A história de minha
vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão.
Cresci ouvindo duas teses divergentes: ou o Brasil era o país do futuro ou era
uma zorra sem nome, um urubu caindo no abismo. Nessa encruzilhada, eu cresci.
Além disso, dentro dessa duvida, havia outra: UDN ou PTB? Reacionários da
"elite" ou o "povo"? Brigadeiro Eduardo Gomes ou Getúlio, "finesse"
ou "sujeira"? Comecei a me interessar por política quando votei em
Jânio. Confesso. Eu tinha 18 anos e não consegui me interessar por Lott, aquele
general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura
dramática, era uma caricatura vesga, cheia de caspa e dava a impressão de que
ele, sim, era de esquerda, doidão, "off". Meses depois, estou no
estribo de um bonde quando ouço: "Jânio tomou um porre e renunciou!"
Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se
sai de um botequim. Ali, no estribo do bonde "Praia Vermelha", eu
entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política,
mais forte que slogans e programas racionais. Percebi que existia uma
"sub-historia" que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma
anomalia secular que faz as coisas "desacontecerem", que criou
"um país sob anestesia, mas sem cirurgia".
Já na UNE, eu
participei febrilmente da luta pela posse do vice João Goulart, que a direita
queria impedir. O Exército do Sul, com Brizola à frente, garantiu a posse de
Jango e botei na cabeça que, com militares "legalistas" e heróis de
esquerda, finalmente o Brasil ia ascender a seu grande futuro.
Nos dois anos
seguintes, vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o país todo, numa
réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução tropical que ia instalar a
cultura popular, a grande arte, a beleza, com o Jango fundando a "Roma
tropica", como berrava Darcy Ribeiro. Um velho mundo ia cair sem
resistência. Não haveria golpes, pois o "exercito é de classe media e
portanto a favor do país" - nos ensinava o PCB.
No dia 31 de março de
64, estou na UNE comemorando a "vitória de tudo".
Havia um show com
Grande Otelo, Elza Soares, celebrando a "vitória do socialismo". Um
amigo me abraçou, gritando: "Vencemos o imperialismo norte-americano;
agora, só falta a burguesia nacional!"
Horas depois, a UNE
pegava fogo, e eu pulava pelos fundos sob os tiros das brigadas juvenis de
direita. No dia seguinte, diante de mim, materializou-se a figura absurda de
Castelo Branco, como um ET verde oliva. Acho que virei adulto naquela manhã,
com a UNE em fogo, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para
um pesadelo.
No entanto, os
tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que
até serviu para virilizar nossa luta política. Agora, o inimigo tinha rosto e
uniforme, e contra ele se organizou uma resistência cultural rica e fértil, que
se refinou pelo trauma e que perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e
as artes se engrandeceram na maldição. Nossa impotência estimulou uma nova
esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento
democrático que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões.
Era ilusão.
Ventava muito em
Ipanema, dezembro de 68, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato #5
na TV, virando o pais num sinistro campo de concentração. Com uma canetada, o
Costa e Silva, com sua cara de burro, fechou o país por mais 15 anos. Esperança-desilusão.
Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre
brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados a bala ou caíram no
desespero da contracultura mística, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de
dinheiro nos "milagres" de São Paulo.
O bode durou 15 anos
e a democracia virou uma obsessão. "Quando vier a liberdade, tudo estará
bem!", dizíamos. Só pensávamos na democracia e ninguém reparou que ela foi
voltando menos pelos comícios das diretas e mais pelas duas crises do petróleo
que criaram a recessão mundial, acabando com a grana que sustentava os
militares no poder. Os milicos e a banca internacional nos devolveram a
liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa. Os militares queriam se
livrar da batata quente da falência do Estado e entregaram-no aos paisanos
eufóricos com a vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio
voando, entrou no intestino do Tancredo e mudou nossa História. E começou a
grande desilusão. Com a volta da democracia, no período Sarney, tudo piora.
Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de
boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos
famintos corruptos - todos "nobres" vítimas da ditadura. Daí para
frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de
Collor, montado no cavalo louco da República, vergonha e horror. Depois, nova
esperança com o impeachment; depois, mais esperança com o Plano Real, vitória
da razão reformista com FHC, logo depois do Brasil no tetra, céu azul,
esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.
Mas tenho tristes
pressentimentos. Dilma pode ser uma nova esperança, se criar uma ponte entre a
teimosia regressista e uma modernização mais liberal.
O problema é que,
para além das ideologias, há no Brasil a maldição do Mesmo, uma grande empada
de detritos que clama pelo atraso. O maior inimigo do Brasil é a aliança entre
uma ideologia "de esquerda" e a oligarquia "de direita" -
como é hoje. Nem UDN nem PTB. Ganha sempre o Partido do Mesmo.
Fonte: O Globo / Segundo Caderno
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