O Globo
Decisão de Dino vai na mesma direção de todas
as outras que têm buscado ao longo do tempo garantir transparência ao uso do
dinheiro público
O ano estava terminando quando houve novo evento na conflagrada relação entre Congresso e Judiciário. Ontem, dia 23, antevéspera de Natal, o ministro Flávio Dino mandou suspender a execução de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissões. O problema é que parte das emendas havia sido remanejada exatamente quando o funcionamento de todas as comissões havia sido suspenso. Ao serem remanejadas, 40% delas passaram a beneficiar Alagoas, terra natal do presidente da Câmara, Arthur Lira. Esse é mais um capítulo da mesma luta travada durante o ano todo para desmontar o orçamento secreto. Ele sempre reaparece e se refaz, de outra forma, com novo nome.
Para entender esse novo capítulo da
interminável série, é bom dar uma olhada no Globo do último dia 18, que traz
uma matéria com o título
“Drible nas regras”. O texto da repórter Camila Turtelli tem
como subtítulo “Câmara realoca emendas sem aval das comissões e destina 40%
para Alagoas, reduto de Arthur Lira”.
A reportagem do jornal cita as denúncias que
vêm sendo feitas nos últimos dias pelo repórter Breno Pires, da revista Piauí.
A decisão do ministro de Dino é suspender tudo, mandar a Polícia Federal
investigar, determinar que a Câmara envie as atas das reuniões das comissões
permanentes que decidiram o remanejamento. Não há atas, porque não houve
reuniões. Dino manda o Ministério da Saúde notificar, em 48 horas, todos os
gestores estaduais e municipais para manterem bloqueados os recursos.
As críticas ao ministro são de que ele
estaria tensionando mais as relações com o Congresso e criando novo problema,
depois de tudo resolvido. Mas não foi tudo resolvido. Ou foi, à maneira Arthur
Lira. Ele suspendeu o funcionamento das Comissões porque a agenda estava cheia
na semana passada. E estava mesmo, com LDO, regulamentação da Reforma
Tributária e pacote fiscal para serem votados. O problema é remanejar parte das
emendas de comissão, sem ouvir as comissões, que estavam suspensas por ele
mesmo e, além disso, arregimentar apoio dos líderes para dar fatia tão
desproporcional ao seu estado natal.
O STF referendando
a decisão da então ministra Rosa Weber, em 2022, considerou inconstitucional o
orçamento secreto. Esse era o nome dado pela imprensa às emendas do relator, as
RP-9, que haviam crescido muito no governo Bolsonaro. O que antes era um valor
irrisório, só para arredondar as contas do Orçamento, virou um grande conluio
entre o governo passado e o comando das Casas, especialmente da Câmara, para
distribuir dinheiro público, sem informar a ninguém quem liberou o gasto.
Provocado sobre o assunto, o Supremo decidiu
que todo dinheiro do Orçamento precisa de transparência e rastreabilidade, ou
seja, tem que se saber quem ordenou a despesa, para onde foi o dinheiro, para
que projeto e como está sendo usado. O Congresso fez de conta que obedeceu, mas
criou as emendas de comissão e, nelas, manteve a mesma opacidade. As despesas
eram ordenadas como se decididas pelo coletivo, a comissão.
O ministro, que é o relator do acórdão da
decisão do STF, as suspendeu em agosto, depois houve uma negociação para uma
lei de iniciativa do Congresso disciplinar o assunto. Porém, o que saiu do
Congresso não resolvia tudo. Ficaram pontos sem transparência. O governo, com
pressa de aprovar suas matérias, propôs liberar emendas e aplicar as novas
regras depois. Só que houve nova questão, emendas de comissão, sem serem
analisadas nas comissões e ainda privilegiando um estado.
É tenso. Mas, qual é a solução? Fazer vistas
grossas não é possível, porque até voou dinheiro de emendas pela janela, outro
dia. Em 10 de
dezembro, a Polícia Federal prendeu 15 suspeitos de desviar recursos de emendas
parlamentares e fraudar licitações. Nas buscas aos suspeitos, a
PF chegou até o vereador recém-eleito no município de Campo Formoso, Francisco
Nascimento. Quando a Polícia se aproximou, ele jogou uma sacola com R$ 220 mil
pela janela.
Na decisão de ontem, o ministro disse que é
até paradoxal deixar recursos sem fiscalização, quando o governo realiza um
corte de gastos. “Não é compatível com a ordem constitucional”, o que tem sido
denunciado, disse, citando os desvios e as “malas de dinheiro sendo apreendidas
em aviões, cofres ou jogadas pela janela”.
O ano que vem começará com mais essa tensão.
Mas, aos poucos, vai se desmontando o orçamento secreto. Porque o uso do
dinheiro público tem que ter transparência. Isso é o que diz a Constituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário