O Globo
Ele não defende a liberdade de expressão. Se
essa bandeira fosse do seu agrado, teria desafiado a China de Xi Jinping
Elon Musk é
um visionário bem-sucedido. Do nada, virou um dos homens mais ricos do mundo,
acreditando no carro elétrico e em variantes da revolução tecnológica. Não
inovou, como Thomas Edison, Henry Ford ou Steve Jobs. Prosperou com invenções
alheias, como Cornelius Vanderbilt e Bill Gates. Não é pouca coisa. À diferença
de outros magnatas americanos, decidiu pôr um pé na História com a arrogância
chinfrim do flibusteiro William Walker, que invadiu a Nicarágua com uma tropa
de mercenários e acabou fuzilado em 1860.
Musk decidiu desafiar o Supremo Tribunal
Federal, descumprindo em sua plataforma X as decisões da Justiça brasileira. O
ministro Alexandre de
Moraes revidou incluindo-o no inquérito que investiga as
milícias digitais.
Há alguma fanfarronice nas bandeiras
políticas hasteadas por Musk. É um homem de direita e flertou com Jair
Bolsonaro. Durante a pandemia, namorou a cloroquina. Tropeçou com falas
antissemitas, mas Henry Ford também caiu nessa. Musk é uma versão tardia do
flibusteiro Walker porque, em julho de 2020, reconheceu publicamente que apoiou
o golpe contra o presidente boliviano Evo Morales:
— Nós vamos dar golpe em quem quisermos.
Lidem com isso.
Num caso raro de sinceridade, Musk admitiu que ajudou o golpe porque tinha interesse em explorar o lítio boliviano, matéria-prima para as baterias de seus automóveis. Faz tempo empresários americanos apoiavam golpes para proteger seus bananais. Musk quer golpes para garantir o fornecimento de lítio.
Musk não defende a liberdade de expressão. Se
essa bandeira fosse do seu agrado, teria desafiado a China de Xi Jinping. Ele
gosta de holofotes e, por algum motivo, resolveu encrencar com a Justiça
brasileira. Deu um mau passo, pois associou a defesa das plataformas de redes
sociais ao golpismo explícito: “Lidem com isso”.
Lidando com isso, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, pediu ao seu colega Arthur Lira que saia de cima do projeto
que regula as plataformas digitais. Votado no Senado, ele dorme há três anos na
Câmara.
As big techs lutam contra essa regulamentação
associando leviandade à arrogância. Musk pode ter ajudado a destravar o debate.
Com ele virão inevitavelmente propostas disfarçadas de censura. Uma agência do
governo já se ofereceu para o papel de fiscal das redes. É meio caminho para a
censura, mas deve-se reconhecer que, em janeiro de 2023, as redes sociais eram
usadas para convocar golpistas para a “Festa da Selma”, explicitamente para
incentivar a invasão do Palácio do Planalto. Centenas de pessoas foram presas,
mas nenhum diretor de big tech viu-se responsabilizado.
Se a “Festa da Selma” tivesse prevalecido,
Musk poderia ter dito:
— Nós vamos dar golpe em quem quisermos.
O doutor levou água para o monjolo de quem
quer regulamentar as redes no interesse do governo. Pena, porque, no limite,
entre um fanfarrão como Musk e um comissário de olho nas limitações da
liberdade de expressão, fortaleceu-se o comissário.
Nem todo defensor da liberdade das redes é um golpista como Musk, e nem todo golpista está de olho apenas nos próprios negócios. O doutor, como os americanos que azucrinaram a vida dos latino-americanos no fim do século XIX e no início do XX, é um golpista tardio, exibicionista primitivo.
2 comentários:
Excelente!
Uma pequena correção no final: "os americanos [estadunidenses] que azucrinaram a vida dos latino-americanos no fim do século XIX e no início do XX" continuaram fazendo isto intensamente na SEGUNDA METADE do século XX e espionando autoridades destes países até 10/04/2024.
Verdade,se fosse só até o início do séc XX seria menos ruim.
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