Passados dois anos de Lula
3, enredados que estamos na economia e na política, um grande amigo economista
me disse há pouco: “O trem já passou”...
Não discordo não.
Mas o mundo não para. As
transformações globais estão à vista de todos. Gramsci, que viveu os horrores
do Sec XX, já dizia em seu pensar dicotômico: “Pessimismo da inteligência,
otimismo da vontade”.
E por que não lembrar também
da nordestinidade teimosa, persistente, cantada por Sérgio Ricardo na saga
alegórica de Corisco?
_ “Se entrega,
Corisco!
_ Eu não me entrego não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão”
Por essas e outras eis-me de
volta às inquietações com a política econômica, ao assunto do momento. As
repercussões sobre a inflação de 2024, seja as explicações formais do Pres. do
Banco Central pelo “estouro” da meta, seja as análises em todas as mídias,
amparadas numa coisa pelo menos em que somos competentes: nossos Índices de
Preços, que ajudam muito na identificação dos focos inflacionários. Mas é
angustiante para mim constatar que todos terminam “rodando o realejo”, a
“caixinha de música” ou a “ladainha” de culpar o gasto público.
Óbvio, o aprimoramento contínuo, necessário, de melhorar a eficiência do gasto público é uma unanimidade. Mas denunciar benesses de todo tipo, desde aquelas que apelidaram Brasília de "Ilha da Fantasia", e que se reproduzem através dos Estados, priorizando obras públicas para as classes abastadas, etc, etc, são coisas que, por óbvio, as mídias não enfrentam.
Aliás uma digressão. Aquela
mesma “Ilha da Fantasia”, não por acaso inspirou “Faroeste Caboclo”, de Renato
Russo, retratando nossa heterogeneidade estrutural; e a cultura popular
elevou-a em sua crítica social na antológica recriação de Xande de Pilares em
ritmo de samba, com O Grupo Revelação e as crianças do “Afro-Reggae”.
Portanto, o trem pode ter
passado. Mas enfrentar o futuro não nos deixa alternativas. Há que se formular
propostas, projetos, programas de governo. Como pensar atores políticos sem
identidade programática? Eis o momento de somar idéias, debater.
O assunto é longo. Sobre o
quesito Inflação, vou apenas pontuar algumas ideias.
1) O Brasil precisa
reaprender o uso de estoques reguladores como instrumento de controle de preços
em situações de contração de oferta de alimentos;
2) Para uma gama ainda maior
de produtos e insumos, quando o choque de preços for de origem interna, usar o
instrumento das importações; e se o câmbio estiver desfavorável como no momento
atual, encarecendo importações, usar um câmbio diferenciado "ad hoc"
para tais produtos, pois se trata de instrumento, conjuntural, de controle
inflacionário; não se trata da volta a uma estrutura rígida de taxas de câmbio
diferenciadas, do desenvolvimentismo de outra época; veja-se também que hoje o
Banco Central não titubeia em queimar divisas na sustentação do câmbio, sabe-se
lá pra quais beneficiários;
3) Como bem apontaria um
grande mestre meu, professor emérito da UFRJ, "tem que taxar os movimentos
especulativos do dólar"; aliás digo eu, tais movimentos muitas vezes são
causados pela própria política econômica dos EUA (caso clássico do Paul
Volcker- FED 1979) ou pela conjuntura internacional; então, seria lógico
defendermo-nos das nossas vulnerabilidades; mas acho, neste aspecto
intervencionista, o Haddad mais para Langoni (Chicago) do que pra Delfim
Netto...
4) Essa estabilidade anual
do IPCA nos últimos anos, entre 4% a 5% aa, me faz pensar na hipótese de
relevante componente inercial, através das expectativas; neste particular, acho
saudável o regime de metas de inflação, que ajuda na coordenação das expectativas;
mas, claro, condeno totalmente esses poderes "mágicos" atribuídos à
SELIC;
5) Economistas
insuspeitos como o liberal André Lara Resende, ou o celebrado
brasilianista Albert Fishlow, defendem a necessidade do crescimento acelerado
sustentado da economia brasileira. O ALR chegou a falar em 6% aa! O Fishlow
foca a discussão na elevação da Taxa de Investimento que está, digo eu,
ridícula, vergonhosa, criminosa, há muitos anos; ora, como pensar elevar o
investimento sem a liderança, a ação coordenadora e planejada do investimento
público? E como elevar o investimento público nesse tal “arcabouço”- que está mais
pra “calabouço”– fiscal? Aqui não é trocadilho. Essa tendência que vem desde a
Constituinte, de amarrar o Orçamento com um monte de reguladores automáticos do
tipo “tetos”, “pisos”, “gatilhos”, reflete bem a infantilização da política,
tolhendo os graus de liberdade na alocação dos recursos; e mesmo assim
esconderam o "Orçamento da Seguridade" ou deixaram de fazê-lo;
6) Pra terminar. Proponho
conhecermos melhor a relação de nossa heterogeneidade estrutural (Anibal Pinto,
Furtado, "Belíndia" do Bacha, "Ornitorrinco" do Chico de
Oliveira) com o pequeno alcance da política monetária; quanto mais sobe a SELIC
sem derrubar a inflação, mais esse "Poder Paralelo" do BC joga a
"culpa" nas expectativas inflacionárias "causadas" pelo
Déficit Público!..
No mais, ou eu não sou capaz
de interpretar esses dirigentes do BC, ou eles estão "perplexos",
"confusos", "perdidos", escondendo-se num inconfessável
discurso tecno-sofístico, em “fuga para a frente”.
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Há dois anos publiquei em
vários Grupos de Economia o artigo “Quando os “juros altos” se tornam falsa
questão”, que trata em mais detalhe a maioria desses meus pontos.:
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