sábado, 18 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo demonstra maturidade ao manter meta fiscal

O Globo

Mesmo que ela seja inviável, intenções importam. Seria demais voltar atrás antes da estreia do novo arcabouço

É bom que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha saído vitorioso da batalha em torno da manutenção da meta de déficit zero em 2024. Na quinta-feira, o relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), afirmou que o Planalto descartara qualquer emenda para mudar a meta fiscal do próximo ano — ao menos neste momento. Melhor assim. Ela ainda poderá ser alterada em dezembro, durante a discussão da Lei Orçamentária Anual (LOA), ou em março, na revisão das contas públicas prevista pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas Haddad ganhou um tempo precioso diante do bombardeio que vinha recebendo de seu próprio partido.

No fim do mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou de atrapalhar o trabalho de seu ministro da Fazenda semeando desconfiança. Num café da manhã com jornalistas, afirmou que dificilmente o governo cumpriria a meta de zerar o déficit primário em 2024. “Muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, disse Lula. “E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada.” Foi a senha para mais uma vez entrar em ação a profícua fábrica de crises do PT.

Desde o início, é sabido que as metas ambiciosas traçadas no novo arcabouço fiscal se tornariam impraticáveis, dado o apego do governo Lula à gastança, sempre justificada pela necessidade de investimentos sociais. Há uma dificuldade crônica em cortar gastos ou em adotar práticas capazes de tornar o Estado mais eficiente. Mas se imaginava que ao menos haveria um esforço para reequilibrar as contas públicas. Quando o próprio Lula pôs isso em dúvida, ruiu a imagem de responsabilidade fiscal que o governo tentava transmitir.

Apesar da forte corrente no governo contra a meta de déficit zero, Haddad convenceu Lula de que uma mudança tão cedo — antes mesmo da estreia do novo arcabouço fiscal — poderia contaminar os bons resultados da economia neste primeiro ano. E seria um obstáculo à aprovação no Congresso de medidas que visam ao aumento de arrecadação, principal aposta do governo para tentar cumprir as metas fiscais.

Embora nos bastidores se reconheça a vitória de Haddad, as ameaças continuam à espreita. No mesmo dia em que se anunciava a decisão, petistas de destaque atacavam a meta, dizendo que Haddad errou ao fixá-la mesmo sabendo que não seria cumprida e ao jogar a mudança para março, com risco de maior desgaste ao governo. No PT e na Esplanada, o assunto está longe de pacificado.

Por enfrentar a resistência, o governo demonstrou maturidade mantendo a meta de déficit zero em 2024. Confiança é o ativo mais importante que ele tem para transmitir à sociedade. Intenções importam, mesmo que depois a meta venha a ser revista. Há dúvidas mais que sensatas sobre sua viabilidade, que depende de alta expressiva na arrecadação. Mas seria demais revê-la antes mesmo de o novo arcabouço entrar em vigor. O compromisso de responsabilidade fiscal do Executivo deve ser reconhecido e valorizado. Mas não basta apenas discutir metas e aumento de arrecadação. É fundamental que o Estado adquira mais eficiência, que possa fazer mais gastando menos. Assim o governo demonstraria na prática estar realmente comprometido com o equilíbrio nas contas públicas.

Encontro entre Biden e Xi reaviva esperança de reaproximação

O Globo

Diálogo teve pouco resultado prático, mas a mera conversa entre os dois líderes deve ser celebrada

A consequência mais relevante da reunião de quatro horas do americano Joe Biden com o chinês Xi Jinping durante cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) em San Francisco é a determinação de os dois continuarem conversando. A relação entre a superpotência ocidental e a potência emergente asiática está no pior momento em quatro décadas, e o mundo todo precisa que elas se entendam para evitar o cenário de confronto.

Nos Estados Unidos, a oposição aos chineses é um dos raros temas em que democratas e republicanos concordam. Biden pouco mudou as medidas protecionistas impostas pelo antecessor, Donald Trump. O sonho de que o comércio tornaria a China mais parecida com o Ocidente ficou distante no passado. Para Xi, o poder americano é declinante, por isso ele costuma repetir a frase dong sheng, xi jiang (o Leste sobe, o Oeste cai). Na sua visão, os americanos buscam “a contenção, o cerco e a supressão da China”.

Como era esperado, na Califórnia os dois líderes adotaram um tom conciliatório. Xi disse que o planeta era grande o bastante para Estados Unidos e China e que os dois países, mesmo distintos, devem ser capazes de superar as diferenças. Biden ressaltou a importância de não deixar a concorrência se transformar em conflito.

Do ponto de vista prático, o maior avanço foi a retomada dos canais de comunicação entre militares, rompidos pela China depois da visita da então presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan em agosto de 2022. A impossibilidade de contato gerava inquietação. Caças chineses têm voado a poucos metros de aviões de reconhecimento americanos no Mar da China. O maior temor era uma eventual colisão que acabasse tomando maiores proporções por falta de comunicação.

Biden e Xi não chegaram a nenhum acordo sobre as questões mais espinhosas, mas isso era previsível. A respeito de Taiwan, o líder americano mencionou o aumento da atividade militar chinesa perto da ilha. Xi questionou os Estados Unidos por venderem mais armas aos taiwaneses. Há preocupação com as eleições em Taiwan e nos Estados Unidos e a possibilidade de os vencedores criarem uma situação que leve a um conflito militar.

Xi reclamou da decisão americana de bloquear a venda de chips de alta tecnologia à China. O objetivo, disse ele, é diminuir a competitividade industrial de seu país. Biden contestou dizendo que não daria aos chineses nenhuma tecnologia que pudesse ser usada para fins militares. Também não houve avanço na discussão para proibir o uso de inteligência artificial nos sistemas de comando de arsenais atômicos. Nesse, como noutros pontos, ficou acertado que representantes de ambos os países continuarão conversando.

Depois do encontro, Biden criou uma rusga diplomática com os chineses ao voltar a chamar Xi de “ditador”. Nada que o diálogo agora restabelecido não possa consertar. Oxalá ele abra um novo capítulo na relação estremecida entre as duas potências.

Não cai, mas balança

Folha de S. Paulo

Meta de déficit zero em 2024 é mantida, mas Lula segue sem inspirar confiança

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim anunciou que não vai solicitar ou patrocinar mudança do objetivo de equilibrar receitas e despesas no próximo ano. Ao fazê-lo, teve o desplante de negar que tenha havido discussões sobre a alteração da meta fiscal ou que o presidente da República tenha levantado tal hipótese.

No entanto a confirmação da meta de déficit zero sobreveio quase três semanas depois de Lula ter dito em público que não cortaria investimentos a fim de cumprir o limite estabelecido no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Ademais, pouco depois do anúncio tardio soube-se que o compromisso dependeria de uma nova interpretação da legislação fiscal.

Conforme a leitura governista, seria preciso respeitar o aumento mínimo de despesas, de 0,6% acima da inflação por ano, estabelecido na regra que substituiu o teto constitucional de gastos.

Dessa forma, pretende-se escapar de um bloqueio orçamentário estimado em mais de R$ 50 bilhões logo no início do ano —uma necessidade diante da elevada incerteza em relação às receitas. Calcula-se agora que o montante pode ser reduzido a menos da metade.

Além disso, não foi descartada oficialmente a mudança da meta em março de 2024, quando ocorre a primeira revisão oficial das estimativas de arrecadação.

Dado o contexto do debate, está longe de parecer pacificada no governo petista a noção de que é preciso rapidez na redução do déficit orçamentário e na contenção da escalada da dívida pública.

Desde sempre, a Casa Civil e o PT contestam o objetivo de déficit zero já em 2024, e a frustração com as receitas neste ano reavivou a campanha. Segundo esta visão, seria imprudência política cortar gastos, com danos ao crescimento imediato do PIB, à imagem de Lula e às chances do PT e de aliados do governo nas eleições municipais.

Não será surpresa, assim, se a reafirmação do déficit zero se mostrar apenas uma tentativa de dar mais chances ao ministro Fernando Haddad, da Fazenda, de conseguir do Congresso a aprovação de leis que permitam o desejado aumento exorbitante da arrecadação.

Mas caso isso não seja conseguido, como o próprio presidente já considerou provável, não se vê disposição para um ajuste na despesa.

Há indícios, pois, de que a meta continua sob risco elevado. Dada tal incerteza, os benefícios de um programa fiscal mais rigoroso são diminuídos. Com expectativas abaladas, a queda das taxas de juros será menor, por exemplo.

Melhor, claro, que a meta sobreviva por ora. No entanto o reequilíbrio do Orçamento não será obtido de modo duradouro sem reformas que Lula continua rechaçando.

Ética togada

Folha de S. Paulo

Suprema Corte dos EUA adota código de conduta, exemplo a ser seguido por aqui

A Suprema Corte dos EUA publicou um código de conduta para orientar a atividade de seus membros. É a primeira vez que a entidade adota esse tipo de norma, que já é prática recorrente nas demais instâncias do Judiciário americano. Trata-se de exemplo a ser observado com atenção no Brasil.

Segundo o texto, pretende-se dissipar a ideia de que a falta de um código continue a levar "ao entendimento equivocado de que os juízes da corte, ao contrário de todos os outros juristas no país, consideram-se sem restrições em relação a qualquer norma ética".

Restringir recebimento e proibir solicitação de presentes são algumas das regras adotadas. Apesar de não estipular como serão feitas a fiscalização e a punição, a medida ainda se mostra necessária dados os casos controversos recentes.

Os magistrados Samuel Alito e Clarence Thomas foram criticados por viagens luxuosas na companhia de empresários. O segundo passou férias repetidas vezes com Harlan Crow, um bilionário doador do Partido Republicano.

A norma proíbe ainda que relações familiares, políticas e financeiras influenciem os julgamentos. O juiz Neil Gorsuch foi repreendido por não divulgar que havia vendido uma casa para o líder de um grande escritório de advocacia, e a juíza Sonia Sotomayor foi acusada de envolver funcionários da corte na venda de seus livros.

Exemplos como esses fizeram com que a corte, mesmo com profundas divisões ideológicas, adotasse de modo unânime o código.

Já o Brasil caminha em sentido oposto. Após debater uma proposta de resolução que controlaria a participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas, o Conselho Nacional de Justiça rejeitou a iniciativa.

Apesar das hipóteses legais de suspeição e impedimento, nota-se opulência recorrente em atividades da elite judiciária brasileira.

Em outubro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e membros do CNJ participaram de um encontro em resort de luxo na Bahia. Neste mês, evento num hotel suntuoso em Minhas Gerais foi bancado em parte com recursos públicos do Tribunal Regional Federal da 6ª Região.

Não basta que juízes sejam éticos —precisam parecer éticos. Ostentação e proximidade excessiva com agentes privados não combinam com a sobriedade e a imparcialidade que deveriam nortear a atuação do Judiciário.

A exceção que é regra

O Estado de S. Paulo

Privilégios embutidos na reforma tributária são a regra no Brasil. O Estado negligencia os mais vulneráveis.

Durante a tramitação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e no Senado, foram criadas várias exceções no texto. É de lamentar que, para aprovar um novo marco jurídico absolutamente benéfico para o País – e assim pôr abaixo o sistema vigente que todos concordam que é prejudicial ao desenvolvimento social e econômico –, tenha sido necessário oferecer tantas benesses e privilégios a determinados grupos politicamente organizados. Perante tais exceções, que impactam diretamente a arrecadação, a alíquota básica do IVA terá de ser maior. Ou seja, todos terão de pagar um pouco mais para que alguns possam pagar um pouco (ou muito) menos.

É de lamentar, mas a rigor tal situação não deve causar estranheza. Esses privilégios não ocorrem apenas quando tramita uma reforma tributária. Nesse caso, tudo fica mais explícito. No entanto, tais exceções não são de forma nenhuma excepcionais. Trata-se do mais habitual funcionamento do Estado brasileiro, que é continuamente capturado por interesses de grupos politicamente organizados.

Isso não significa, por óbvio, amenizar a gravidade das exceções da reforma tributária. É antes o contrário. Trata-se de mostrar que o problema é mais grave, mais disseminado e mais tolerado. Tem-se um regime democrático, onde todos os membros do Congresso são eleitos pelo voto, e mesmo assim as decisões legislativas são frequentemente contrárias aos interesses da maioria. Na prática, elas estão orientadas a preservar e a proteger os interesses de alguns poucos.

Nessa dinâmica de privilégios, verifica-se um fator especialmente inusitado. Apesar de todas as exceções introduzidas no texto da reforma tributária, houve setores e grupos beneficiados pelas emendas que se consideraram prejudicados e não atendidos em suas demandas. Eles continuaram reclamando do texto da reforma. Tanto é assim que, mesmo depois de conseguirem aprovar suas emendas instituindo novos privilégios, alguns parlamentares votaram contra a reforma.

Há uma distorção de percepção: privilegiados são os outros; as demandas próprias seriam sempre justas e necessárias. Com isso, não apenas se instaura, mas se legitima o “país da meia-entrada” ou a “democracia da meia-entrada”, expressões cunhadas pelos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif. Todo mundo tenta obter algum tratamento mais benéfico que o concedido ao público em geral. Todo mundo quer um Estado para chamar de seu.

É um grave equívoco transformar o regime democrático em meio de obter vantagens individuais, como se o exercício dos direitos políticos fosse uma espécie de batalha contínua para conquistar novos benefícios, novas boquinhas, novas “meias-entradas”. Tal modo de proceder viola o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Fica parecendo que o objetivo da lei é criar distinções entre os indivíduos e perpetuar privilégios. Ora, é precisamente o oposto.

Esse modo de atuar, em defesa exclusivamente do interesse próprio, é profundamente disfuncional. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil definidos na Constituição estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, não é função do Estado ampliar desigualdades. Isso é inconstitucional. No entanto, se quem tem mais voz no espaço público e mais capacidade de articulação política usa continuamente sua posição de privilégio para obter mais privilégios, o regime democrático fracassa em seus objetivos primários.

Trata-se de um problema sério, que não pode ficar oculto nem ser aceito como algo normal. Quem tem menos voz na política é, em geral, quem mais precisa do poder público, por estar em situação mais vulnerável. Esses grupos, portanto, não perdem somente quando se aprovam exceções na reforma tributária. Eles perdem todos os dias, continuamente. O verdadeiramente excepcional é que consigam uma proteção minimamente eficaz de sua dignidade e de seus direitos. Tornar isso habitual é a principal eficiência da máquina pública a ser buscada.

A opacidade do ‘novo’ IBGE

O Estado de S. Paulo

Pochmann demonstra apreço pelo modelo chinês de gestão de estatísticas, conhecido pela manipulação, e menosprezo pelo escrutínio da imprensa. Quem o nomeou sabia o que estava fazendo

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o mais importante provedor de dados do País. Produz uma infinidade de pesquisas com informações censitárias, ambientais, econômicas, geocientíficas e sociais que traçam com precisão o retrato do Brasil. Segue, para isso, um Código de Boas Práticas, baseado em critérios certificados internacionalmente, que classifica as estatísticas como um bem público que tem na credibilidade a premissa fundamental para o exercício da cidadania.

A divulgação dos dados estatísticos produzidos pelo IBGE segue um ritual há muito conhecido pela imprensa, com entrevistas coletivas nas quais os técnicos detalham cálculos, estratificam resultados, cruzam informações, elaboram comparações e tentam dirimir todas as dúvidas que surgem. Apenas se recusam a fazer exercícios de futurologia ou avaliar de forma pessoal os resultados. A regra básica é limitar a apresentação ao que mostram os números, de forma estritamente técnica.

Apesar de todo o rigor, o atual presidente do IBGE, Marcio Pochmann, está descontente. Em cerimônia interna no dia 24 de outubro, para empossar Daniel Castro como coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), informou que o estatuto do IBGE vai mudar para incorporar a coordenação de Comunicação Social, antes autônoma, ao CDDI. Como primeira consequência, pretende eliminar as entrevistas coletivas. Trata-se de evidente intenção de evitar o contraditório.

Para que não restassem dúvidas, apesar de seu discurso pouco assertivo e marcado pela tergiversação e pela linguagem trôpega, em determinado momento Pochmann afirmou que “a comunicação do passado” era aquela em que o IBGE divulgava os dados “através dos meios de comunicação tradicionais”. Segundo ele, “isso ficou para trás”, pois “hoje cada um de nós tem a capacidade de comunicação”, provavelmente referindose às redes sociais. Daniel Castro, por sua vez, disse na cerimônia que o grande desafio do IBGE “é chegar na dona Maria diretamente”. Ao que parece, a intenção é difundir informações diretamente ao público nessas redes, sem o filtro crítico e técnico dos jornalistas.

Não será surpresa se, nessa comunicação direta, sem o contraditório, o IBGE se preste a transformar estatísticas em material de campanha eleitoral em favor do PT e do presidente Lula da Silva. Foi exatamente o que fez Pochmann em 2009 quando, no comando do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), produziu comunicados supostamente técnicos para alimentar os discursos de campanha da petista Dilma Rousseff à Presidência da República. Um desses comunicados, a título de defender a contratação de mais servidores, asseverava que a produtividade do setor público cresceu mais do que a do setor privado no governo Lula; noutro, criticava a privatização dos bancos estaduais.

Ainda que nada disso aconteça, é perturbador quando o chefe do IBGE manifesta admiração pelo instituto de estatística da China, como fez em seu pronunciamento. Ora, se há algo que a China pode ensinar, é que ditaduras são muito zelosas quando se trata de manipulação de estatísticas. Em agosto passado, por exemplo, o governo chinês suspendeu a divulgação de dados de desemprego juvenil depois que o número bateu recordes por meses consecutivos. Esse “modelo chinês” foi reproduzido na Argentina dos “companheiros” Néstor e Cristina Kirchner, cujos governos manipularam escandalosamente os índices da inflação galopante e da pobreza crescente. O resultado foi uma brutal perda de credibilidade das informações oficiais.

Ninguém pode se dizer surpreendido. Pochmann é antes de tudo um quadro do PT, indicado por Lula da Silva ao IBGE não por suas qualidades como economista, que são desconhecidas, e sim em razão de sua fidelidade canina ao lulopetismo. Quem o colocou lá sabe bem o que fez.

Vitória do terrorismo

O Estado de S. Paulo

Quando afinal se pronunciou sobre a guerra Israel-Hamas, o Conselho de Segurança da ONU foi pífio

Se pretendia demonstrar ao mundo ainda ser capaz de superar suas rivalidades internas para se posicionar sobre um conflito em curso – que, afinal, é sua razão de existir –, o Conselho de Segurança da ONU fez o exato oposto no último dia 15. Ao aprovar a inócua Resolução 2.712, a primeira desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, a maioria de seus integrantes concordou subliminarmente em não responsabilizar o grupo terrorista Hamas por seu hediondo massacre em solo israelense no início de outubro. Não há no texto uma única palavra de condenação do ato de terror que motivou a reação militar de Israel na Faixa de Gaza. Ao poupar o agressor, a resolução não vale o papel em que está escrita.

A resolução é minimalista. Os membros permanentes do Conselho de Segurança recuaram em questões antes vistas como basilares – o cessar-fogo, antes exigido pela Rússia, e a condenação ao Hamas e o direito de defesa de Israel, caros aos Estados Unidos – para concentrar-se no grave contexto humanitário vivido na Faixa de Gaza desde outubro. O texto evidentemente responde ao clamor da comunidade internacional e da opinião pública diante dos milhares de mortos, da escassez de bens essenciais à vida, da migração forçada, da precária assistência médica e da destruição de infraestrutura no enclave palestino.

Entretanto, a linguagem adotada traiu seus próprios objetivos. O texto nada “exige” de ambos os lados conflagrados. Apenas “solicita” a adoção de pausas no conflito e a criação de corredores para o acesso da ajuda à população. Seja para imprimir isonomia ou para amenizar reações, pede a “imediata e incondicional” libertação dos 240 reféns mantidos nas masmorras do Hamas – como se qualquer grupo terrorista acatasse decisões do Conselho. Não poderia ser mais insosso.

A iniciativa, porém, emitiu sinais contraditórios sobre o direito de defesa, assegurado pela Carta das Nações Unidas a qualquer Estado nacional quando atacado. Não é de hoje. O mesmo Conselho de Segurança provou-se até o momento incapaz de condenar a Rússia por sua invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022. Sua dinâmica, assentada no direito ao veto dos membros permanentes (a Rússia é um deles), está no centro do esvaziamento de seu poder. Agora, porém, optou por uma frágil resolução sobre ajuda humanitária que, indisfarçavelmente, cunha o agredido como agressor e ignora a responsabilidade de quem começou a guerra. Ou seja, o Hamas, que deveria ser alvo de reprovação mundial, sobretudo no âmbito da ONU, conseguiu não só desmoralizar Israel, como também o todo-poderoso Conselho de Segurança. O terrorismo triunfou.

A aprovação de uma resolução imperativa sobre a crise humanitária, com clara condenação ao Hamas, teria imenso valor inclusive para a mitigação do sofrimento da população civil da Faixa de Gaza e a perspectiva de cessar-fogo. O texto possível, entretanto, não fez mais do que alertar o mundo de que o órgão criado depois da 2.ª Guerra para ser a polícia do mundo pouco tem a contribuir.

Deficit zero e a expectativa para 2024

Correio Braziliense

O centro das atenções políticas e econômicas na próxima semana será a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que estabelece as regras para a elaboração do Orçamento de 2024

O centro das atenções políticas e econômicas na próxima semana será a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que estabelece as regras para a elaboração do Orçamento de 2024. Por que isso é tão importante? Porque é a ancoragem das expectativas econômicas e políticas em relação ao governo Lula, passado o período de boa vontade do mercado e da opinião pública diante do que ocorreu em 8 de janeiro, quando tentou-se um golpe de Estado para destituir o governo que tomara posse.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, com seus direitos políticos cassados, apesar de manter grande influência, deixou de ser uma ameaça. O apoio por gravidade ao governo Lula de parte do centro democrático perdeu sua força de inércia. Cobra-se, agora, resultados do novo governo. Em relação à economia, isso ocorre em dois níveis: primeiro, no âmbito da grande massa empobrecida do país, que é a base eleitoral mais resiliente do presidente; segundo, no mercado propriamente dito, os atores da economia formal, principalmente os produtivos, que desejam investimentos, sobretudo em infraestrutura.

A política de deficit zero, núcleo da chamada âncora fiscal do governo, é um consenso entre as forças políticas que apoiam o governo e os agentes econômicos, com exceção do PT. Sem esse objetivo, haverá um desencontro político que pode trazer grandes prejuízos para a economia e perda de credibilidade do governo, por mudar regras do jogo que haviam sido pactuadas na tumultuada transição e que, com toda certeza, garantiram a estabilidade das nossas instituições democráticas.

O projeto com as diretrizes para 2024 ainda precisa ser votado por deputados e senadores na Comissão Mista de Orçamento (CMO). Já está atrasado, deveria ter sido aprovado em 5 de julho, mas foi adiado em razão da aprovação da reforma tributária e outras medidas que visam a elevação da arrecadação para que o deficit zero possa ser alcançado sem cortes de despesas nem investimentos.

O relator do texto, deputado Danilo Forte (União/CE), argumenta que o atraso ocorreu "para dar a oportunidade para o governo federal realizar o convencimento acerca das propostas da equipe econômica". Entretanto, a meta de deficit zero não tem apoio pleno do governo, enfrenta resistência do PT. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ganhou a queda de braço com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, mas precisa provar que a arrecadação será suficiente para bancar as despesas até março.

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) abriu as baterias contra Haddad, critica-o publicamente e apresentou emenda à LDO na qual propõe um deficit de 0,75% a 1% do PIB. É o caso de perguntar: por que não cortar 1% das despesas do governo? Qual seria o seu impacto na qualidade e na produtividade das políticas públicas? Com toda certeza, seria positivo. Espanta a recusa a se discutir essa possibilidade.

É notória a convergência entre o Congresso, o governo federal e o Judiciário para aumentar despesas. Haja vista, por exemplo, a farra com passagens aéreas nos ministérios, como foi o caso dos Direitos Humanos, que pagou a passagem da esposa de um traficante para participar de reuniões na Esplanada; a proposta dos líderes da Câmara de aumento do fundo eleitoral de 2024 de R$ 2 bilhões para R$ 5 bi; e a decisão do Conselho de Nacional de Justiça que reduz o trabalho de juízes federais para três dias na semana e renumera extraordInariamente as atividades que os obrigarem a trabalhar mais do que isso.

São três fatos recentes que ilustram a despreocupação com a austeridade no gasto de recursos públicos. O presidente Lula tem duas prioridades claras no seu governo: as políticas com foco na população de baixa renda e a retomada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É perfeitamente possível cortar 1% das despesas do governo sem mexer nisso. Como? De duas maneiras: ou bem os gestores cortam gastos desnecessários da área meio ou, se não forem capazes, a própria equipe econômica contingencia 1% das verbas do ministério incapaz de fazê-lo. Se o governo optasse por esse caminho, já estaria fortemente ancorado nas boas expectativas econômicas e políticas.

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