sábado, 7 de dezembro de 2024

Violência sem limites - Aldo Fornazieri

CartaCapital

Partidos e parlamentares comprometidos com a democracia, assim como a sociedade civil, precisam dar um basta à brutalidade policial em São Paulo

A sociedade tem se deparado, nas últimas semanas, com cenas de violência policial assustadoras e inaceitáveis. Quem paga a polícia são os cidadãos e o pressuposto deveria ser o de que ela tem de proteger a sociedade, e não executar, assassinar pessoas desarmadas e inocentes.

Em 5 de novembro, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas 4 anos, foi morto em uma operação policial no litoral paulista. Na madrugada do dia 20, o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta foi executado à queima-roupa na escadaria de um hotel na capital. Nos últimos dias, apareceram vídeos que mostram um policial à paisana executando Gabriel Renan da Silva Soares com vários tiros pelas costas, após o jovem negro furtar três pacotes de sabão líquido. O PM foi apenas afastado das funções, quando a Justiça deveria ter decretado a sua prisão.

Não para por aí: em 2 de dezembro, um policial jogou um homem de uma ponte no bairro paulistano de Cidade Ademar, numa clara tentativa de homicídio. O policial e outros 12 colegas foram afastados das ruas. O comandante da PM classificou o episódio como “um erro emocional”. Acrescente-se a violência perpetrada por agentes da ViaMobilidade na estação de Carapicuíba, que resultou na morte do trabalhador Jadson ­Vitor de Souza Pires por asfixia mecânica. As cenas de brutalidade são comparáveis às dos assassinatos de George Floyd em ­Minneapolis (EUA) e João Alberto ­Silveira Freitas no Carrefour de Porto Alegre.

De janeiro a agosto, as mortes causadas por policiais em serviço aumentaram 78,5% em São Paulo, na comparação com o mesmo período do ano passado, revela um levantamento divulgado pelo Instituto Sou da Paz. Nos anos que antecederam o governo de Tarcísio de Freitas, havia uma clara tendência de queda na letalidade policial. O início do processo de implantação das câmeras corporais, experiência adotada pelo comando da Polícia Militar e acatada pelas gestões de João Doria e Rodrigo Garcia, era apontada como a principal causa da redução da violência policial.

Mas não era só isso. Nas duas últimas décadas, vinha ocorrendo uma lenta, mas significativa, mudança na doutrina de segurança pública da PM. O pressuposto principal consistia na tese de que a segurança pública é um direito e de que a atividade policial é um serviço prestado à sociedade. Com a posse de Tarcísio de Freitas e seu secretário Guilherme ­Derrite, a truculência policial voltou a ser a nova ordem interna.

Não se pode esquecer da canetada da dupla Tarcício e Derrite, que removeu 34 coronéis do comando da Polícia Militar. O sentido foi claramente político: deixar a corporação acéfala do comando doutrinário que vinha sendo construído. Quem conhece a PM sabe que a tendência dos praças – soldados, cabos e sargentos – é pró-violência, e que ela só é contida por um firme e consciente comando de oficiais bem formados.

Quando questionado sobre denúncias de violência policial enviadas por organizações de defesa dos direitos humanos à ONU, o governador paulista debochou: “Tô nem aí”. Já Derrite culpou os criminosos por essa escalada. Mas Ryan, Marco Aurélio e tantos outros eram criminosos?

Desde as operações Escudo e Verão na Baixada Santista, para vingar as mortes de dois soldados da Rota, a tropa de elite da polícia paulista, vêm se acumulando denúncias de invasões, arbitrariedades, torturas e execuções por parte dos agentes de segurança, sobretudo contra as populações de locais pobres. As denúncias contra o racismo policial também são recorrentes. Pesquisas revelam que, a cada três vítimas da violência policial, duas são negras. A população paulista é constituída por 57,8% de brancos e 41% de pretos e pardos, de acordo com o Censo de 2022.

A mudança no sistema das câmeras corporais é outro ponto preocupante. Na sua origem, e em quase todo o mundo é assim, o princípio que orienta a adoção desses equipamentos é o da proteção do bom policial e o controle do mau policial. Ao adotar um modelo de câmera que liga e desliga pela vontade arbitrária dos agentes de segurança, o governo de São Paulo abre uma brecha para a tropa esconder seus malfeitos.

Em vez de controlar o emprego da força, o governador Tarcísio de Freitas tem autorizado seu uso indiscriminado. Para frear essa escalada de violência, é fundamental que a sociedade aumente seu nível de indignação e repúdio a essa marcha da morte. Partidos, parlamentares comprometidos com a democracia e a sociedade civil precisam agir de maneira mais enfática para conter essa brutalidade. 

Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.

  

2 comentários:

Anônimo disse...

CENÁRIOS HORROROSOS
1) ... agora imagina o tarcísio presidente nomeando o derrite ministro da justiça e segurança pública ...
2) se o tarcísio for voltar atrás em cada um dos erros que cometeu, vai ser preciso reelegê-lo governador de sp para que ele tenha o tempo necessário para a tarefa.

Daniel disse...

Excelente texto! A política de segurança pública de Tarcísio e Derrite só traz cada vez mais INSEGURANÇA para os cidadãos paulistas, ao compactuar com o aumento da letalidade policial e estimular novas violências por parte de maus policiais. Cadáveres de INOCENTES cada vez mais estampam os noticiários paulistas... E o governador bolsonarista "não está nem aí"... Afinal, ele também "não é coveiro", como dizia seu mentor!