Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A crise econômica internacional fez o que o ministro Guido Mantega queria ter feito no início do ano, mas foi proibido pelo próprio presidente Lula: reduzir o prazo dos crediários, especialmente dos automóveis, para travar o consumo, que crescia à média anual de 7% - um ritmo insustentável para o tamanho da nossa economia, mas muito bom para alimentar a popularidade do presidente, que não à toa está em 80%. O plano do ministro era aumentar as exigências dos bancos para os financiamentos muito longos, para inviabilizá-los a partir de um determinado limite, que podia ser de 36 meses. Pois bem, o governo não mexeu nos financiamentos, os juros continuaram a subir para conter a inflação, pressionada pelo consumo interno aquecido, mas a crise financeira internacional acabou encarecendo o crédito e inviabilizando o financiamento de longo prazo.
Os prazos de financiamento para automóveis, que já foram de inacreditáveis 72 meses, não passam agora de 24 meses, e as prestações tiveram um reajuste entre 10% e 25%. As lojas que vendiam eletroeletrônicos e produtos de informática em até 24 meses reduziram esse prazo pela metade. Esse é um exemplo claro de como o governo Lula puxa ao limite todos os prazos, adia todas as decisões, para manter um estado de euforia, mesmo quando tudo indica que alguma coisa tem que ser feita.
A vantagem é que esse populismo, que já foi característico dos governos latino-americanos, tem hoje um freio muito claro: a noção de que é preciso manter o equilíbrio fiscal, imposta pela luta vitoriosa contra a inflação pelo Plano Real.
O Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada nos 30 anos entre 1963 a 1993. Uma inflação de cerca de 20% ao ano no início dos anos 70, que subiu para 40% em meados daquela década, e chegou a 100% ao ano na virada dos 70 para os anos 80.
A inflação foi quase a 250% em 1985, a mais de 1000% em 1988 e 1989, e 2.500% em 1993, chegando a 40% ao mês no início de 1994 e a 5.000% nos doze meses anteriores ao lançamento do Real. Esses 30 anos de hiperinflação cobraram um alto preço, com o país reduzindo suas taxas de crescimento à medida que a inflação ia subindo: 6,22% de 1964/1984; 4,39% de 1985/1989 e 1,18% de 1990/1994.
Ainda hoje lutamos para manter um crescimento econômico sustentável, e, sempre que uma crise surge no horizonte, vemos cortado nosso ritmo. Agora mesmo, depois de dois anos de crescimento maior de 5% do PIB - quase o dobro de nossa média dos últimos anos, embora abaixo da média dos emergentes -, temos pela frente a ameaça concreta de redução do ritmo de crescimento, de volta para a faixa de 2% a 3% do PIB.
A partir do Plano Real, e com a continuidade básica da política econômica no governo Lula, temos uma seqüência virtuosa no país como nunca aconteceu antes, assim resumida pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan em um discurso proferido este ano na Câmara de Vereadores do Rio, em homengem pelos 15 anos do Plano Real:
"Quatorze anos de inflação civilizada. Quinze anos de início do programa de privatização. Dezesseis anos de um salto qualitativo e quantitativo no processo de abertura da economia ao exterior. Quinze anos de efetiva autonomia operacional do Banco Central. Quinze anos desde a conclusão do processo definitivo de renegociação da dívida externa do setor público".
"Quinze anos de expressivos ingressos de investimento direto estrangeiro no Brasil (mais de U$220 bilhões no período) expressão de confiança no país e em seu futuro. Dez anos já se passaram desde a resolução de problemas de liquidez e solvência no sistema bancário e público".
"Dez anos desde que o governo federal concluiu a renegociação da dívida de 25 estados e 180 municípios. Nove anos de bem sucedida operação do regime de metas da inflação; nove anos de regime de taxas de câmbio flutuante. Oito anos desde o início operacional dos programas de transferências diretas de renda para a população mais pobre, que não começaram com este governo. Oito anos exatos desde a aprovação pelo Congresso da crucial Lei de Responsabilidade Fiscal".
Se pensarmos em tudo o que aconteceu nesses últimos anos como um processo continuado, temos razão para sermos confiantes no futuro. É verdade que, como o governo Lula se jacta, estamos mais bem preparados para atravessar esta crise do que estávamos na crise do México, ou na da Ásia, ou na da Rússia.
Mas, os tempos também são outros, o mundo não é mais o mesmo - basta ver o tamanho da China hoje e o que era dez, quinze anos atrás -, e o país estava começando a fortalecer suas instituições numa agenda pós-derrota da hiperinflação totalmente nova.
Um exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal, só aprovada no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, ou o Proer, tão criticado na ocasião e hoje citado pelo próprio Lula como exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos.
Não é à toa que Charles Dallara, diretor-gerente do Institute of International Finance (IIF), entidade que reúne os 380 maiores bancos do mundo, afirmou ontem que o Brasil não terá grandes dificuldades para atravessar a crise econômica, pois os bancos brasileiros estão bem capitalizados e são bastante rentáveis, e a inflação está sob controle.
O governo Lula, aliás, está conseguindo a grande proeza de dar alegrias aos banqueiros e aos do andar de baixo, e isso explica sua alta popularidade. As bazófias do tipo "Crise, que crise? Essa crise é do Bush" são só truques de um político experiente, que sabe como ninguém assumir os louros das vitórias e se livrar das críticas das derrotas.
Mas, vai ficar para o próximo presidente dar continuidade às reformas estruturais: trabalhista, previdenciária, tributária, que podem ser às vezes impopulares no momento, mas sem as quais o país terá apenas ciclos restritos de crescimento, sempre abortados.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A crise econômica internacional fez o que o ministro Guido Mantega queria ter feito no início do ano, mas foi proibido pelo próprio presidente Lula: reduzir o prazo dos crediários, especialmente dos automóveis, para travar o consumo, que crescia à média anual de 7% - um ritmo insustentável para o tamanho da nossa economia, mas muito bom para alimentar a popularidade do presidente, que não à toa está em 80%. O plano do ministro era aumentar as exigências dos bancos para os financiamentos muito longos, para inviabilizá-los a partir de um determinado limite, que podia ser de 36 meses. Pois bem, o governo não mexeu nos financiamentos, os juros continuaram a subir para conter a inflação, pressionada pelo consumo interno aquecido, mas a crise financeira internacional acabou encarecendo o crédito e inviabilizando o financiamento de longo prazo.
Os prazos de financiamento para automóveis, que já foram de inacreditáveis 72 meses, não passam agora de 24 meses, e as prestações tiveram um reajuste entre 10% e 25%. As lojas que vendiam eletroeletrônicos e produtos de informática em até 24 meses reduziram esse prazo pela metade. Esse é um exemplo claro de como o governo Lula puxa ao limite todos os prazos, adia todas as decisões, para manter um estado de euforia, mesmo quando tudo indica que alguma coisa tem que ser feita.
A vantagem é que esse populismo, que já foi característico dos governos latino-americanos, tem hoje um freio muito claro: a noção de que é preciso manter o equilíbrio fiscal, imposta pela luta vitoriosa contra a inflação pelo Plano Real.
O Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada nos 30 anos entre 1963 a 1993. Uma inflação de cerca de 20% ao ano no início dos anos 70, que subiu para 40% em meados daquela década, e chegou a 100% ao ano na virada dos 70 para os anos 80.
A inflação foi quase a 250% em 1985, a mais de 1000% em 1988 e 1989, e 2.500% em 1993, chegando a 40% ao mês no início de 1994 e a 5.000% nos doze meses anteriores ao lançamento do Real. Esses 30 anos de hiperinflação cobraram um alto preço, com o país reduzindo suas taxas de crescimento à medida que a inflação ia subindo: 6,22% de 1964/1984; 4,39% de 1985/1989 e 1,18% de 1990/1994.
Ainda hoje lutamos para manter um crescimento econômico sustentável, e, sempre que uma crise surge no horizonte, vemos cortado nosso ritmo. Agora mesmo, depois de dois anos de crescimento maior de 5% do PIB - quase o dobro de nossa média dos últimos anos, embora abaixo da média dos emergentes -, temos pela frente a ameaça concreta de redução do ritmo de crescimento, de volta para a faixa de 2% a 3% do PIB.
A partir do Plano Real, e com a continuidade básica da política econômica no governo Lula, temos uma seqüência virtuosa no país como nunca aconteceu antes, assim resumida pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan em um discurso proferido este ano na Câmara de Vereadores do Rio, em homengem pelos 15 anos do Plano Real:
"Quatorze anos de inflação civilizada. Quinze anos de início do programa de privatização. Dezesseis anos de um salto qualitativo e quantitativo no processo de abertura da economia ao exterior. Quinze anos de efetiva autonomia operacional do Banco Central. Quinze anos desde a conclusão do processo definitivo de renegociação da dívida externa do setor público".
"Quinze anos de expressivos ingressos de investimento direto estrangeiro no Brasil (mais de U$220 bilhões no período) expressão de confiança no país e em seu futuro. Dez anos já se passaram desde a resolução de problemas de liquidez e solvência no sistema bancário e público".
"Dez anos desde que o governo federal concluiu a renegociação da dívida de 25 estados e 180 municípios. Nove anos de bem sucedida operação do regime de metas da inflação; nove anos de regime de taxas de câmbio flutuante. Oito anos desde o início operacional dos programas de transferências diretas de renda para a população mais pobre, que não começaram com este governo. Oito anos exatos desde a aprovação pelo Congresso da crucial Lei de Responsabilidade Fiscal".
Se pensarmos em tudo o que aconteceu nesses últimos anos como um processo continuado, temos razão para sermos confiantes no futuro. É verdade que, como o governo Lula se jacta, estamos mais bem preparados para atravessar esta crise do que estávamos na crise do México, ou na da Ásia, ou na da Rússia.
Mas, os tempos também são outros, o mundo não é mais o mesmo - basta ver o tamanho da China hoje e o que era dez, quinze anos atrás -, e o país estava começando a fortalecer suas instituições numa agenda pós-derrota da hiperinflação totalmente nova.
Um exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal, só aprovada no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, ou o Proer, tão criticado na ocasião e hoje citado pelo próprio Lula como exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos.
Não é à toa que Charles Dallara, diretor-gerente do Institute of International Finance (IIF), entidade que reúne os 380 maiores bancos do mundo, afirmou ontem que o Brasil não terá grandes dificuldades para atravessar a crise econômica, pois os bancos brasileiros estão bem capitalizados e são bastante rentáveis, e a inflação está sob controle.
O governo Lula, aliás, está conseguindo a grande proeza de dar alegrias aos banqueiros e aos do andar de baixo, e isso explica sua alta popularidade. As bazófias do tipo "Crise, que crise? Essa crise é do Bush" são só truques de um político experiente, que sabe como ninguém assumir os louros das vitórias e se livrar das críticas das derrotas.
Mas, vai ficar para o próximo presidente dar continuidade às reformas estruturais: trabalhista, previdenciária, tributária, que podem ser às vezes impopulares no momento, mas sem as quais o país terá apenas ciclos restritos de crescimento, sempre abortados.
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