Folha de S. Paulo
Império de Castor de Andrade sofre com novos
tempos e guerra territorial
Aquele Pinguim não dava a mínima para Gotham
City. Seu território era a Glória, onde gerenciava a banca do bicho. Com
sapatos de bico fino bicolores que lhe apertavam os calos, equilibrava-se com
dificuldade —daí o apelido. Apesar de receber todo o dinheiro do movimento de
apostas, não andava armado. Às terças, como se cumprisse um ritual, entrava no
botequim e, com voz baixa, pedia: "Uma Caracu e dois ovos no
liquidificador". Combustível para o encontro, à tarde, com a amante
novinha.
Eram os anos 1970, quando o negócio estava nas mãos de Castor de Andrade, capo di tutti i capi, que tinha, em sua fortaleza em Bangu, uma linha direta com a cúpula do regime militar.
O bicho ainda manda no Brasil. No Rio, os
banqueiros exploram, com faturamento de milhões, mais de 40 pontos de apostas
—da zona sul a cidades da Baixada—, 10 mil máquinas caça-níqueis, rede de
bingos e cassinos clandestinos. O pagamento é feito em maquininhas ou via Pix.
A pule de papel com o carimbo "vale o escrito", que afirmava a
confiabilidade da transação, é passado.
Os novos tempos, contudo, desfizeram a
harmonia entre os chefes. A situação saiu de controle com a disputa sanguinária
por territórios. A guerra pelo espólio
de Castor de Andrade já dura duas décadas.
Depois de ter sido solto pelo STF, com relatório favorável do ministro Nunes
Marques, Rogério Andrade voltou a ser preso, acusado de mandar matar outro
contraventor, Fernando Iggnácio, em 2020. Segundo investigações do MP-RJ, o
sobrinho do capo ordenou a execução do rival em mensagens de app
criptografadas: "O Cabeludo é o que interessa", referência ao vulgo
de Iggnácio.
A modernidade, que facilita o modo de matar,
também pode apressar o fim do bicho. Hoje a concorrência de outros tipos de
jogatina é enorme. Não por acaso, a bancada do tigrinho no Congresso —que
defende os sites de apostas e a instalação de cassinos— quer transformar o
império de Castor numa simples bet. Com sorte, os bicheiros no futuro poderão
funcionar como atração turística, exibindo os sapatos bicolores, as camisas de
seda, os cordões de ouro e a arte de desenhar números no maior capricho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário