Volta de Trump traz retrocesso na agenda ambiental
O Globo
Mas isso não deve deter Brasil na busca por
protagonismo no combate às mudanças climáticas
A volta de Donald Trump à
Casa Branca representa retrocesso inequívoco no combate às mudanças
climáticas. Em seu primeiro governo, ele cancelou mais de cem normas
ambientais e retirou do Acordo de Paris os Estados
Unidos, maior emissor per capita de gases de efeito estufa. Joe
Biden aderiu novamente ao pacto global e promulgou a lei mais ambiciosa para
reduzir emissões. Na campanha eleitoral, Trump prometeu “eliminar” essa
legislação, destinada a promover a transição de combustíveis fósseis a veículos
elétricos e energia limpa. Também declarou que cancelará regras para reduzir
emissões de usinas geradoras, proteger espécies ameaçadas e limitar a poluição
do ar e da água. Para não falar na perspectiva concreta de nova saída do Acordo
de Paris.
O momento não poderia ser pior. O ano de 2024 foi didático. Exacerbado pelas mudanças climáticas, o fenômeno conhecido como El Niño deixou um rastro de destruição, com enchentes sem paralelo no Rio Grande do Sul, seca e incêndios florestais por todo o país. No mundo, tragédias climáticas se tornam mais frequentes e mais intensas — a última catástrofe foram as chuvas que devastaram Valência, na Espanha. A despeito de Trump, o aquecimento global não sairá do rol das maiores preocupações e representa perigo concreto para o Brasil. Nenhum dos contrassensos que vier de Washington deve ser motivo de distração para o governo brasileiro nessa pauta.
O Banco Mundial estima que eventos extremos
foram responsáveis por reduzir o PIB brasileiro em 0,13 ponto percentual por
ano, ao longo dos últimos 20 anos. Olhando para a frente, esse prejuízo só
deverá aumentar. “A agricultura e a produção de energia são setores-chave em
risco, com potenciais repercussões para o setor financeiro”, escreveram os
autores de um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o
Brasil e o clima.
O agronegócio brasileiro, setor mais
vulnerável ao clima, representa 25% do PIB e 49% das exportações. Pela última
estimativa do IBGE, a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas de
2024 será 6,4% (ou 20,2 milhões de toneladas) inferior à de 2023. A queda já
pesa no bolso da população. De acordo com o Banco Central, a inflação de
alimentos acumulada em 12 meses continua em alta. A conta da eletricidade
também tem subido devido ao clima. As hidrelétricas respondem por 60% da
eletricidade brasileira e, cada vez que os reservatórios baixam muito por falta
de chuvas, geram menos. Para cobrir a lacuna, é preciso acionar fontes mais
caras, e os preços sobem. No mercado financeiro, diz o FMI, 20% do portfólio de
crédito dos bancos em operação no Brasil está exposto a setores vulneráveis ao
aquecimento global.
As estratégias para superar esses desafios
são conhecidas. A primeira é eliminar o desmatamento na Amazônia e demais
biomas quanto antes. O Brasil é talvez o único país do mundo com potencial de
fazer uma grande redução de emissões dos gases de efeito estufa sem prejuízos à
economia. Basta o combate implacável ao desmatamento, com ações efetivas para
punir os criminosos. Investimentos em adaptação para a agricultura também são
urgentes. Com medidas adequadas, é possível compensar as perdas causadas por enchentes
ou secas. O Brasil tem plenas condições de ser protagonista da revolução verde
da economia mundial. E Trump em nada muda essa realidade.
Dino exagerou ao banir livros jurídicos,
apesar do conteúdo preconceituoso
O Globo
Ainda que frases nas obras sejam abjetas, não
deveria caber à Justiça decidir o que universitários podem ler
Atendendo a pedido do Ministério Público, o
ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal (STF),
mandou retirar de circulação quatro livros jurídicos com conteúdo
preconceituoso e machista. Determinou ainda que a editora e os dois autores das
obras, publicadas em 2008 e 2009, paguem indenização de R$ 150 mil por danos
morais e coletivos. Os livros poderão voltar a circular, desde que sejam
suprimidos trechos que Dino julgou incompatíveis com a Constituição. A
determinação vale para exemplares à venda e bibliotecas.
Dino negou que a decisão represente censura.
Argumentou que trechos dos livros ferem a Constituição. “Entendo que as obras
jurídicas adversadas não estão albergadas pelo manto da liberdade de
expressão”, escreveu. Não há dúvida de que certas passagens transbordam
preconceito. Há trechos homofóbicos, sem nenhum amparo científico, a respeito
da propagação da aids, raciocínios tortos e machistas inaceitáveis a respeito
da relação entre homens e mulheres e outras barbaridades.
É verdade que são passagens abjetas. E a
decisão de Dino segue a jurisprudência do Supremo, que equipara condutas
homofóbicas e transfóbicas ao crime de racismo. Não estão, portanto, amparadas
pelo direito à liberdade de expressão. Mas, por mais que a intenção seja
resguardar direitos de minorias e rechaçar o preconceito, não parece razoável
banir ou destruir livros devido a conteúdos questionáveis.
É difícil equilibrar-se entre a liberdade de
expressão e outros direitos fundamentais. Os limites nem sempre são claros e
sempre estão sujeitos a interpretações subjetivas. Em 2016, o Tribunal Regional
Federal da 4ª Região foi contra banir os livros, entendendo que os trechos
questionados estão dispersos e não têm potencial para disseminar ódio. As obras
não são destinadas a crianças em formação, mas a adultos com discernimento. A
controvérsia só surgiu quando alunos da Universidade Estadual de Londrina (PR)
identificaram o conteúdo homofóbico, e os exemplares foram recolhidos.
A melhor forma de restringir o acesso a tais
livros é por meio de decisões pedagógicas das instituições de ensino. Como
princípio, não cabe à Justiça ou ao Estado editar trechos de obras jurídicas,
técnicas, literárias ou dizer o que estudantes podem ler. Quando casos graves
chegam ao STF, deveriam ser submetidos ao plenário e julgados com bom senso.
Uma coisa é um panfleto racista ou ou um post preconceituoso que alcança
milhões numa rede social. Outra são frases esparsas no meio de um livro. Há
dezenas em obras-primas da literatura ou mesmo em textos sagrados para
religiões. Também deveriam ser proibidos?
Congresso só maquia a farra das emendas
Folha de S. Paulo
Projeto aprovado adequa desembolsos a
exigências de transparência do STF, mas preserva valores destinados a
beneficiar parlamentares
Em agosto, o Supremo
Tribunal Federal suspendeu por bons motivos o pagamento de um
certo tipo de emendas
incluídas por parlamentares no Orçamento da União.
Com as ditas emendas Pix, deputados
e senadores poderiam destinar recursos da União para governos locais sem a
necessidade de especificar o projeto em questão, entre outras facilidades de
ocultação do dinheiro público. Tais transferências, na prática, são apropriação
arbitrária de verba pública a fim de irrigar regiões de interesse político.
Tal escândalo de procedimento, por vezes
também manchado de suspeitas de corrupção,
foi atenuado por um projeto
aprovado na terça-feira (5) pela Câmara dos
Deputados, às pressas, a fim de satisfazer exigências do STF.
O Senado prevê
votar a mudança já na próxima semana. Os parlamentares querem resolver suas
transações opacas também com pouco escrutínio público.
O projeto prevê que as Pix, a exemplo das
demais emendas, agora deverão ter objeto e valor especificados; serão
fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da
União; a prefeitura ou o estado agraciado precisará reportar em que
conta está a verba, além de informar ao Legislativo local o que será feito dela
e em qual prazo.
Entretanto, caso não o façam ou cumpram o
requisito apenas de modo vago e formal, não há punição determinada.
Entre outros ajustes, há critérios apenas
genéricos para a destinação do valor de emendas para linhas de projetos
prioritários ou "estruturantes".
No mais, o projeto não dá conta dos problemas
de base do processo orçamentário. Pouco se altera o cenário atual no que diz
respeito à fatia da despesa federal abocanhada pelos parlamentares.
Nos últimos anos, o Congresso decidiu
que o pagamento de emendas individuais e de bancada seria obrigatório e que seu
valor mínimo seria vinculado a uma parcela da receita do governo. A partir de
2026, tais despesas crescerão no mesmo ritmo estipulado na regra fiscal —70% do
aumento da receita, com teto de 2,5%, acima da inflação.
Estarão sujeitas a contingenciamento, mas não
a bloqueio definitivo, omissão grave. O valor das emendas de comissão será
reajustado pela inflação.
O valor pago em gastos definidos por
deputados e senadores equivale a algo entre um quarto e um terço dos
investimentos federais. O projeto na prática congela esse estado aberrante de
coisas —sem rever a
lassidão com que esses recursos são tratados.
Faltam normas de estabelecimento de
prioridades sociais e econômicas ou de justificação técnica da destinação de
verba. Parlamentares podem decidir o emprego de grandes somas sem ter de
explicar resultados.
Fatiam o
Orçamento, dificultam investimentos de interesse nacional e ficam
isentos de responsabilização. Recebem, assim, mais uma espécie de fundo
eleitoral ou partidário para alimentar suas bases e carreiras políticas.
Desmatamento cai, mas continua distante do
zero
Folha de S. Paulo
Governo Lula obtém bons resultados na
amazônia e no cerrado, mas precisa acelerar para cumprir a meta estipulada para
2030
A comitiva brasileira desembarca nesta
segunda-feira (11) em Baku, no Azerbaijão,
com um trunfo para a COP29: recuaram as
taxas de desmatamento na amazônia e
no cerrado.
Sede da próxima cúpula do clima,
a COP30,
em Belém,
o país teria, contudo, de dar passos bem mais largos para se firmar como a
liderança verde que almeja ser.
Na Amazônia Legal, o corte raso medido pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais caiu 30,6% de 2023 para 2024. No
cerrado, ora o bioma mais ameaçado do Brasil, a queda é de 25,7%.
A reunião de chefes de Estado e ministros
começa em atmosfera
fúnebre com a eleição de Donald Trump. Como em seu primeiro mandato
(2017-20), o republicano promete tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris
(2015) e até da Convenção do Clima da ONU.
O esforço internacional para mitigar o
aquecimento global perderia, nessa hipótese, o empenho do segundo maior emissor
mundial de carbono. Cresce, por contraste, o peso relativo do Brasil, que, no
entanto, aumentou emissões nos últimos cinco anos.
Levantamento da London School of Economics
indicou que o país, distante 13º poluidor climático global, não se encontra em
trajetória sequer para cumprir o compromisso assumido em Paris. E, menos ainda,
a meta do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) de zerar o desmate até 2030.
Perda de vegetação natural e agropecuária,
juntas, respondem por dois terços do carbono emitido no Brasil. Chega como
ótima notícia, assim, que em 2023 a emissão tenha
recuado 12%, em linha com o desmatamento em queda —mas as áreas
devastadas, por óbvio, ainda preocupam.
Perderam-se 6.288 km2 de floresta
amazônica, mais que o quádruplo da área do município de São Paulo, o menor
índice em nove anos. No cerrado, bioma que tem metade da extensão da Amazônia,
a superfície desflorestada foi maior: 8.174 km2.
Embora no rumo certo, o governo brasileiro
precisa fazer mais. Faltam apenas seis anos para cumprir a meta assumida
de desmatamento
zero em 2030.
Seria irresponsável regozijar-se com o feito
nada desprezível de reduções na destruição de florestas por dois anos
consecutivos. Elas totalizaram 45% de diminuição sobre o período de Jair
Bolsonaro (PL) no Planalto (2019-22).
Com a maior floresta tropical do mundo e
matriz energética limpa, o Brasil reúne condições para ser uma potência
ambiental. Para brilhar em Belém, precisa se decidir entre os objetivos de
preservar a amazônia e explorar jazidas de combustíveis fósseis na sua margem
equatorial.
Disciplina não é opcional para os militares
O Estado de S. Paulo
Diretriz do Exército para conter politização
é bem-vinda. Mas nenhum militar indisciplinado o é por falta de vedação
normativa. Punição dos transgressores é que mantém a tropa na linha
O Exército publicou em seu Boletim do
dia 1.º de novembro uma diretriz cujo objetivo é “fortalecer nos integrantes do
Exército, em todos os escalões, o entendimento e a aplicação da ética
profissional e da liderança militar”. Na prática, o chefe do Estado-Maior,
general Richard Nunes, espera que as novas instruções contenham a evidente
politização de parte da tropa, mantendo-a coesa em torno dos “objetivos
institucionais” da Força Terrestre.
Vê-se que, de fato, há um sério problema no
seio do Exército quando um compromisso comezinho dos militares como esse –
atuar com ética e respeitar a hierarquia – precisa ser reforçado por escrito
pelo Estado-Maior, com o óbvio respaldo do comandante Tomás Paiva, entre os
soldados. O chamado “pundonor militar” sempre foi ponto de honra para os
membros do Exército, da ativa ou da reserva. Embora registradas em leis, normas
e regulamentos, honra e ética nunca precisaram ser impostas ou lembradas – até
a contaminação das Forças Armadas pelo golpismo de Jair Bolsonaro.
Dito isso, é louvável que, na prática, o
documento publicado pelo general Richard sirva para relembrar aos seus
companheiros de Exército, “fardados ou não”, como ele fez questão de enfatizar,
que a disciplina e o respeito à hierarquia não são opcionais para os homens e
mulheres de farda. Preocupado, com razão, com a desordem informacional que
grassa no ambiente digital, ao qual os militares, como quaisquer cidadãos, têm
acesso, o chefe do Estado-Maior ressaltou a importância de “desenvolver o
pensamento crítico do militar, com base nos preceitos da ética profissional,
para adequar-se ao ambiente virtual”.
A despeito da pertinência do alerta e da
correção do objetivo, é forçoso dizer que o papel aceita tudo. Convém recordar
que não foi por falta de leis, normas ou códigos de ética que militares
indisciplinados, no melhor cenário, e sediciosos, no pior, afrontaram os
valores das Forças Armadas e, no limite, o Estado Democrático de Direito.
Regras, evidentemente, são fundamentais, mas viram letra morta quando aqueles
que as violam, em alguns casos flagrantemente, não são punidos como deveriam.
Recorde-se, à guisa de exemplo, a leniência
com que o Exército tratou a indisciplina do então general da ativa Eduardo
Pazuello, hoje deputado federal. Em maio de 2021, o intendente Pazuello subiu e
discursou em um palanque ao lado de Bolsonaro, no Rio, durante um ato que se
prestou a uma espécie de desagravo após seu depoimento à CPI da Covid, no
Senado. A óbvia violação do Regulamento Disciplinar do Exército e do Estatuto
das Forças Armadas, que vedam taxativamente a presença de militares da ativa em
atos de cunho político-partidário, ficou impune. O comandante do Exército na
ocasião, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou o processo
disciplinar aberto contra Pazuello por entender que “não restou caracterizada a
prática de transgressão disciplinar”.
O caso Pazuello é paradigmático porque
exemplifica, de forma gritante, o problema que se impõe à instituição – e que
não será apenas uma nova diretriz que vai resolver. A leniência com a qual a
indisciplina do hoje deputado foi tratada enviou uma mensagem perigosa de que o
desrespeito à hierarquia e à ética pode passar impune quando certos interesses
políticos estão em jogo. O compromisso com a ética e a disciplina que se espera
das Forças Armadas não deve ser mera promessa, tampouco formalidade, mas sim uma
prática assegurada por punições efetivas e rigorosas contra qualquer
transgressor, independentemente de seu posto ou de suas relações políticas.
A politização faz mal para as Forças Armadas.
Toda iniciativa para evitá-la é bem-vinda e será apoiada por este jornal.
Porém, mais do que normas e regulamentos, que ademais já existem, só a punição
efetiva dos transgressores terá o condão de manter as Forças Armadas, o
Exército em particular, no trilho da normalidade institucional e,
principalmente, dentro dos estritos limites de atuação que a Constituição fixou
para os militares no regime democrático.
A intolerável morte do menino Ryan
O Estado de S. Paulo
Enquanto brincava, criança de 4 anos morreu
em Santos durante confronto entre PMs e suspeitos; tudo indica que disparo
partiu da polícia, que deveria seguir protocolos e proteger cidadãos
A morte de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4
anos, durante um confronto entre a Polícia Militar (PM) e suspeitos de
envolvimento com o crime na Baixada Santista, simboliza o fracasso de parte das
forças de segurança de São Paulo. É intolerável que agentes do Estado coloquem
inocentes em risco. Para piorar, segundo as autoridades, tudo indica que o
disparo que matou a criança partiu da arma de um policial.
O episódio ocorrido no Morro do São Bento, em
Santos, expõe o ciclo vicioso da violência. Ryan foi atingido no abdômen
enquanto brincava na rua, foi socorrido e não resistiu. No início deste ano,
seu pai também morreu numa ação policial na região. O homem, uma pessoa com
deficiência física de 36 anos que usava muletas, teria apontado uma arma para
os agentes, segundo os policiais. Trata-se de uma tragédia familiar.
Na recente investida, policiais patrulhavam
uma área suspeita de servir ao tráfico quando foram recebidos a tiros por cerca
de dez homens. Dois adolescentes foram atingidos; um deles morreu. Uma jovem
levou um tiro de raspão. O histórico da região exigia planejamento e prevenção.
Foi na Baixada que a Operação Verão deixou 56 mortos no início de 2024. No ano
passado, a Operação Escudo, deflagrada após a morte de um policial, registrou
28 óbitos.
Como era de esperar, o caso Ryan gerou
reação. Ao participar de uma audiência na Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo (Alesp), o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, disse
que não faria “palanque político” com a morte do menino, lamentou o caso e
afirmou que “nenhum policial” em São Paulo “está feliz”. Não basta lamentar, é
seu dever evitar que inocentes sejam vitimados durante intervenções policiais.
A receita para isso está nas boas práticas da
PM, nas leis e na Constituição. Basta seguir esses ensinamentos, que foram
oportunamente relembrados em nota pública da Ouvidoria da Polícia, do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto Sou da Paz. Segundo as
entidades, “aparentemente, a gestão e os agentes policiais que atuam em locais
empobrecidos abandonaram o uso dos protocolos”. Na nota, citaram outros casos
de inocentes vitimados em outras ações e pontuaram que a polícia precisa ser capaz
de atacar a cúpula do crime organizado, evitando mais violência e mortes. Mas,
ao menos em relação às mortes, o que se vê na atual gestão é o inverso.
A PM matou 496 pessoas entre janeiro e
setembro deste ano, uma alta de 75% em relação ao mesmo período de 2023, quando
houve 283 óbitos. O governo alega que as mortes “são resultado da reação de
suspeitos à ação da polícia”. Pode até ser, mas dificilmente a sociedade
saberá. Não raras vezes, as imagens das operações policiais não têm sido
registradas, seja porque nem todos os batalhões dispõem das câmeras corporais
para todos os seus agentes de campo, como é o caso do 6.º Batalhão da PM de
Santos, seja porque os próprios policiais as desligam ou usam outros
subterfúgios para manter suas condutas ao abrigo de qualquer escrutínio.
Aos suspeitos que fugiram do confronto, o
comandante da PM na Baixada, Rogério Nery Machado, promete uma caçada. Segundo
ele, “a polícia não vai descansar” enquanto não prendê-los, é uma “questão de
honra”. Machado admitiu o risco de escalada da tensão, mas disse que a polícia
atua de “maneira técnica e pontual”. Relatos de intimidação no sepultamento de
Ryan, no entanto, não confirmam essa orientação.
De acordo com Samira Bueno,
diretora-executiva do FBSP, que esteve no enterro, viaturas estavam presentes
na cerimônia e chegaram a dificultar o cortejo. Para ela, não chamou a atenção
“a presença da polícia, mas a hostilidade da polícia”. A Secretaria da
Segurança Pública afirmou que a PM vai analisar as denúncias de possível
intimidação.
Esse caso inadmissível merece investigação
rigorosa. É dever da PM proteger a sociedade e enfrentar o crime com protocolo,
inteligência e respeito à lei. Nenhum inocente pode pagar pela incompetência ou
truculência de alguns agentes. E o combate ao crime se pauta pela legalidade,
não pela “honra”.
Insensato incentivo ao consumo
O Estado de S. Paulo
Avanço da inadimplência é sinal de que é
imprudente o estímulo ao aumento de gastos
O resultado mais recente da Pesquisa de
Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) confirmou tendência que vem
se delineando nos últimos meses de queda no endividamento das famílias ao mesmo
tempo que aumenta a inadimplência. O porcentual de endividados, que em maio e
junho deste ano chegou a 78,8%, vem caindo gradativamente e em outubro ficou em
76,9%. Já a inadimplência faz o caminho inverso e em outubro chegou a 29,3%, o
maior nível em um ano. Entre os mais vulneráveis foi ainda maior, alcançando
37,7%.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC),
que faz o monitoramento mensal, prevê que neste bimestre o endividamento volte
a aumentar, por causa das compras tradicionais de fim de ano, mas os detalhes
revelados pela pesquisa causam apreensão. Tome-se, por exemplo, a parcela de
famílias com dívidas em atraso por mais de 90 dias, que cresce mês a mês e já
chega a 50,4% do total dos endividados, o maior porcentual desde fevereiro de
2018. Além disso, 20,5% declararam ter mais da metade de seus rendimentos comprometidos
com dívidas.
O fato de dados como esses apontarem para um
evidente beco sem saída torna inadmissível o incentivo persistente do governo
Lula da Silva ao crédito e ao consumo como única via de crescimento. A mesma
imprudência que está empurrando o endividamento público para algo em torno de
80% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do ano faz o governo estimular o
aumento do crédito privado.
Subsídios à indústria automotiva são
recorrentes para elevar o consumo. No ano passado, houve o corte do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e do PIS/Confins para tentar reduzir
preços. Neste ano, veio o Programa Mover, para concessão de créditos para
abater tributos até 2028. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores (Anfavea), as vendas de carros tiveram em outubro o
melhor desempenho dos últimos dez anos. Boa parte das vendas depende de
financiamento, o que eleva o endividamento privado.
A alta do PIB, puxada pelo consumo das
famílias e do governo, poderia ser considerada positiva, não fosse o alto risco
de insustentabilidade. E esse é o maior problema do atual governo: seu o
horizonte de planejamento é estreito, como o provam as muitas medidas de efeito
temporário que são anunciadas a título de enfrentar o desequilíbrio fiscal.
A pesquisa da CNC mostra que 12,6% das
famílias endividadas afirmaram não ter condições de quitar seus débitos, também
o maior índice desde outubro do ano passado. Um maior rigor fiscal do governo
poderia frear o aumento da taxa básica de juros, o que, ao longo do tempo,
representaria um alívio aos consumidores. Ao invés disso, a gastança pública
continua a empurrar os juros para cima.
O aumento da inadimplência dos consumidores,
mesmo diante do pequeno recuo no endividamento das famílias, é um sinal que
merece ser observado com atenção. Ao basear seu plano de crescimento econômico
na intensificação de gastos, tanto públicos quanto privados, Lula da Silva
parece montar uma armadilha que tem na insolvência seu final mais provável.
Negacionismo climático é ameaça para todos
Correio Braziliense
China e União Europeia provavelmente
assumirão um papel de liderança nas negociações climáticas, mas a falta de
cooperação dos EUA enfraquece o progresso nas cúpulas climáticas internacionais
O negacionismo em relação ao aquecimento
global e suas consequências para o planeta ganhará um novo impulso com a
eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. Suas consequências
não decorreram apenas das decisões de Trump, mas também do incentivo a outros
atores negacionistas espalhados pelo mundo, inclusive aqui no Brasil.
Trata-se da rejeição ou negação da
existência, das causas, da gravidade ou das consequências das mudanças
climáticas. Há evidências científicas de que o aquecimento global é real,
decorre das atividades humanas e tem consequências sérias para o planeta. Entretanto,
muitos acham que é um fenômeno apenas natural, que não decorre da queima de
combustíveis fósseis.
O clima está mudando, demonstram os eventos
extremos ocorridos recentemente, como as enchentes no Rio Grande do Sul, aqui
no Brasil, e em Valência, na Espanha. Mas o negacionismo rejeita o impacto da
atividade humana nesses fenômenos. Tudo seria consequência de ciclos naturais
da Terra e variações do sistema solar, segundo essa perspectiva.
Na verdade, há grandes interesses econômicos
por trás do negacionismo, principalmente os da cadeia produtiva do carbono
(petróleo e gás, principalmente), que se opõem à regulamentação ambiental
que limite essas atividades. São esses interesses que financiam e fomentam a
desinformação e argumentos pseudocientíficos. As principais consequências são o
retardo de medidas para combater o aquecimento global e, sobretudo, eventos
climáticos extremos, aumento do nível do mar, perda de biodiversidade e impactos
na saúde humana.
Nesse contexto, eleito nos Estados Unidos,
Trump pode ser um grande entrave aos esforços para conter o aquecimento global.
Em 2017, no seu governo, os EUA saíram do Acordo de Paris. Agora, isso
pode se repetir. Como maior emissor histórico de gases de efeito estufa (GHG),
o país, ao retomar essa postura, minaria a confiança no acordo e os esforços
internacionais coordenados para conter o aquecimento global. A retirada dos EUA
torna mais difícil alcançar as metas climáticas globais.
Quando foi presidente, Trump incentivou a
extração de carvão, petróleo e gás natural e eliminou regulações ambientais que
protegiam áreas públicas e ecossistemas frágeis, como o Clean Power Plan (Plano
de Energia Limpa), de Obama, que visava reduzir as emissões de carbono das
usinas de energia. Retomado por Biden, esse plano deve subir no telhado mais
uma vez. Mais de 100 regulações ambientais, incluindo proteções para cursos
d'água, florestas, espécies ameaçadas e padrões de eficiência de veículos, correm
o risco de serem revogadas novamente.
Além de prejudicar os esforços dos EUA
para reduzir suas emissões de carbono, Trump aumentou a degradação ambiental em
diversas regiões, com efeitos a longo prazo sobre a saúde pública e os
ecossistemas. Chegou a questionar o papel das mudanças climáticas em eventos
extremos. O aquecimento global seria uma "farsa" ou
"invenção".
China e União Europeia provavelmente assumirão um papel de liderança nas negociações climáticas, mas a falta de cooperação dos Estados Unidos enfraquece o progresso nas cúpulas climáticas internacionais. Para o Brasil, que se prepara para sediar a 30ª Conferência Mundial do Clima, em novembro do próximo ano, em Belém do Pará, o novo contexto criado pela eleição de Trump exigirá esforços redobrados para garantir o sucesso do evento. Exigirá, sobretudo, o exemplo.
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