Houve quem tenha visto uma vinculação entre a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de não cassar a chapa Dilma-Temer e o futuro da Lava Jato, como se a posição vencedora no tribunal eleitoral representasse um passo atrás no combate à corrupção. Essa confusão revela como, nos tempos atuais, os fatos parecem ter pouca importância, predominando as visões mais afeitas à paixão do que à razão.
Em primeiro lugar, vale lembrar que o TSE é uma Corte eleitoral. Seus ministros não julgam propriamente crimes e, portanto, não absolvem criminalmente ninguém. Na sexta-feira passada, por maioria de votos, a Corte decidiu que a ação de investigação judicial eleitoral, que pedia a cassação da chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, era improcedente. Segundo a maioria dos ministros, não restou comprovada no processo a ocorrência de abuso de poder político e econômico que, nos termos da lei eleitoral, fosse motivo para cassar o mandato.
A decisão do TSE não é uma porta para a impunidade criminal pelo simples fato de que ela nada vale no âmbito criminal. Longe de ser um demérito à Corte eleitoral, a limitação dos efeitos de suas decisões é imposição de uma realidade institucional plenamente consolidada – as esferas eleitoral e criminal são diferentes e independentes entre si.
Quando a maioria dos ministros considerou que as delações de diretores da Odebrecht não faziam parte do processo e que, portanto, não deviam ser consideradas como prova naqueles autos, não estava fazendo um juízo sobre a veracidade do conteúdo dessas delações. Os ministros do TSE simplesmente reconheceram que aquele material era estranho à ação em pauta e que, sendo assim, não era juridicamente correto valer-se dele para proferir a decisão no caso.
Achar que a decisão do TSE e o andamento da Lava Jato estão vinculados não manifesta, no entanto, apenas um desconhecimento sobre a natureza da Justiça Eleitoral. Nesse modo de ver as coisas há uma outra confusão, desta vez a respeito da própria Operação Lava Jato. Procura-se, por ato de vontade, ampliar a esfera de atuação da operação, dando-lhe um escopo que ela não tem e não pode ter. Isso não a fortalece; ao contrário, a fragiliza. E a demonstração disso está no fato de uma decisão da Justiça especial – a Eleitoral – ser considerada uma diminuição do trabalho dos procuradores de Curitiba, quando isso nunca esteve em questão. O que haverá se o juiz Sérgio Moro vir-se no dever de absolver um réu da Lava Jato, como de resto já aconteceu?
Por força de seus muitos méritos, possibilitando a investigação e punição de muitos e importantes crimes, a Lava Jato recebeu amplo apoio da população. A operação tornou-se símbolo do combate à impunidade. Tal fenômeno, que recomenda que os responsáveis pela operação aumentem a prudência na sua condução, foi usado por alguns agentes da lei para a promoção de peculiares ideias políticas.
É recorrente, por exemplo, a tentativa de usar a Lava Jato como uma confirmação da tese de que todas as instituições no País, exceto o Ministério Público (MP), estão podres. Essa apropriação da operação para fins políticos ganhou tal dimensão que parece afetar, em alguns casos, os próprios trabalhos investigativos e persecutórios da operação. Às vezes, atos de alguns membros do MP mais parecem destinados a gerar um espetáculo midiático do que a produzir provas consistentes.
Diante desse quadro, faz-se imperioso recordar que a Lava Jato é uma operação de investigação de corrupção e lavagem de dinheiro. Ela não encarna a luta do bem contra o mal, até porque é conduzida por homens falíveis e sujeitos às tentações da vida.
A Lava Jato é importante demais para o País para estar exposta aos riscos da soberba e de projetos pessoais, alimentados pela ilusão de redenção coletiva que suscitou em grande parte dos brasileiros. A melhor proteção para o seu futuro é a preservação de sua identidade original: uma operação de investigação criminal.
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