bombas, nunca
conspirou. Sua pena é de dez anos e nove meses, parte do tempo em confinamento
solitário. Mais exatas 154 chicotadas. Não se sabe se foi chicoteada. O governo
não presta qualquer informação.
No início deste mês, a representação do Irã na ONU foi designada para a presidência do Fórum Social do Conselho de Direitos Humanos. O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, é o responsável direto pela execução de dissidentes e adversários. No final do ano passado, a jovem Mahsa Amini morreu num presídio, para onde fora levada pelo crime de não usar corretamente o véu. Mulheres e homens iranianos protestaram nas ruas. Muitos foram mortos.
O Irã sustenta e financia o Hamas, com o fim
declarado de varrer o Estado de Israel e matar
os judeus. O Irã jamais seria admitido na União Europeia. A comunidade não
acolhe ditaduras. Também não acolhe países cujas legislações incluem
discriminação por sexo, raça, religião, posições políticas. Exige, sem
concessões, o respeito aos direitos das mulheres.
O Irã foi recentemente admitido no Brics,
na origem formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O
presidente Lula saudou o presidente Ebrahim Raisi. O PT havia
parabenizado Raisi por sua eleição — duvidosa, sem observadores internacionais.
O Prêmio Nobel da Paz de 2022 foi concedido
ao Centro pelas Liberdades Civis, organização sediada em Kiev, fundada pela
ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk. Dividiu a honraria com outra
organização por direitos humanos, Memorial, russa, e com o ativista Ales
Bialiatski, preso na Bielorrússia. A Memorial é perseguida pelo governo de
Vladimir Putin. A Bielorrússia apoia a Rússia.
As manifestações que a esquerda vem
promovendo mundo afora defendem o Hamas e o Irã, apoiam a Rússia contra a
Ucrânia, esta considerada cabeça de ponte do Ocidente “imperialista”. Atacam a
União Europeia e, especialmente, os Estados Unidos e Israel. Estes são
“terroristas” ou aliados deles. Por uma mistura de miopia, ignorância,
preconceito e, sim, antissemitismo, a esquerda do Sul Global apoia as ditaduras
e seus crimes. E ataca as democracias ocidentais.
Os Estados Unidos formam a maior democracia
do mundo. Claro, cometem pecados e erros de política internacional. Mas
corrigem lá mesmo. Foram os americanos que acabaram com a Guerra do Vietnã. O
presidente Joe Biden diz que a guerra do Iraque foi um equívoco lamentável. Os
americanos elegeram Barack Hussein Obama.
Israel é um Estado democrático, com eleições
livres e regulares. Há liberdade de imprensa. Árabes podem frequentar suas
mesquitas e se elegem para o Parlamento. Claro, comete pecados e erros — o
maior deles, no momento, a ocupação da Cisjordânia com os assentamentos.
Ocorre que os israelenses há anos não
conseguem formar uma maioria parlamentar consistente. Em grandes linhas,
tomaram dois caminhos. Primeiro, com os sociais-democratas do Partido
Trabalhista, tentaram a negociação com o Fatah (Autoridade Palestina). Chegaram
a dois acordos (Washington e Oslo) que definiam os dois Estados. Nos dois
casos, a Autoridade Palestina, primeiro com Arafat, depois com Abbas, não
obteve aprovação entre os palestinos.
O Partido Trabalhista foi afastado, e os
israelenses colocaram no governo a direita, que defendia a solução militar.
Também não deu certo. Agora, as eleições acabam sempre empatadas. E Netanyahu
tem conseguido formar gabinetes recrutando pequenos partidos religiosos e de
direita.
O terrorismo do Hamas e o antissemitismo
global reforçam essa direita.
Cito a ensaísta espanhola Pilar Rahola:
“Israel encarna, na própria carne, o judeu de sempre. Um pária de nação entre
as nações, para um povo pária entre os povos. É por isso que o antissemitismo
do século XXI foi vestido com o disfarce efetivo da crítica anti-Israel. Toda
crítica contra Israel é antissemita? Não. Mas todo o antissemitismo atual
transformou-se no preconceito contra e na demonização do Estado judeu. Um
vestido novo para um ódio antigo”.
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