Folha de S. Paulo
A volta ao governo do populista de extrema
direita marca o início de um novo e longo ciclo político
Os professores estrangeiros contratados por
Harvard receberam carta da administração sugerindo que, se tivessem passado os
feriados de fim do ano no exterior, tratassem de voltar antes de 20 de janeiro.
A influente universidade, considerada a melhor do mundo, teme as medidas
anti-imigração prometidas por Donald Trump que,
nessa data, assumirá a Casa Branca.
Nos Estados
Unidos —e não só ali—, os especialistas especulam como será o segundo
mandato que as urnas entregaram ao republicano. Em especial, o que se pergunta
é se ele terá musculatura política suficiente para levar a cabo suas extremadas
promessas de campanha depois de uma acachapante vitória eleitoral que lhe deu
de uma só tacada a Presidência e o controle das duas Casas Legislativas.
A questão não interessa apenas aos yankees,
nem se limita à profundidade das mudanças previsíveis nas instituições
domésticas e nas políticas públicas, com a passagem do governo federal dos
democratas para os republicanos convertidos ao radicalismo de direita.
O cientista político europeu Ivan Krastev entrevistado no podcast "The Good
Fight" (A Boa Briga) por Yascha Mounk, seu colega igualmente respeitado, argumentou que a
volta ao governo do populista de extrema direita marca um ponto de virada e o
início de um novo ciclo político: a Era Trump. Trata-se de mutação nas
políticas domésticas e na atuação internacional de Washington, tão profunda e
notável como as que caracterizaram a Era Roosevelt ou a Era Reagan, e cujas
marcas se prolongaram muito além dos mandatos do democrata (1933-1945) e do
republicano (1981-1989).
No plano externo, para além das bravatas e da retórica intimidatória do futuro
presidente —ao ver de muitos, bizarra estratégia a fim de extrair benefícios de
aliados ou adversários—, cabe perguntar quais poderão ser os efeitos de uma
postura mais agressiva e isolacionista e menos comprometida com soluções multilaterais,
para a chamada ordem internacional liberal. Esta diz respeito aos arranjos
formais e informais que surgiram ao final da Segunda Guerra, organizando as
relações entre Estados do ponto de vista dos fluxos econômicos e da segurança,
e de acordo com princípios que privilegiavam a negociação em vez da força
bruta.
Seus pilares, como se sabe, foram as instituições de Bretton Woods —FMI; Banco Mundial;
GATT, que mais tarde daria origem à OMC (Organização Mundial do Comércio); e a constelação de
organizações e regimes que formaram o sistema ONU. Com o tempo,
outros organismos a ele se juntaram.
Esse conjunto de regras, nem sempre equilibrado, nem consistentemente liberal,
é produto do Ocidente democrático e teve nos Estados Unidos um fiador —embora
às vezes reticente ou oportunista transgressor de suas normas. Difícil, porém,
imaginar seu futuro se, na Era Trump, a América se dedicar a sabotá-lo.
Estarei de férias na próxima semana.
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