O Globo
Se ir ao STF como forma de reabrir negociações políticas virar prática recorrente, a palavra da Corte ficará desmoralizada
Dois episódios desta semana reforçam a ideia,
bastante disseminada no Congresso e em setores da sociedade, igualmente
deletéria para a harmonia entre os Poderes, de que o governo Lula enxerga o
Supremo Tribunal Federal (STF) como uma instância para dirimir conflitos e
garantir a implementação de sua agenda.
Numa decisão para lá de acochambrada, a Corte
determinou, pelo maiúsculo placar de 8 votos a 3, que a Lei das Estatais, de
2016, não só é constitucional como representou um avanço importante na
governança de empresas públicas e de economia mista e de suas subsidiárias.
Um após outro, os oito ministros que votaram pela manutenção do dispositivo da lei que vedou a indicação de dirigentes partidários e de quem participou ativamente de campanhas políticas para a diretoria e para os conselhos dessas empresas foram pródigos em elogios quanto aos aspectos republicanos da legislação.
Mas, para justificar manterem por mais de um
ano em vigor uma liminar dada pelo hoje ministro da Justiça Ricardo Lewandowski
em março do ano passado suspendendo esses dispositivos da lei, fizeram um
puxadinho inacreditável. Mais ou menos o seguinte: a lei é constitucional, as
vedações são desejáveis, mas pode. Quem entrou na janela Lewandowski fica para
evitar “instabilidade”, vejam só. Como se esse tipo de postura da Corte, que
tem a obrigação de decidir a tempo e hora a respeito dos aspectos constitucionais,
não fosse uma imensa instabilidade jurídica.
Esse tipo de expediente — decisão monocrática
em tema vital, permanência da decisão precária por tempo demais e, depois,
reviravoltas no mérito atenuadas por soluções heterodoxas — ajuda apenas a
tisnar a imagem do STF e a minar a confiança da população na independência do
Judiciário em relação às mudanças do vento da política.
Houve oito anos entre a promulgação de uma
lei dessa envergadura e a decisão salomônica. Nada é capaz de fazer o cidadão
comum entender e concordar que os ministros não tiveram tempo antes para
analisar o mérito de uma questão crucial para empresas do porte da Petrobras,
do Banco do Brasil, da Caixa e outras.
Outro caso em que o governo foi ao STF,
obteve vitória em desalinho com uma decisão do Congresso e, depois, promoveu
nova reviravolta foi a novela das desonerações da folha de pagamento de 17
setores da economia.
Depois de sucessivas derrotas na Câmara e no
Senado, a despeito da insistência do Executivo na tese de que a manutenção da
desoneração até 2027 era inconstitucional, o governo judicializou a questão e
venceu. Numa liminar do ministro Cristiano Zanin, a desoneração caiu, e, na
votação do mérito, a Corte estava prestes a formar maioria a favor da tese da
administração Lula, quando o ministro Luiz Fux parou a bola com um pedido de
vista.
Pois, munido da expectativa de vitória na
Justiça, o governo voltou à mesa de negociações e aprovou uma reoneração
gradual da folha. Ora, se o benefício era inconstitucional a ponto de autorizar
tamanho desgaste com o Congresso e um recurso ao STF, que reconheceu a justiça
do argumento, como, então, explicar a preservação do benefício, ainda que
parcialmente, em alguns casos até 2028?
Como fica o papel do Supremo, chamado a
arbitrar uma queda de braço e, depois, deixado de lado quando as partes não
precisam mais de sua opinião a respeito, pois fizeram justamente aquilo que
deveriam ter feito desde o início: negociar?
Com a palavra, os ministros. Se ir ao STF
como forma de reabrir negociações políticas virar prática recorrente, a palavra
da Corte ficará desmoralizada, e sua indicação do que fere a Constituição
relativizada. A mesma Carta estabelece que cabe ao governo governar e ao
Congresso legislar. O terceiro Poder não pode ser aquele para desempatar o jogo
quando a política travar.
2 comentários:
Hahahahahahah
Okays
😏😏😏
Com o congresso que temos,o Supremo tem sido a voz da razão.
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