quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O que as tarifas podem ou não fazer - Dani Rodrik*

Valor Econômico

Se Trump insistir em seu ponto de vista, a boa notícia, pelo menos para o resto do mundo, é que os custos econômicos serão suportados principalmente pelos americanos

A economia mundial aguarda com pavor a chegada das tarifas comerciais de Donald Trump. Trump claramente adora taxas de importação e prometeu aumentá-las para produtos da China, Europa, México e até mesmo do Canadá. O tamanho do estrago que isso causará depende não só do escopo e da magnitude das tarifas, mas também da finalidade para a qual serão aplicadas.

Economistas não gostam de tarifas por vários motivos. Como toda barreira às trocas de mercado, elas criam ineficiência: impedem que você me venda algo que eu valorizo mais do que você, deixando-nos, a princípio, em pior situação. A teoria econômica reconhece que essa ineficiência pode ser compensada por ganhos noutras áreas. Por exemplo, as tarifas podem ser benéficas na presença de indústrias nascentes, transferência de conhecimento, poder de monopólio ou preocupações com a segurança nacional.

Mesmo assim, os economistas argumentam que as tarifas são um instrumento muito contundente. Afinal de contas, uma tarifa de importação é uma combinação específica de duas políticas diferentes: um imposto sobre o consumo do bem importado e um subsídio à produção para seu fornecimento interno, com taxas iguais. Qualquer objetivo econômico ou não econômico pode ser alcançado de forma mais eficaz com a implementação dessas políticas separadamente e com taxas personalizadas, direcionando-as de forma mais direta aos resultados desejados. Para os economistas, as tarifas são um revólver apontado para o próprio pé.

A visão de Trump não poderia ser mais diferente. Na imaginação dele, as tarifas são como um canivete suíço - uma ferramenta que pode, ao mesmo tempo, corrigir o déficit comercial dos Estados Unidos, aumentar sua competitividade, fomentar o investimento doméstico e a inovação, apoiar a classe média e criar empregos no país.

Essa visão é quase certamente fantasiosa. As tarifas terão efeitos altamente desiguais sobre a produção dos EUA, beneficiando alguns e prejudicando aqueles que dependem de insumos importados ou de mercados estrangeiros. Mesmo quando aumentam os lucros, não há garantia de que isso levará a mais investimentos em novas tecnologias ou à criação de empregos. As empresas que ficarem mais ricas podem optar por distribuir os lucros para seus gerentes e acionistas em vez de aumentar a capacidade produtiva.

Quando as tarifas são moderadas e usadas para complementar uma agenda de investimentos domésticos, elas podem até ser úteis. Quando são indiscriminadas e não são sustentadas por políticas internas, causam danos consideráveis, mais no país do que para os parceiros comerciais

Se Trump insistir em seu ponto de vista, a boa notícia, pelo menos para o resto do mundo, é que os custos econômicos serão suportados principalmente pelos americanos. Esse é outro insight importante da economia: assim como os benefícios da abertura ao comércio internacional se acumulam principalmente em casa, o mesmo acontece com os custos infligidos pelo protecionismo.

Portanto, seria um erro trágico se outros países reagissem de forma exagerada e retaliassem com suas próprias tarifas. Não há razão para que eles reproduzam o erro de Trump e aumentem o risco de uma escalada da guerra comercial.

É claro que Trump poderia adotar uma abordagem mais limitada. Ele sempre defendeu as tarifas de forma mais restrita, como uma arma para obter concessões de parceiros comerciais. É importante ressaltar que essa rejeição implícita de tarifas generalizadas também parece refletir a opinião de seu indicado para secretário do Tesouro, Scott Bessent.

Antes da eleição, por exemplo, Trump ameaçou México e Canadá com tarifas de 25% se eles não conseguissem “proteger suas fronteiras”. Em princípio, essas ameaças não precisam ser cumpridas se outros países cumprirem as exigências de Trump.

Mas não está claro se o uso dessas ameaças para mudar o comportamento dos outros será eficaz. É improvável que China, Índia e outros países grandes se deixem influenciar por elas, dados os riscos de parecerem fracos. De qualquer forma, as tarifas são uma ameaça ruim, independentemente do fato de serem vistas como uma pistola defeituosa ou um canivete suíço. Na visão convencional, como as tarifas são prejudiciais à economia doméstica, elas não têm credibilidade como punição para os outros. Na visão alternativa de Trump, as tarifas são inerentemente desejáveis, o que significa que provavelmente serão usadas não importa o que façam os parceiros comerciais.

Há uma quarta concepção, mais realista, de tarifas que têm funcionado em alguns casos importantes. Defensores dessa perspectiva veem tarifas como um escudo por trás do qual outras políticas, principalmente domésticas, podem funcionar de forma mais eficaz. As leis comerciais costumam permitir que os países usem tarifas para proteger setores ou regiões vulneráveis sob condições específicas, na prática complementando a política social interna.

Um exemplo ainda mais significativo é a proteção à indústria nascente, que tem funcionado melhor quando opera junto a outros instrumentos para incentivar as empresas nacionais a inovar e se atualizar. Alguns casos notáveis incluem os Estados Unidos do final do século 19, a Coreia do Sul e Taiwan pós-1960 e a China pós-1990. Em cada um desses casos, as políticas industriais foram muito além da proteção comercial, e é improvável que as barreiras tarifárias, por si só, tivessem produzido os ganhos que cada uma dessas economias obteve.

Da mesma forma, as políticas verdes tendem a exigir algumas barreiras comerciais para torná-las econômica e politicamente viáveis, como no caso das tarifas de carbono da União Europeia e dos requisitos de conteúdo local da Lei de Redução da Inflação dos EUA. Em todos esses casos, as tarifas desempenham um papel de apoio a outras políticas que atendem a um objetivo mais amplo e podem ser um pequeno preço a se pagar por um benefício maior.

Infelizmente, Trump não ofereceu uma agenda doméstica de renovação e reconstrução econômica em nenhuma dessas áreas, e suas tarifas provavelmente se manterão - e fracassarão - por si só. Quando as tarifas são moderadas e usadas para complementar uma agenda de investimentos domésticos, elas não precisam causar muitos danos; podem até ser úteis. Quando são indiscriminadas e não são sustentadas por políticas internas intencionais, causam danos consideráveis - mais no país do que para os parceiros comerciais. (Tradução de Fabrício Calado Moreira)

*Dani Rodrik, professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School, é presidente da Associação Econômica Internacional e autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy”.

 

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