Republicano constitui um fator de risco tanto para a situação quanto para a oposição no Brasil
O retorno de Donald Trump à Casa Branca em
2025 projeta uma sombra inquietante sobre o cenário político brasileiro, que se
organiza para as eleições presidenciais de 2026. O risco principal não reside
no antagonismo direto com Trump, mas em como sua Presidência pode afetar o
ambiente político interno às vésperas da corrida eleitoral. Sua posse constitui
um fator de risco tanto para a situação quanto para a oposição.
O primeiro e mais imediato desafio vem da economia. As políticas anunciadas por Trump são uma combinação adversa para o governo Lula: pressão inflacionária, fortalecimento do dólar e desaceleração do crescimento chinês. Esse cenário pode comprometer os planos da nova diretoria do Banco Central e dificultar a cambaleante gestão macroeconômica de um governo que já se prepara para o pleito do ano que vem. A deterioração do ambiente externo pode afetar não apenas setores estratégicos da economia brasileira, mas também o humor do eleitor.
No plano diplomático, o Brasil enfrenta um
equilíbrio delicado na presidência do Brics. A expansão do grupo intensificou
tensões internas entre aqueles que defendem uma postura explicitamente
anti-Ocidental e os que veem riscos nessa abordagem. O Brasil, alinhado com o
segundo grupo, terá de administrar essa divisão sob holofotes durante todo o
ano. A capacidade do Palácio do Planalto de tocar essa agenda sem tropeços
dependerá em parte de o Partido dos Trabalhadores seguir com disciplina as
preferências do presidente da República.
Além disso, o provável abandono americano do
Acordo de Paris consolida uma tendência de esvaziamento do processo
multilateral em negociações do clima. Antes mesmo de Trump ser eleito, o
protagonismo da transição energética mundo afora já havia migrado para os
agentes econômicos. O Brasil presidirá a COP sem ter feito essa mudança de
chave, apesar de Ministério da Fazenda e BNDES terem
uma visão e recursos para fazê-lo. A indefinição pode deixar o Brasil falando
ao vento em Belém e, pior, revelar um campo progressista sem projeto para fazer
a transição energética da qual não temos como fugir.
A agenda bilateral entre Brasil e Estados Unidos apresenta
pontos cruciais de tensão. Na questão venezuelana, Trump promete retórica
agressiva que pode deixar o governo brasileiro contra a parede, dado o colapso
da relação de Lula com Nicolás
Maduro. No campo digital, o embate entre o STF e Elon Musk sobre
redes sociais promete escalar, dado o empurrão de desregulação que vem por aí.
Compras governamentais do Brasil de serviços de satélite também podem gerar
atritos significativos, sobretudo se Brasília entregar
à China um
grande contrato, em vez de criar um marco capaz de forçar algum tipo de
competição. Esse quadro bilateral se agrava pela potencial influência do
deputado federal Eduardo
Bolsonaro na escolha do próximo embaixador americano em Brasília.
O cenário sul-americano adiciona mais uma
camada de complexidade: o aparente sucesso do programa anti-inflacionário de
Milei na Argentina —
somado a uma possível vitória da direita no Chile — pode
isolar ainda mais o governo brasileiro em sua vizinhança. Desde seu retorno ao
poder, Lula não conseguiu construir uma coalizão sólida nem mesmo com as
esquerdas que governam Bolívia,
Chile, Colômbia e México.
Para a esquerda brasileira hoje no poder, o
desafio imposto por Trump é claro: controlar danos, evitando que eventuais
crises bilaterais ou em foros multilaterais consumam capital político precioso.
Embora confrontos ocasionais com Washington possam mobilizar a base eleitoral,
o custo de um antagonismo prolongado pode ser alto demais em ano eleitoral.
Para a direita na oposição, Trump pode até
ser oportunidade. No entanto o atual cenário não traz garantias. Apesar da
aparente sintonia ideológica em pontos da agenda, os contatos efetivos são
escassos — com a notável exceção do deputado Bolsonaro. O estilo caótico de
Trump dificulta a construção de pontes, uma vez que o presidente incentiva
disputas internas furiosas entre assessores e aposta sempre em deixar seus
próprios aliados na incerteza.
A eleição brasileira de 2026 acontecerá num
mundo sacudido pela volta de Trump à Casa Branca. À direita e à esquerda, os
candidatos à Presidência serão obrigados a caçar o voto do eleitor num ambiente
externo mais imprevisível, onde nem o alinhamento com Washington nem o
confronto aberto parecem estratégias promissoras. A geopolítica não será apenas
pano de fundo da sucessão presidencial, mas elemento definidor.
*Matias Spektor é professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV)
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