O Globo
Ex-presidente exibiu aparelho para inflamar
seguidores contra o Supremo
Na sexta-feira, Jair Bolsonaro acordou com a
Polícia Federal na porta de casa. Ainda não era a hora da tranca. Os agentes
tinham ordens para fazer buscas e liberá-lo após a instalação de uma
tornozeleira eletrônica.
Cumprido o mandado judicial, o capitão passou a conceder uma série de entrevistas. Em todas elas, recusou pedidos para mostrar o aparelho recém-acoplado. “É humilhante, degradante. Eu tenho vergonha de falar que estou com uma tornozeleira”, justificou.
Três dias depois, o mesmo Bolsonaro se postou
no alto de uma escadaria diante de fotógrafos e cinegrafistas. Num gesto
teatral, puxou a barra da calça e ergueu a perna esquerda para exibir a
geringonça. “Isso aqui é o símbolo da máxima humilhação de uma pessoa
inocente”, bradou. De dedo em riste, o ex-presidente saía da defensiva e
voltava ao palco no papel de vítima.
Bolsonaro é profissional. Sabe pautar o
debate e transformar imagem em notícia. Ao mostrar a tornozeleira, ele produziu
um novo espetáculo para inflamar seguidores contra o tribunal que vai julgá-lo
por tentativa de golpe. “Nós vamos enfrentar a tudo e a todos. O que vale para
mim é a lei de Deus”, desafiou. Em menos de 72 horas, o aparelho que era
humilhante virou bandeira de luta e ativo eleitoral.
No mundo do capitão, coerência é para os
fracos. Bolsonaro passou décadas louvando a ditadura e atacando o jornalismo
profissional. Ontem apresentou-se como vítima de censura por estar impedido de
usar as redes sociais. Aliados mais criativos alegaram violação aos direitos
humanos, como se ele estivesse submetido aos métodos que sempre exaltou.
Se o veto ao uso das próprias redes é
justificável, seria exagero proibir o ex-presidente de dar entrevistas. Neste
ponto, a decisão do ministro Alexandre de Moraes é confusa e precisa ser
explicada pelo Supremo. O tribunal já errou ao impedir Lula de falar em 2018,
em ataque à liberdade de imprensa. Não deveria repetir o erro contra seu maior
antagonista.
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