quarta-feira, 23 de julho de 2025

O espetáculo da tornozeleira - Bernardo Mello Franco

O Globo

Ex-presidente exibiu aparelho para inflamar seguidores contra o Supremo

Na sexta-feira, Jair Bolsonaro acordou com a Polícia Federal na porta de casa. Ainda não era a hora da tranca. Os agentes tinham ordens para fazer buscas e liberá-lo após a instalação de uma tornozeleira eletrônica.

Cumprido o mandado judicial, o capitão passou a conceder uma série de entrevistas. Em todas elas, recusou pedidos para mostrar o aparelho recém-acoplado. “É humilhante, degradante. Eu tenho vergonha de falar que estou com uma tornozeleira”, justificou. 

Três dias depois, o mesmo Bolsonaro se postou no alto de uma escadaria diante de fotógrafos e cinegrafistas. Num gesto teatral, puxou a barra da calça e ergueu a perna esquerda para exibir a geringonça. “Isso aqui é o símbolo da máxima humilhação de uma pessoa inocente”, bradou. De dedo em riste, o ex-presidente saía da defensiva e voltava ao palco no papel de vítima.

Bolsonaro é profissional. Sabe pautar o debate e transformar imagem em notícia. Ao mostrar a tornozeleira, ele produziu um novo espetáculo para inflamar seguidores contra o tribunal que vai julgá-lo por tentativa de golpe. “Nós vamos enfrentar a tudo e a todos. O que vale para mim é a lei de Deus”, desafiou. Em menos de 72 horas, o aparelho que era humilhante virou bandeira de luta e ativo eleitoral.

No mundo do capitão, coerência é para os fracos. Bolsonaro passou décadas louvando a ditadura e atacando o jornalismo profissional. Ontem apresentou-se como vítima de censura por estar impedido de usar as redes sociais. Aliados mais criativos alegaram violação aos direitos humanos, como se ele estivesse submetido aos métodos que sempre exaltou.

Se o veto ao uso das próprias redes é justificável, seria exagero proibir o ex-presidente de dar entrevistas. Neste ponto, a decisão do ministro Alexandre de Moraes é confusa e precisa ser explicada pelo Supremo. O tribunal já errou ao impedir Lula de falar em 2018, em ataque à liberdade de imprensa. Não deveria repetir o erro contra seu maior antagonista.

 

 

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