sábado, 7 de dezembro de 2024

A economia não funciona sem o mercado – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O crescimento não é sustentável a médio prazo se continuar baseado na expansão do gasto e da dívida pública

Não há contradição entre o pibão e o dólar a R$ 6.

Não há contradição entre aplaudir o crescimento atual e manifestar preocupação com os próximos dois anos. Não há contradição entre a economia real e o mercado financeiro, como se este pudesse ir bem se o país estivesse em frangalhos. O mercado apoia a economia real.

Eis um exemplo: neste ano, as companhias aumentaram o financiamento tomado no mercado de capitais, mediante a emissão de debêntures ou outras operações. Investidores no mercado compram os papéis das empresas e ganham com isso. As companhias se financiam a prazo mais longo e a juros menores que nos bancos.

Bobagem, portanto, dizer que o mercado financeiro joga contra o país real. Isso seria jogar contra as empresas, participantes vitais do mercado como tomadores ou investidores. 

Outro exemplo: estão em forte expansão no país as concessões de obras e serviços à iniciativa privada. Governos estaduais concedem rodovias, ferrovias, saneamento, para citar os setores mais importantes. Mesmo o governo federal tem feito concessões. Essas operações são estruturadas no mercado. As concessionárias buscam ali o capital para tocar os negócios. Dito de maneira simples: não há mercado financeiro sem companhias e pessoas atuando na economia real. E inversamente.

Os fundos de previdência — como Petros e Previ, dois gigantes estatais — estão no mercado, buscando oportunidades de investimento que garantam a aposentadoria de seus associados. Dependem de existir bons negócios em que investir. Todos os fundos torcem a favor das empresas e, pois, da economia em geral.

Se é assim, e se a economia cresce com as empresas, por que o nervosismo no mercado? Porque se esperava um pacote de corte de gastos mais consistente. O mercado acreditava que o ministro Fernando Haddad conseguiria impor ao governo um bom programa de ajuste.

No ponto de partida, havia ampla concordância entre o pessoal do mercado e Haddad, no seguinte sentido: o arcabouço fiscal precisa de uma redução no crescimento das despesas para se manter de pé. Por isso Haddad, como ele diz, gastou tempo, energia e criatividade na preparação do programa. Para o mercado, o ministro estava na direção correta, procurando corrigir o ponto crítico, que está no crescimento acelerado, acima do padrão do arcabouço, das despesas obrigatórias (Previdência, salários, Bolsa Família e demais programas sociais).

Se não houvesse problema algum, não precisaria passar o pente-fino no Bolsa Família e nos programas sociais, além de reduzir o ritmo de crescimento real do salário mínimo. Daí vem a decepção do mercado. Esperava-se algo mais substancial. Tanto que as projeções do dólar para este ano e o próximo estavam bem abaixo dos R$ 6. Para a taxa básica de juros, a expectativa dominante indicava um máximo de 13%, voltando a cair já no próximo ano.

Quando veio um pacote meia-boca, o mercado foi pego no contrapé. A redução de gastos será menor, de maneira que a dívida pública crescerá mais. Dívida em alta equivale a mais juros, dólar mais pressionado e inflação. Tudo, juros e câmbio, foi ajustado para cima. Fundos perderam dinheiro.

Ainda assim, o pessoal entende que é melhor meio pacote do que pacote nenhum. Quando surgiram informações de que o Congresso aprovaria os cortes, houve algum alívio no mercado. E que será maior se o programa passar antes do final do ano. Acredita-se que dá uma sobrevida ao arcabouço, sendo necessária alguma revisão mais à frente — como aliás já sugeriu o próprio Haddad.

O mercado também não gosta desses juros nas alturas — aumenta o risco de crédito —nem do dólar caro, que, além de gerar inflação, reduz o patrimônio em dólares de todo mundo que tem dinheiro aplicado no Brasil.

O pibão é o presente. O dólar a R$ 6 é a preocupação com o futuro. O crescimento não é sustentável a médio prazo se continuar baseado na expansão do gasto e da dívida pública. O mercado gostaria de um crescimento mais baseado na poupança, no investimento e na produtividade.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

sardemberg é uma espécie de mônica waldvoguel:
gagás os dois!

Mais um amador disse...

" Não há mercado financeiro sem companhias e pessoas atuando na economia real. E inversamente. "

" Até " os asiáticos, chineses e coreanos do sul em especial, perceberam isso.

Perfeito !