CartaCapital
Partidos e parlamentares comprometidos com a
democracia, assim como a sociedade civil, precisam dar um basta à brutalidade
policial em São Paulo
A sociedade tem se deparado, nas últimas
semanas, com cenas de violência policial assustadoras e inaceitáveis. Quem paga
a polícia são os cidadãos e o pressuposto deveria ser o de que ela tem de
proteger a sociedade, e não executar, assassinar pessoas desarmadas e
inocentes.
Em 5 de novembro, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas 4 anos, foi morto em uma operação policial no litoral paulista. Na madrugada do dia 20, o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta foi executado à queima-roupa na escadaria de um hotel na capital. Nos últimos dias, apareceram vídeos que mostram um policial à paisana executando Gabriel Renan da Silva Soares com vários tiros pelas costas, após o jovem negro furtar três pacotes de sabão líquido. O PM foi apenas afastado das funções, quando a Justiça deveria ter decretado a sua prisão.
Não para por aí: em 2 de dezembro, um
policial jogou
um homem de uma ponte no bairro paulistano de Cidade Ademar, numa
clara tentativa de homicídio. O policial e
outros 12 colegas foram afastados das ruas. O comandante da PM classificou o
episódio como “um erro emocional”. Acrescente-se a violência perpetrada por
agentes da ViaMobilidade na estação de Carapicuíba, que resultou na morte do
trabalhador Jadson Vitor de Souza Pires por asfixia mecânica. As cenas de
brutalidade são comparáveis às dos assassinatos de George Floyd em Minneapolis
(EUA) e João Alberto Silveira Freitas no Carrefour de Porto Alegre.
De janeiro a agosto, as mortes causadas por
policiais em serviço aumentaram 78,5% em São Paulo, na comparação com o mesmo
período do ano passado, revela um levantamento divulgado pelo Instituto Sou da
Paz. Nos anos que antecederam o governo de Tarcísio de Freitas, havia uma clara
tendência de queda na letalidade policial. O início do processo de implantação
das câmeras corporais, experiência adotada pelo comando da Polícia Militar e
acatada pelas gestões de João Doria e Rodrigo Garcia, era apontada como a principal
causa da redução da violência policial.
Mas não era só isso. Nas duas últimas
décadas, vinha ocorrendo uma lenta, mas significativa, mudança na doutrina de
segurança pública da PM. O pressuposto principal consistia na tese de que a
segurança pública é um direito e de que a atividade policial é um serviço
prestado à sociedade. Com a posse de Tarcísio de
Freitas e seu secretário Guilherme Derrite,
a truculência policial voltou a ser a nova ordem interna.
Não se pode esquecer da canetada da dupla
Tarcício e Derrite, que removeu 34 coronéis do comando da Polícia Militar. O
sentido foi claramente político: deixar a corporação acéfala do comando
doutrinário que vinha sendo construído. Quem conhece a PM sabe que a tendência
dos praças – soldados, cabos e sargentos – é pró-violência, e que ela só é
contida por um firme e consciente comando de oficiais bem formados.
Quando questionado sobre denúncias de
violência policial enviadas por organizações de defesa dos direitos humanos à
ONU, o governador paulista debochou: “Tô nem aí”. Já Derrite culpou os
criminosos por essa escalada. Mas Ryan, Marco Aurélio e tantos outros eram
criminosos?
Desde as operações Escudo e
Verão na Baixada Santista, para vingar as mortes de dois soldados da Rota, a
tropa de elite da polícia paulista, vêm se acumulando denúncias de invasões,
arbitrariedades, torturas e execuções por parte dos agentes de segurança,
sobretudo contra as populações de locais pobres. As denúncias contra o racismo
policial também são recorrentes. Pesquisas revelam que, a cada três vítimas da
violência policial, duas são negras. A população paulista é constituída por
57,8% de brancos e 41% de pretos e pardos, de acordo com o Censo de 2022.
A mudança no sistema das câmeras corporais é
outro ponto preocupante. Na sua origem, e em quase todo o mundo é assim, o
princípio que orienta a adoção desses equipamentos é o da proteção do bom
policial e o controle do mau policial. Ao adotar um modelo de câmera que liga e
desliga pela vontade arbitrária dos agentes de segurança, o governo de São
Paulo abre uma brecha para a tropa esconder seus malfeitos.
Em vez de controlar o emprego da força, o governador Tarcísio de Freitas tem autorizado seu uso indiscriminado. Para frear essa escalada de violência, é fundamental que a sociedade aumente seu nível de indignação e repúdio a essa marcha da morte. Partidos, parlamentares comprometidos com a democracia e a sociedade civil precisam agir de maneira mais enfática para conter essa brutalidade.
Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital,
em 11 de dezembro de 2024.
2 comentários:
CENÁRIOS HORROROSOS
1) ... agora imagina o tarcísio presidente nomeando o derrite ministro da justiça e segurança pública ...
2) se o tarcísio for voltar atrás em cada um dos erros que cometeu, vai ser preciso reelegê-lo governador de sp para que ele tenha o tempo necessário para a tarefa.
Excelente texto! A política de segurança pública de Tarcísio e Derrite só traz cada vez mais INSEGURANÇA para os cidadãos paulistas, ao compactuar com o aumento da letalidade policial e estimular novas violências por parte de maus policiais. Cadáveres de INOCENTES cada vez mais estampam os noticiários paulistas... E o governador bolsonarista "não está nem aí"... Afinal, ele também "não é coveiro", como dizia seu mentor!
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