Folha de S. Paulo
Guerra seria desastre para o Brasil e para
integração sul-americana
Nicolás
Maduro está criando problemas sérios para Lula.
No curto período de dois meses, o presidente venezuelano rompeu o acordo que
havia celebrado com a oposição e começou uma campanha pela anexação de até 75%
da Guiana.
Lula havia visto com entusiasmo o acordo de
Barbados, assinado em outubro entre Maduro e a oposição venezuelana, sob
mediação norueguesa. O acordo previa eleições limpas
para presidente em 2024 em troca de retirada das sanções econômicas americanas
contra a Venezuela.
Semanas depois do acordo, a Suprema Corte venezuelana, retrato do que seria o STF brasileiro se o golpe de Bolsonaro tivesse funcionado, declarou nulas as primárias realizadas pela oposição para escolher sua candidata.
Pouco depois, Maduro iniciou uma campanha
pela retomada do Essequibo, território que corresponde a quase toda a
Guiana. A Venezuela argumenta que perdeu o Essequibo no século 19 por mutreta
do Império Britânico. Não duvido que seja verdade.
Sobre isso, entretanto, deve-se dizer duas
coisas: em primeiro lugar, Essequibo foi colonizado por holandeses e ingleses
desde bem antes do século 19 (e nenhuma das partes deu muita bola para a
opinião dos indígenas).
Em segundo lugar, a Guiana existe como país
independente há mais de 50 anos, com uma língua diferente da Venezuela
(inglês), sua própria cultura –grande parte da população é de origem hindu– e
uma fortíssima tradição de afirmação nacional diante do imperialismo.
A luta pela independência foi conduzida pelo
Partido Popular Progressista (o mesmo do atual presidente da Guiana). Em sua
origem, e por muitos anos, o PPP foi abertamente socialista. Isso rendeu à
Guiana atritos graves com americanos e britânicos.
A anexação do Essequibo, na prática,
extinguiria a Guiana. Isso ocorreria justamente no momento em que o país parece
ter uma chance de se desenvolver com as grandes descobertas de petróleo em sua
costa. É possível que os guianenses desperdicem essa chance? Sem dúvida. Mas
quem são os venezuelanos para falar disso? Ou, aliás, os brasileiros?
Por enquanto, a declaração de soberania da
Venezuela sobre Essequibo é tão baseada na realidade quanto a decisão de Juan Guaidó de
se autodeclarar presidente da Venezuela em 2019.
A maioria dos especialistas acha que a
Venezuela não vai invadir a Guiana. A atual escalada retórica serviria apenas
para criar uma causa que unifique os venezuelanos. Afinal, a oposição
venezuelana também apoia a anexação.
Essa foi a primeira vitória de Maduro: expôs
um lado da oposição venezuelana que deve atrair pouca simpatia da opinião
pública ocidental.
Para o Brasil, uma guerra seria um desastre.
Atrasaria por anos a integração regional, desperdiçaria a vantagem comparativa
latino-americana de relativa estabilidade geopolítica, geraria ondas de
refugiados e, no pior cenário, exigiria a intervenção militar brasileira.
Trazer os militares de volta ao centro do debate nacional tão cedo após a
derrota do bolsonarismo seria arriscado.
Nos próximos anos, o governo do PT talvez tenha
que lidar com Milei na Argentina,
Trump nos Estados
Unidos e a crise de Maduro. Aos poucos, vai ficando claro para Lula o
quanto o mundo piorou desde a última vez que ele foi presidente.
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