O
Supremo Tribunal Federal (STF) terminou ontem o julgamento do último item da
ação penal do mensalão com mais dez condenações por formação de quadrilha,
entre elas a do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, considerado o mentor do
esquema. Ao todo, 25 réus foram condenados por ao menos um crime e nove
absolvidos. Em três casos, a decisão dependerá da análise sobre o que fazer nas
situações de empate, tema que os juizes debaterão a partir de hoje, assim como
a definição da pena que caberá a cada um. Para o ministro Celso de Mello, o
processo foi "um dos episódios mais vergonhosos da história política de
nosso país" e revelou "um grupo de delinquentes que degradou a
atividade política transformando-a em plataforma de ações criminosas"
"Sociedade
de delinquentes"
Supremo condena
Dirceu, ex-presidente do PT e mais 8 réus; falta agora decidir as penas
André de Souza, Carolina
Brígido
UM JULGAMENTO PARA A
HISTÓRIA
BRASÍLIA Quase três
meses após o início do julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) terminou
ontem o julgamento do último item da ação penal do mensalão, com mais dez condenações.
O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu - que já havia sido condenado por
corrupção ativa e tinha sido denunciado pelo Ministério Público como o mentor
do esquema criminoso - foi condenado pelo crime de formação de quadrilha. Pelo
mesmo motivo, foram condenados outros nove réus, entre eles o ex-presidente do
PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o operador do
mensalão, Marcos Valério. Houve ainda um empate e duas absolvições.
Assim, após 39
sessões - a primeira delas em 2 de agosto -, o julgamento tem 25 réus
condenados por pelo menos um crime, e nove totalmente absolvidos. Outros três
estão com o destino ainda indefinido, pois os ministros se dividiram e o placar
final foi o empate.
Ontem, a maioria dos
ministros entendeu que houve uma associação estável dos réus com o objetivo de
cometer crimes contra administração pública e o sistema financeiro nacional,
permitindo assim o desvio de recursos públicos para a compra de apoio parlamentar
no Congresso Nacional. Eles se organizavam em três núcleos: o político,
compreendendo a cúpula do PT; o publicitário, que incluía Valério e pessoas
ligadas a ele; e o financeiro, constituído por dirigentes do Banco Rural.
- Este processo
revela um dos episódios mais vergonhosos da história política de nosso país,
pois os elementos probatórios que foram produzidos pelo Ministério Público
expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada um grupo de
delinquentes que degradou a atividade política transformando-a em plataforma de
ações criminosas - disse o ministro Celso de Mello.
Ele chegou a comparar
a ação da quadrilha do mensalão com as organizações criminosas que atuam no
tráfico no Rio e em São Paulo.
- Formou-se na cúpula
do poder, à margem da lei e do direito, e ao arrepio dos bons costumes
administrativos, um estranho e pernicioso sodalício, constituído de altos
dirigentes governamentais e partidários, unidos por um vínculo associativo
estável ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer
crime, agindo nos subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado,
para vulnerar, transgredir, lesionar a paz pública. A essa sociedade de
delinquentes o direito penal dá o nome de quadrilha ou bando.
Três ministros seguiram
o revisor
O relator, Joaquim
Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, já haviam votado na semana passada.
Enquanto Barbosa condenou 11 dos 13 réus, Lewandowski preferiu absolver todos.
Ontem, seguiram integralmente o relator os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes,
Celso de Mello e Ayres Britto. Marco Aurélio votou na maior parte alinhado com
Barbosa. Ficaram com o revisor: Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
O placar mais comum
foi condenação por 6 a 4. Esse foi o resultado do julgamento de Dirceu,
Genoino, Delúbio, Marcos Valério, seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz,
o advogado Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, e
os ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado.
Graças ao voto de Marco
Aurélio, terminou empatado em 5 a 5 o julgamento do atual vice-presidente do
Rural Vinicius Samarane. Foram absolvidas Ayanna Tenório, ex-executiva do
banco, e Geiza Dias, ex-funcionária de Valério.
A ministra Rosa Weber
foi a primeira a votar na sessão de ontem. Ela voltou a afirmar que o crime de
quadrilha não se aplica ao mensalão. A ministra explicou que só existe
quadrilha "quando o acerto de vontades entre integrantes visa uma série
indeterminada de delitos". Ela também ressaltou que, no caso, os membros
da suposta quadrilha não viviam do produto dos crimes - um requisito essencial
para configurar o tipo penal, na interpretação de Rosa.
O relator da ação,
Joaquim Barbosa contestou o voto da colega. Ele afirmou que, segundo essa
interpretação, haveria uma "exclusão sociológica" do crime de
quadrilha, como se a prática só pudesse ocorrer em "crimes de
sangue", e não nos crimes contra a administração pública. Ele também
contestou o argumento de Rosa de que o crime de quadrilha não contraria a paz
social. No Código Penal, a quadrilha está inserida no capítulo dos crimes
contra a paz social.
- O crime abala, sem
dúvida, a ordem social, porque ele abala as bases do sistema democrático. É só
o indivíduo que mora no morro e sai atirando loucamente pela cidade que abala?
Ou será que a tomada das nossas instituições políticas de maneira pecuniária
não abala a paz social? É preciso que haja crime de sangue para que essa paz
social seja abalada? A prática de crime de formação de quadrilha por pessoas
que usam terno e gravata traz um desassossego ainda maior do que esse
dessossego que nos traz os que se consagram à prática dos chamados crimes de
sangue - sustentou Barbosa.
Rosa ressaltou que o
ilícito não teria ocorrido no caso do mensalão porque os réus não se dedicavam
apenas à atividade criminosa.
Cármen Lúcia absolveu
todos os réus e também destacou que discorda da tese de que apenas os crimes de
sangue são passíveis de serem cometidos por quadrilha. Segundo ela, a
absolvição era necessária porque o Ministério Público não conseguiu provas do
delito.
Luiz Fux acompanhou o
relator. Segundo ele, houve formação de quadrilha para a compra de apoio
político na Câmara. Fux lembrou que o esquema durou mais de dois anos,
mostrando que a associação não era esporádica:
- Restou
incontroverso neste plenário que três núcleos se uniram para o alcance de um
desígnio comum, para a consecução de um projeto delinquencial, o qual de tornar
refém uma das casas do Parlamento no afã de obter poder, apoio político.
Dias Toffoli foi
sucinto e absolveu todos os réus. Em seguida, votou Gilmar Mendes. Ele seguiu
Barbosa e Fux, condenando a maioria dos réus. O ministro lembrou que qualquer
crime pode ser cometido por uma quadrilha, e não apenas aqueles contra a vida e
o patrimônio:
- A necessidade de
cada um encontrou no outro a oportunidade de satisfação. Inicia-se uma longa e
duradoura aliança que somente se desgastou com as denúncias do então deputado
Roberto Jefferson.
Marco Aurélio
associou a quantidade de réus acusados de formação de quadrilha - 13 - ao
número que representa o PT. E ainda sugeriu que o governo Dilma Rousseff
representou uma mudança para melhor em relação ao governo Lula quanto ao
combate à corrupção:
- Houve no caso a
formação de uma quadrilha das mais complexas, envolvendo os núcleos político,
financeiro e operacional. Mostraram-se os integrantes em número de 13. É
sintomático o número, mostraram-se os integrantes afinados. Os integrantes
estariam a lembrar a máfia italiana, já que envelopes eram buscados, sem
conhecimento do conteúdo, com cifras altíssimas.
O presidente da
Corte, Carlos Ayres Britto, foi o último a votar, seguindo o relator.
Fonte: O Globo
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