André Guilherme Vieira, Cristiane Agostine e Sérgio Ruck Bueno | Valor Econômico
PORTO ALEGRE - Conhecidos como magistrados criminais de 'mão pesada', os três desembargadores que compõem a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) são entusiastas de doutrinas estrangeiras e condenam com rigor crimes de corrupção e contra a ordem econômica - mesmo quando os fatos descritos pela acusação não estão plenamente demonstrados, em uma interpretação jurídica conhecida como "prova indireta" e que se notabilizou com a Operação Lava-Jato.
Os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus vão definir hoje a situação jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sentenciado em 12 de julho de 2017 a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo juiz federal Sergio Moro. Os delitos envolveriam supostas propinas relacionadas ao caso Petrobras, no valor de R$ 2,2 milhões e pagas pela OAS entre 2009 e 2014, materializadas na entrega e reforma de um tríplex no Guarujá (SP) pela empreiteira, segundo a acusação feita pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba.
"Nesses julgamentos que envolvem delitos de natureza econômica, o TRF-4 tem adotado duas doutrinas jurídicas 'emprestadas' do exterior. A do domínio do fato (desenvolvida pela jurista alemã Hanna Arendt para responsabilizar o alto comando nazista pelos crimes perpetrados no Holocausto) e a da cegueira deliberada, de origem espanhola", explica o professor de Direito penal Carlos Eduardo Scheid, que concluiu doutorado em 2012 analisando os julgadores do TRF-4.
"O domínio do fato já é largamente utilizado pelo tribunal há ao menos 15 anos. Já a tese da cegueira deliberada é mais recente. Foi muito empregada na Espanha para responsabilizar as 'mulas' do tráfico internacional pelo transporte de drogas que chegavam ao país. E encontra proximidade com um dispositivo do nosso ordenamento jurídico, que é o dolo eventual, que ocorre quando se assume o risco de se praticar determinada conduta", esclarece Scheid.
Relator da Lava-Jato no TRF-4, Gebran Neto tem 52 anos e foi promotor de Justiça criminal no Paraná. Ele ingressou na Justiça Federal da 4ª Região em 1993 e já atuou como juiz eleitoral no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) de 2006 a 2008. Pós-graduado em Ciências Penais e Processuais Penais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Gebran chegou ao TRF-4 no fim de 2013. A 4ª Região da Justiça federal é integrada pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Também ex-promotor de Justiça e com experiência de ao menos 10 anos como procurador da República no MPF catarinense, o desembargador Victor Laus tem 54 anos e é o decano da 8ª Turma. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e chegou ao TRF-4 pelo Quinto Constitucional, em 2002. A Constituição estabelece que um quinto das vagas de desembargador nos tribunais estaduais e federais do país será preenchido por membros do Ministério Público, e outro quinto por advogados indicados pela OAB. O restante dos assentos nessas Cortes é destinado a juízes de primeira instância que ascendem ao cargo de desembargador por promoção ou por tempo de serviço dedicado à magistratura.
Desembargador revisor dos processo da Lava-Jato no TRF-4, Leandro Paulsen tem 47 anos e é o mais jovem entre seus pares. Gaúcho, é formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul. Fez especialização em Economia Política e em Filosofia, também na PUC. Concluiu mestrado em Teoria do Direito e em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG). Possui ainda doutorado na universidade espanhola de Salamanca em Direitos e Garantias do Contribuinte.
Os desembargadores poderão condenar Lula, aumentando ou mantendo a sentença aplicada por Moro; diminuir a pena ou ainda absolver o ex-presidente se tiverem dúvida sobre o envolvimento do petista nos crimes a ele atribuídos pela acusação.
Na hipótese de o petista ser condenado por unanimidade pelos desembargadores, caberá à defesa do ex-presidente encaminhar recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois recursos, no entanto, não levarão os tribunais superiores a avaliarem os fatos concretos da condenação. O recurso especial é cabido quando há desrespeito à legislação federal. Já no recurso extraordinário o STF avalia se houve violação à Constituição.
Se o TRF-4 decidir contrariamente a Lula, mas pelo placar de 2 votos a 1, a defesa do petista poderá ajuizar o recurso conhecido como embargos infringentes, endereçado ao próprio tribunal. Essa medida é prevista para casos com decisões não unânimes e é empregada com frequência em julgamentos de Cortes colegiadas, como ocorreu no processo do mensalão.
Se o tribunal decidir favoravelmente a Lula, com a votação de 2 a 1, o acórdão (decisão) absolutório reformará totalmente a decisão de Sergio Moro. Nessa hipótese, o MPF poderá recorrer ao STJ e ao STF.
Caso o julgamento acabe com o placar de 3 a 0 favoravelmente a Lula, a decisão do TRF-4 substituirá a sentença de primeira instância, restando ao MPF recorrer aos tribunais superiores.
Uma decisão condenatória mas que diminua a pena imposta a Lula dará margem a outros recursos para a defesa do petista, que também terão de ser ajuizados no STJ e no STF.
Há ainda a possibilidade de um desembargador pedir vista durante o julgamento. Nesse cenário, os votos já declarados durante a sessão de julgamento contam, mas será necessário aguardar que o desembargador que pediu vista apresente seu voto, em uma nova sessão. Nessa hipótese, outros desembargadores que já votaram podem mudar o seu voto, caso acompanhem o entendimento do magistrado autor do pedido de vista.
No julgamento de hoje, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, deverá ser o terceiro a fazer a sustentação oral diante dos três desembargadores, segundo a ordem de inscrição. O defensor deverá pedir a absolvição do petista por falta de provas de que ele tenha cometido ato de ofício (durante o mandato presidencial) e ainda abordará a tese de que os crimes, se houve, estariam prescritos pelo tempo já decorrido - a prescrição é um dispositivo legal que limita, temporalmente, o poder do Estado para processar criminalmente.
No memorial apresentado pela defesa de Lula, os advogados solicitam a garantia de liberdade para - no caso de condenação - o ex-presidente recorrer aos tribunais superiores sem ser preso. A decisão sobre a prisão de Lula cabe ao TRF-4, caso o condene no julgamento de hoje. Porém, a execução provisória de pena só pode ser ordenada depois de esgotados os recursos no próprio TRF-4. O atual entendimento do Supremo, uma interpretação do texto constitucional, dispõe que a execução da pena começa quando concluída a condenação em segunda instância.
A sessão será aberta às 08h30 pelo presidente da Turma, Leandro Paulsen. Depois o relator Gebran Neto lerá o relatório do processo. Só então ocorrerá a manifestação do MPF, que terá 30 minutos. Depois vêm os advogados de defesa, com 15 minutos cada, totalizando duas horas para as defensores.
O primeiro a falar diante da Turma será o procurador regional da República Maurício Gerum, que pedirá que Lula tenha pena ampliada e seja condenado por três atos de corrupção, e não apenas um, conforme a sentença de Moro.
O segundo será o jurista Ariel Dotti, que atua para a Petrobras como assistente da acusação.
Ele será sucedido por Luís Carlos Torres, que defende Agenor Magalhães, ex-executivo da OAS; Fernando Fernandes, que defende o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto; e Fernando Noal, que representa Roberto Moreira, ex-diretor da OAS. O advogado do empreiteiro José Adelmário Pinheiro também falará.
Caso haja pedido de vista, o julgamento será adiado e retomado em outra data, quando o autor do pedido devolver a matéria para a pauta da Turma.
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