segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Fachin tem razão: o STF precisa de um código de ética. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Um ministro não deve pegar carona em jatinho de empresário para assistir a uma partida de futebol

É constrangedor que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, encontre resistência interna para a introdução de um código de ética. Ainda bem que parece firme sua disposição. Disse ele no discurso de encerramento do ano jurídico:

— Não poderia deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura.

E referiu-se ao “corpo expressivo que vem espontaneamente tomando o tema no debate público”. Não há declarações oficiais contra essas regras de conduta, mas alguns ministros, nos bastidores, fazem objeções. Dizem que instituir o código, neste momento, enfraqueceria o STF. É bem o contrário. O que enfraquece o Supremo é justamente a conduta imprópria de alguns ministros.

Os bolsonaristas protestam contra as condenações dos golpistas. Consideram que a decisão do STF foi arbitrária, movida por razões políticas, não jurídicas. Não há o que debater aqui. Os que tentaram dar o golpe e foram condenados por isso continuam golpistas quando pedem intervenção ou impeachment de ministros do Supremo.

No debate público a que se referiu Fachin, aparecem outros tipos de crítica — que convém analisar. A primeira, mais antiga, considera que o STF assumiu poderes além de sua competência constitucional. Essa crítica se refere ao “inquérito do fim do mundo”, comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, que começou com censura à imprensa e chegou à condenação dos envolvidos na trama golpista.

As objeções se referem aos métodos usados no processo penal — métodos extraordinários, considerados então necessários diante do tamanho da ameaça golpista. O devido processo legal, dizem, foi atropelado por uma boa causa. Alguns analistas entendem que tudo poderia ter sido feito de modo diferente. E que os métodos extraordinários mancham as sentenças e abrem espaço para, no futuro, a anulação dos processos, em caso de mudança na composição política do tribunal.

Aconteceu com os condenados da Lava-Jato. Eles não foram absolvidos, nem se negou a existência de grossa corrupção. Mas métodos extraordinários usados no processo deram base a que os tribunais, noutro momento político, soltassem aqueles que haviam colocado na cadeia. Analistas observam, corretamente, que, concluído o processo da trama golpista, o Supremo deve voltar a observar estritamente o devido processo legal, sem poderes extraordinários.

A segunda crítica no debate público tem a ver com o comportamento de alguns ministros. Não é de hoje que há restrições éticas, mas os dois casos do momento ultrapassam limites. Vamos falar francamente: um ministro não deve pegar carona em jatinho de empresário para assistir a uma partida de futebol. Não deve receber ingressos na faixa. E, sobretudo, não deve julgar casos em que atuem advogados com algum tipo de relação social ou parentesco.

Ministros também não deveriam participar de eventos promovidos por empresas que têm casos no Supremo. Na verdade, não deveriam participar de nenhum desses convescotes armados em hotéis de luxo no Brasil e pelo mundo afora. Querem assistir ao jogo? Pois que paguem passagem, hospedagem e ingressos. Com seu dinheiro, não com verba da Corte. O ministro considera importante participar de um evento acadêmico? Pois que pague passagem, hospedagem e inscrição. Nesse caso, sendo de relevante interesse jurídico, pode até usar verba do Supremo. Mas os gastos precisam ser publicados — e não colocados em segredo, como se segredo houvesse aí.

Muitos juristas dizem que não precisa de código de ética. Deveria bastar a responsabilidade pessoal do juiz, seu sentido de ética. Mas, se essa fosse a realidade, nem precisaríamos discutir um código de ética. O magistrado pode ser o mais rigoroso na aplicação da lei — mas, se participa daquelas práticas indevidas, suscita dúvidas não só sobre sua conduta, mas sobre a de todo o tribunal.

Fachin tem razão: o STF precisa de um código no detalhe, que diga exatamente o que se pode e o que não se pode fazer.

 

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