quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O trem já passou? - Alfredo Maciel da Silveira

Expressão popular, difundida em prosa e verso, “esse trem já passou” diz bem do que seja uma perda de oportunidade. Por ocasião do belo discurso de posse da Ministra Simone Tebet no Planejamento, escrevi um artigo esperançoso que trazia no título “Planejamento - o último trem para o Brasil”. Eu então parodiava título de livro do ex-Ministro do Planejamento Reis Velloso, numa de suas alegorias cinéfilas sobre a economia brasileira dos anos 70, “O último trem para Paris”.

Passados dois anos de Lula 3, enredados que estamos na economia e na política, um grande amigo economista me disse há pouco: “O trem já passou”...

Não discordo não.

Mas o mundo não para. As transformações globais estão à vista de todos. Gramsci, que viveu os horrores do Sec XX, já dizia em seu pensar dicotômico: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”.

E por que não lembrar também da nordestinidade teimosa, persistente, cantada por Sérgio Ricardo na saga alegórica de Corisco?

 _ “Se entrega, Corisco!

_ Eu não me entrego não!

Não me entrego ao tenente

Não me entrego ao capitão

Eu me entrego só na morte

De parabelo na mão”

Por essas e outras eis-me de volta às inquietações com a política econômica, ao assunto do momento. As repercussões sobre a inflação de 2024, seja as explicações formais do Pres. do Banco Central pelo “estouro” da meta, seja as análises em todas as mídias, amparadas numa coisa pelo menos em que somos competentes: nossos Índices de Preços, que ajudam muito na identificação dos focos inflacionários. Mas é angustiante para mim constatar que todos terminam “rodando o realejo”, a “caixinha de música” ou a “ladainha” de culpar o gasto público.

Óbvio, o aprimoramento contínuo, necessário, de melhorar a eficiência do gasto público é uma unanimidade. Mas denunciar benesses de todo tipo, desde aquelas que apelidaram Brasília de "Ilha da Fantasia", e que se reproduzem através dos Estados, priorizando obras públicas para as classes abastadas, etc, etc,  são coisas que, por óbvio, as mídias não enfrentam. 

Aliás uma digressão. Aquela mesma “Ilha da Fantasia”, não por acaso inspirou “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo, retratando nossa heterogeneidade estrutural; e a cultura popular elevou-a em sua crítica social na antológica recriação de Xande de Pilares em ritmo de samba, com O Grupo Revelação e as crianças do “Afro-Reggae”.

Portanto, o trem pode ter passado. Mas enfrentar o futuro não nos deixa alternativas. Há que se formular propostas, projetos, programas de governo. Como pensar atores políticos sem identidade programática? Eis o momento de somar idéias, debater.

O assunto é longo. Sobre o quesito Inflação, vou apenas pontuar algumas ideias.

1) O Brasil precisa reaprender o uso de estoques reguladores como instrumento de controle de preços em situações de contração de oferta de alimentos;

2) Para uma gama ainda maior de produtos e insumos, quando o choque de preços for de origem interna, usar o instrumento das importações; e se o câmbio estiver desfavorável como no momento atual, encarecendo importações, usar um câmbio diferenciado "ad hoc" para tais produtos, pois se trata de instrumento, conjuntural, de controle inflacionário; não se trata da volta a uma estrutura rígida de taxas de câmbio diferenciadas, do desenvolvimentismo de outra época; veja-se também que hoje o Banco Central não titubeia em queimar divisas na sustentação do câmbio, sabe-se lá pra quais beneficiários;

3) Como bem apontaria um grande mestre meu, professor emérito da UFRJ, "tem que taxar os movimentos especulativos do dólar"; aliás digo eu, tais movimentos muitas vezes são causados pela própria política econômica dos EUA (caso clássico do Paul Volcker- FED 1979) ou pela conjuntura internacional; então, seria lógico defendermo-nos das nossas vulnerabilidades; mas acho, neste aspecto intervencionista, o Haddad mais para Langoni (Chicago) do que pra Delfim Netto...

4) Essa estabilidade anual do IPCA nos últimos anos, entre 4% a 5% aa, me faz pensar na hipótese de relevante componente inercial, através das expectativas; neste particular, acho saudável o regime de metas de inflação, que ajuda na coordenação das expectativas; mas, claro, condeno totalmente esses poderes "mágicos" atribuídos à SELIC;

5) Economistas insuspeitos como o liberal André Lara Resende, ou o celebrado brasilianista Albert Fishlow, defendem a necessidade do crescimento acelerado sustentado da economia brasileira. O ALR chegou a falar em 6% aa! O Fishlow foca a discussão na elevação da Taxa de Investimento que está, digo eu, ridícula, vergonhosa, criminosa, há muitos anos; ora, como pensar elevar o investimento sem a liderança, a ação coordenadora e planejada do investimento público? E como elevar o investimento público nesse tal “arcabouço”- que está mais pra “calabouço”– fiscal? Aqui não é trocadilho. Essa tendência que vem desde a Constituinte, de amarrar o Orçamento com um monte de reguladores automáticos do tipo “tetos”, “pisos”, “gatilhos”, reflete bem a infantilização da política, tolhendo os graus de liberdade na alocação dos recursos; e mesmo assim esconderam o "Orçamento da Seguridade" ou deixaram de fazê-lo;

6) Pra terminar. Proponho conhecermos melhor a relação de nossa heterogeneidade estrutural (Anibal Pinto, Furtado, "Belíndia" do Bacha, "Ornitorrinco" do Chico de Oliveira) com o pequeno alcance da política monetária; quanto mais sobe a SELIC sem derrubar a inflação, mais esse "Poder Paralelo" do BC joga a "culpa" nas expectativas inflacionárias "causadas" pelo Déficit Público!..

No mais, ou eu não sou capaz de interpretar esses dirigentes do BC, ou eles estão "perplexos", "confusos", "perdidos", escondendo-se num inconfessável discurso tecno-sofístico, em “fuga para a frente”.

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Há dois anos publiquei em vários Grupos de Economia o artigo “Quando os “juros altos” se tornam falsa questão”, que trata em mais detalhe a maioria desses meus pontos.:

Eis o link:

 

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