terça-feira, 23 de outubro de 2012

STF condena quadrilha e agora só falta a pena


O Supremo Tribunal Federal (STF) terminou ontem o julgamento do último item da ação penal do mensalão com mais dez condenações por formação de quadrilha, entre elas a do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, considerado o mentor do esquema. Ao todo, 25 réus foram condenados por ao menos um crime e nove absolvidos. Em três casos, a decisão dependerá da análise sobre o que fazer nas situações de empate, tema que os juizes debaterão a partir de hoje, assim como a definição da pena que caberá a cada um. Para o ministro Celso de Mello, o processo foi "um dos episódios mais vergonhosos da história política de nosso país" e revelou "um grupo de delinquentes que degradou a atividade política transformando-a em plataforma de ações criminosas"

"Sociedade de delinquentes"

Supremo condena Dirceu, ex-presidente do PT e mais 8 réus; falta agora decidir as penas

André de Souza, Carolina Brígido

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA Quase três meses após o início do julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) terminou ontem o julgamento do último item da ação penal do mensalão, com mais dez condenações. O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu - que já havia sido condenado por corrupção ativa e tinha sido denunciado pelo Ministério Público como o mentor do esquema criminoso - foi condenado pelo crime de formação de quadrilha. Pelo mesmo motivo, foram condenados outros nove réus, entre eles o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o operador do mensalão, Marcos Valério. Houve ainda um empate e duas absolvições.

Assim, após 39 sessões - a primeira delas em 2 de agosto -, o julgamento tem 25 réus condenados por pelo menos um crime, e nove totalmente absolvidos. Outros três estão com o destino ainda indefinido, pois os ministros se dividiram e o placar final foi o empate.

Ontem, a maioria dos ministros entendeu que houve uma associação estável dos réus com o objetivo de cometer crimes contra administração pública e o sistema financeiro nacional, permitindo assim o desvio de recursos públicos para a compra de apoio parlamentar no Congresso Nacional. Eles se organizavam em três núcleos: o político, compreendendo a cúpula do PT; o publicitário, que incluía Valério e pessoas ligadas a ele; e o financeiro, constituído por dirigentes do Banco Rural.

- Este processo revela um dos episódios mais vergonhosos da história política de nosso país, pois os elementos probatórios que foram produzidos pelo Ministério Público expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada um grupo de delinquentes que degradou a atividade política transformando-a em plataforma de ações criminosas - disse o ministro Celso de Mello.

Ele chegou a comparar a ação da quadrilha do mensalão com as organizações criminosas que atuam no tráfico no Rio e em São Paulo.

- Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e do direito, e ao arrepio dos bons costumes administrativos, um estranho e pernicioso sodalício, constituído de altos dirigentes governamentais e partidários, unidos por um vínculo associativo estável ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer crime, agindo nos subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado, para vulnerar, transgredir, lesionar a paz pública. A essa sociedade de delinquentes o direito penal dá o nome de quadrilha ou bando.

Três ministros seguiram o revisor

O relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, já haviam votado na semana passada. Enquanto Barbosa condenou 11 dos 13 réus, Lewandowski preferiu absolver todos. Ontem, seguiram integralmente o relator os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto. Marco Aurélio votou na maior parte alinhado com Barbosa. Ficaram com o revisor: Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

O placar mais comum foi condenação por 6 a 4. Esse foi o resultado do julgamento de Dirceu, Genoino, Delúbio, Marcos Valério, seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, o advogado Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, e os ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado.

Graças ao voto de Marco Aurélio, terminou empatado em 5 a 5 o julgamento do atual vice-presidente do Rural Vinicius Samarane. Foram absolvidas Ayanna Tenório, ex-executiva do banco, e Geiza Dias, ex-funcionária de Valério.

A ministra Rosa Weber foi a primeira a votar na sessão de ontem. Ela voltou a afirmar que o crime de quadrilha não se aplica ao mensalão. A ministra explicou que só existe quadrilha "quando o acerto de vontades entre integrantes visa uma série indeterminada de delitos". Ela também ressaltou que, no caso, os membros da suposta quadrilha não viviam do produto dos crimes - um requisito essencial para configurar o tipo penal, na interpretação de Rosa.

O relator da ação, Joaquim Barbosa contestou o voto da colega. Ele afirmou que, segundo essa interpretação, haveria uma "exclusão sociológica" do crime de quadrilha, como se a prática só pudesse ocorrer em "crimes de sangue", e não nos crimes contra a administração pública. Ele também contestou o argumento de Rosa de que o crime de quadrilha não contraria a paz social. No Código Penal, a quadrilha está inserida no capítulo dos crimes contra a paz social.

- O crime abala, sem dúvida, a ordem social, porque ele abala as bases do sistema democrático. É só o indivíduo que mora no morro e sai atirando loucamente pela cidade que abala? Ou será que a tomada das nossas instituições políticas de maneira pecuniária não abala a paz social? É preciso que haja crime de sangue para que essa paz social seja abalada? A prática de crime de formação de quadrilha por pessoas que usam terno e gravata traz um desassossego ainda maior do que esse dessossego que nos traz os que se consagram à prática dos chamados crimes de sangue - sustentou Barbosa.

Rosa ressaltou que o ilícito não teria ocorrido no caso do mensalão porque os réus não se dedicavam apenas à atividade criminosa.

Cármen Lúcia absolveu todos os réus e também destacou que discorda da tese de que apenas os crimes de sangue são passíveis de serem cometidos por quadrilha. Segundo ela, a absolvição era necessária porque o Ministério Público não conseguiu provas do delito.

Luiz Fux acompanhou o relator. Segundo ele, houve formação de quadrilha para a compra de apoio político na Câmara. Fux lembrou que o esquema durou mais de dois anos, mostrando que a associação não era esporádica:

- Restou incontroverso neste plenário que três núcleos se uniram para o alcance de um desígnio comum, para a consecução de um projeto delinquencial, o qual de tornar refém uma das casas do Parlamento no afã de obter poder, apoio político.

Dias Toffoli foi sucinto e absolveu todos os réus. Em seguida, votou Gilmar Mendes. Ele seguiu Barbosa e Fux, condenando a maioria dos réus. O ministro lembrou que qualquer crime pode ser cometido por uma quadrilha, e não apenas aqueles contra a vida e o patrimônio:

- A necessidade de cada um encontrou no outro a oportunidade de satisfação. Inicia-se uma longa e duradoura aliança que somente se desgastou com as denúncias do então deputado Roberto Jefferson.

Marco Aurélio associou a quantidade de réus acusados de formação de quadrilha - 13 - ao número que representa o PT. E ainda sugeriu que o governo Dilma Rousseff representou uma mudança para melhor em relação ao governo Lula quanto ao combate à corrupção:

- Houve no caso a formação de uma quadrilha das mais complexas, envolvendo os núcleos político, financeiro e operacional. Mostraram-se os integrantes em número de 13. É sintomático o número, mostraram-se os integrantes afinados. Os integrantes estariam a lembrar a máfia italiana, já que envelopes eram buscados, sem conhecimento do conteúdo, com cifras altíssimas.

O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, foi o último a votar, seguindo o relator.

Fonte: O Globo

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