O Estado de S. Paulo
Episódio que levou o governo federal a uma derrota é muito mais significativo do que a força de uma fake news
A derrota do governo na questão do
monitoramento do Pix é grave não só pelo estrago causado por uma clara fake
news. Mas, sim, pelo grau de desconfiança que ela revela no público em geral,
especialmente em relação a autoridades e seu comportamento. O poder de fogo de
uma fake news está associado a dois fatores. O primeiro é que seu conteúdo
possa parecer verossímil. As pessoas acreditam num conteúdo falso pois
consideram alto seu grau de plausibilidade.
O segundo é a ausência de referências – as instâncias tidas como guardiãs da veracidade objetiva dos fatos. Esse papel já foi representado por instituições (como a Receita Federal) ou mesmo a imprensa profissional.
Em relação ao primeiro fator que explica a
potência de uma fake news o governo está lutando contra sua própria reputação.
De fato, monitoramento de transações pelo Pix faz sentido do ponto de vista do
combate à sonegação. Ocorre que o atual governo é visto como gastador e, por
isso, arrecadador.
Portanto, do ponto de vista de quem usa o
sistema, faz todo sentido acreditar que combate à sonegação é apenas a desculpa
para, num futuro não muito distante, taxar os usuários da ferramenta. Como a
credibilidade das autoridades é baixa, não adianta dizer que “nunca
acontecerá”.
Em relação ao segundo fator, a questão das
fake news é ainda mais preocupante, pois não depende apenas dos governantes do
momento. Em quem confiar quando se trata de acreditar num fato? A degradação da
credibilidade das instâncias “convencionais” (que inclui instituições de
Estado, mas também privadas, como a mídia) é um fenômeno inquestionável.
Pode-se debater quem são os “culpados” disso,
ou se a perda de credibilidade das instâncias citadas acima é “justa”,
“merecida” ou “positiva” para a sociedade brasileira em geral. O que não se
pode é fazer de conta que esse fato não existe.
O comportamento do governo nesse episódio
demonstra sua baixíssima capacidade de apreciação da realidade política, com
destaque para o grau de resistência social ao que a corrente política no poder
representa. E sua espetacular ineficácia em “conduzir narrativas”. Em termos
clássicos da política, é um governo sempre a reboque dos acontecimentos,
incapaz de moldá-los a contento.
Desconfiança é algo seriíssimo em política e
economia, que o governo confunde com deficiência de estratégia de marketing. É
o que está na raiz dos comportamentos de agentes econômicos nos mais variados
níveis e grupos. Subida do dólar, expectativa de inflação alta e a facilidade
com que uma fake news sobre o Pix tomou conta do espaço público são dois lados
dessa mesma moeda.
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