Sobre a frase de
Nelson Hungria ("O Supremo tem apenas o privilégio de errar por
último"), Ayres Britto comentou: "Estamos trabalhando para acertar
por último. O Supremo é supremo não porque somos infalíveis, mas porque temos a
última palavra"
Se depender do
presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, os empates já
ocorridos no julgamento da Ação Penal 470, referente ao chamado mensalão, serão
decididos, ainda esta semana, a favor dos réus. "Tenho deixado clara minha
posição. Nesse casos, deve imperar o princípio in dubio pro reu." Como a
outra opção do Tribunal será pelo voto de desempate a ser dado pelo
ministro-presidente, o chamado "voto de qualidade", pode-se deduzir
que, também nessa hipótese, ele decidiria a favor dos réus.
Ayres Britto fez
ontem, no Iesb (Instituto de Ensino Superior de Brasília), a conferência
inaugural do 2º Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão do Curso de Direito, a
convite da reitora Edda Machado e da coordenadora do curso, Any Ávila Assunção.
Antes do início do evento, em conversa informal com esta coluna, negou que
tenha tomado a decisão de confiscar os passaportes dos réus que venham a ser
condenados, tal como publicado pela revista Veja na edição desta semana.
"Não sei de onde saiu essa notícia. Não há qualquer movimento que
justifique uma medida tão forte", disse ele. O magistrado acredita que,
ainda esta semana, concluído o julgamento da acusação de formação de quadrilha,
terá início o exame da dosimetria das penas.
Relativamente aos
empates, afirmou: "Se dependesse apenas de mim, optaríamos pela aplicação
automática da premissa in dubio, pro réu. Quando a Corte não consegue formar a
maioria em relação a um caso, ela deixa de ser um corpo uno. E, quando isso
acontece, a meu ver, devemos aplicar o princípio constitucional da presunção da
inocência. Mas a decisão será colegiada, e não apenas minha".
Ele não
comentou a hipótese de seus pares optarem pelo voto de qualidade, a ser dado
por ele como presidente da Corte. Mas a convicção externada permite concluir
que, também neste caso, desempataria a favor dos réus. Dependem de decisão
sobre o empate os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT),
os ex-deputados Pedro Corrêa (PP-PE), João Magno (PT-MG), Paulo Rocha (PT-PA) e
José Borba (PMDB-PR), além do assessor do PR Jacinto Lamas.
Ayres Britto diz que
o julgamento em curso o tem deixado "com o sono mais fatiado que o
processo", embora assegure ter a consciência tranquila quando à correção
do julgamento. "Mesmo assim, julgamentos criminais são desgastantes,
estamos tratando de pessoas e da liberdade delas. E estamos falando de um
processo inédito, pelo número de réus e pela amplitude das acusações." O
ministro disse ter lido a coluna da semana passada, em que citamos uma frase do
ex-ministro e grande penalista Nelson Hungria: "O Supremo tem apenas o
privilégio de errar por último". "De fato, essa prerrogativa pesa
sobre nossos ombros, mas estamos trabalhando para acertar por último. O Supremo
é supremo não porque somos infalíveis, mas porque temos a última palavra".
Ele concorda que o
julgamento produzirá o efeito "pedra no lago" em todo o Poder
Judiciário, com a adoção, pelas instâncias inferiores, das decisões tomadas
pelo STF em relação a temas como corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro
e formação de quadrilha. "Isso ocorrerá, pois os juízes tendem a se
espelhar no Supremo. Mas acredito que o julgamento terá um efeito salutar não
apenas sobre o Judiciário, mas sobre toda a cultura política do país. Será
pedagógico", diz ele.
Em sua palestra,
Britto deixou fluir seu lado de poeta e filósofo, ao traçar um paralelo entre o
direito e a educação. Não tratou de mensalão, mas, citando o filósofo
Heráclito, falou de mudança: "Permanente é só o impermanente". No
final, assediado por estudantes, posou para dezenas de fotografias e garantiu:
"Depois do dia 18, quando me aposento, voltarei a ser chamado apenas de
professor e terei mais tempo para o que mais aprecio: a leitura, a reflexão e a
poesia."
Amigos de 1968
Cerca de 100 pessoas que atuavam no movimento estudantil em 1968 participaram de almoço, no domingo, em solidariedade aos petistas José Dirceu e José Genoino, pelas condenações já sofridas no STF. Dirceu era presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo, e Genoino, presidente do DCE da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Ambos foram presos em 1968, no congresso clandestino da UNE em Ibiúna (SP).
No forno
O advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, diz estar examinando, "com todos os cuidados que a matéria exige", a proposta de Lei de Greve para os funcionários públicos. A decisão do governo foi tomada em função dos excessos cometidos pelos servidores na última greve (junho-julho). Mas, como se trata de regular direito constitucional, e o lobby da categoria no Congresso é forte, a proposta terá que ser juridicamente impecável e politicamente viável. No momento, o governo tem dois focos mais urgentes: garantir a renovação pactuada dos contratos do setor elétrico — enquanto o Congresso examina a MP 579 — e lançar as concessões para exploração de portos e aeroportos.
Fonte: Correio Braziliense
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