- Folha de S. Paulo
Qual a semelhança entre prisões cautelares e racismo? Ambos são mais fáceis de ver nas estatísticas do que nos casos concretos.
Quando um negro deixa de ser promovido ou é condenado por tráfico, sempre dá para se perguntar se não havia mesmo outro candidato mais qualificado ou se o sujeito não estava vendendo drogas. Mas, quando olhamos para os dados agregados, que mostram uma baixa concentração de negros em cargos de chefia e uma super-representação desse grupo nas cadeias, não há como não ficar com a pulga atrás da orelha.
Em termos puramente lógicos, seria possível argumentar que os desvios estatísticos apenas refletem a realidade. Negros seriam mesmo menos qualificados para exercer funções executivas e estariam mais propensos do que brancos a traficar entorpecentes. Aceitar isso, porém, desafia tudo o que sabemos sobre o peso da aleatoriedade na distribuição dos talentos e fraquezas humanos. Uma hipótese mais verossímil é que empregadores e o sistema judicial recorram em algum grau a estereótipos raciais na hora de decidir promoções e enquadramentos penais.
Raciocínio idêntico se aplica às prisões cautelares. Analisando cada caso individualmente, a dúvida é sempre legítima. Como, afinal, garantir que aquele acusado em particular não continuaria a cometer crimes ou tentaria destruir provas se respondesse em liberdade? Basta, porém, verificar as estatísticas, que mostram que 34% das pessoas que estão encarceradas no Brasil ainda não foram julgadas, para constatar que há algo profundamente errado.
Se a lei e a doutrina qualificam as prisões cautelares como medidas excepcionais, que só deveriam ser aplicadas quando inexistam alternativas mais brandas, é inconcebível que 1/3 dos presos brasileiros estejam nessa condição. Ou o sistema não cumpre a lei, ou a lei precisa ser alterada, por flertar com o irrealismo. O problema é muito maior que a Lava Jato.
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