Folha de S. Paulo
Defesa verbal do ajuste não combina com ações
do presidente em sentido contrário
Nem tudo o que o presidente Luiz Inácio da
Silva (PT)
diz vale a crença na escrita. Suas profissões de fé no ajuste fiscal
intercaladas com ações em sentido contrário, demonstram isso.
Daí a desconfiança com que foram recebidas
suas palavras no vídeo divulgado na última sexta-feira, em texto elaborado de
forma a hastear bandeiras brancas ao "mercado".
Ali o presidente deu um tempo no negacionismo, evitou a versão conspiratória do ataque especulativo ao real com vista a derrubar o governo; firmou compromisso com a estabilidade econômica, o controle da inflação e sinalizou a edição de novas medidas de contenção de gastos.
Tudo muito bem bolado e formatado sob novas
regras na comunicação do governo. Coisa de profissional. Gabriel
Galípolo de um lado, Fernando
Haddad de outro e no meio o presidente tecendo loas à
responsabilidade.
Perfeito na forma e no conteúdo. Não fosse o
estoque de sinais trocados emitidos pelo próprio Lula.
Na semana anterior, Lula havia dito numa
entrevista ao Fantástico, da TV Globo, que a taxa de juros altos
era a única "coisa errada" no Brasil.
Seis dias depois, aparece exaltando a futura
administração do Banco Central sob
o mesmo Galípolo, que na véspera avalizara o aumento das taxas como corretas
ante as circunstâncias e ainda desmontara a versão do ataque especulativo.
Sinais trocados geram descrédito em relação a
gestos futuros. São vistos como intenção momentânea a fim de atingir um
objetivo específico.
A manifestação presidencial contribuiu em
parte para o recuo da desvalorização da nossa moeda frente ao dólar.
A outra parcela, a maior, ficou na conta das intervenções do BC no câmbio.
Estabilidade econômica requer muito mais.
Lula diz que 2025 será o "ano da colheita". Já havia dito o mesmo
sobre 2024 que foi de semeadura da tempestade a ser colhida no período adiante,
se a retórica presidencial seguir na mesma toada.
O mundo do dinheiro é vasto, não se limita à
avenida Faria Lima e movimenta a vida de todos. Se Lula se recusa a ajudar por
convicção ideológica, que ao menos se disponha a não atrapalhar.
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